Goiânia tem crescido de forma acelerada, o que aliás não a torna uma exceção quando analisamos o crescimento urbano nas últimas décadas, principalmente nas grandes cidades, capitais ou, se quiserem, metrópoles regionais. Claro que dependendo da região esse crescimento é diferenciado, e isso faz muita diferença quando tratamos de um Estado cujo desenvolvimento tem sido bastante acentuado nos últimos anos.
A centralização geográfica do Estado e um traçado moderno efetuado em nossa capital, Goiânia, munindo a cidade de infra-estruturas capazes de atrair pessoas de outras regiões em busca de garantias de mais segurança justificam essas transformações. A conseqüência disso tem sido um aumento visível do número de veículos circulando pela cidade. É visível a lentidão em agir e planejar em comparação com o aumento da população e do número de veículos. Embora para todos seja perceptível que isso seria inevitável.
O caos que afeta o trânsito em Goiânia não é exceção no quadro das grandes metrópoles, seja no Brasil ou em qualquer outro país. A exceção é quando se encontram cidades cujos recortes espaciais beneficiem as pessoas, os cidadãos. Quase sempre a arquitetura nesses espaços urbanos segue a lógica de uma sociedade que valoriza mais os automóveis – velho sonho de consumo da classe média, e atualmente praticamente de todas as pessoas, ansiosas por fugir de um transporte coletivo ineficiente.
Falta eficácia na adoção de políticas que amenizem esse sofrimento e imponha limite ao poder monopolista das empresas, pondo fim ao monopólio exercido por algumas delas e garanta um efetivo oferecimento de serviços baseado na eficiência e na qualidade. Isso sim é o que pode possibilitar aos cidadãos trocar por alguns dias seus veículos pelo uso de um transporte que atenda às suas necessidades sem tratá-los como gado. Caso contrário, prosseguirá sempre, cada vez mais, elevando-se o número de novos veículos que entram em circulação em Goiânia, e isso se conta em milhares.
A prosseguir essa lógica, melhor será denominar essa de “sociedade do automóvel”, com as preocupações definidoras do traçado arquitetônico sendo ditadas pela necessidade de garantir a circulação de veículos em áreas comerciais para atender à pressão do comércio. Foi isso, aliás, que motivou uma irresponsável deformação da Avenida Anhanguera, dificultando enormemente o trânsito de pedestres. Uma intervenção do governo do Estado na época à revelia do governo municipal, criando uma situação de difícil reverso.
Em época de eleições, propostas apresentadas como meios para facilitar a vida do cidadão, nos coloca em sobreaviso, na medida em que propõe-se criar mais uma anomalia na cidade, enfiar um metrô de superfície na avenida Anhanguera. Imagine o caos que será criado com a proposta de um “veículo leve sobre trilhos”, circulando em alta velocidade em uma estreita avenida, preparada inicialmente para suportar um fluxo de veículos e pedestre tendo em vista uma cidade com cinqüenta mil habitantes. O veículo “leve” a que se refere os que propõe tal medida, pesa toneladas e representa seis a sete vagões, cada um maior do que um ônibus. E o cidadão, como se deslocará de um lado para outro da avenida? Metrô, sim, e com urgência. De superfície, no entanto, será uma anomalia.
O outro lado da história se reflete na cultura gerada por toda a ineficiência, e o conseqüente estresse que gera violência em meio ao caos urbano; estupidez, mortes, e o confronto agressivo por pessoas que sequer se conhecem, bem ao estilo “nunca te vi e sempre te odiei”.
No meio de tudo isso o pedestre, sem dúvida o mais fragilizado e vítima contumaz do que considero uma arquitetura da exclusão. Todo um traçado urbanístico que nega ao cidadão direitos essenciais e o coloca numa situação de perigo semelhante àqueles que se situam na Faixa de Gaza, Iraque ou Afeganistão, áreas de perigosos conflitos armados e regiões de guerra quase permanente. Se alguém duvida tente atravessar a BR-153, no perímetro urbano de Goiânia a qualquer hora do dia, mas principalmente no começo da manhã e final da tarde. E esse é apenas um exemplo, temos muitos outros por toda a cidade.
Apesar de constantes campanhas educativas, as estatísticas não indicam nem uma redução no número de vítimas e muito menos uma diminuição da agressividade dos motoristas, demonstrados na irritabilidade crescente e na velocidade com que trafegam pelas ruas e avenidas. A lei seca diminuiu por certo tempo esses índices, mas retomaram seu ímpeto de crescimento na medida em que a fiscalização tornou-se ineficiente, como tem se demonstrado, principalmente em nossa capital, onde concentra-se o maior volume de tráfego de automóveis. É sabido que o número de fiscal é extremamente reduzido em função das necessidades. Mais uma vez comprova-se a incompetência de um planejamento urbano, pois não se contrata pessoal na mesma proporção em que cresce o movimento e o número de automóveis.
Essa impossibilidade de reverter esse quadro dentro de um processo educativo fez com que se multiplicasse a quantidade de fotossensores, colocados em áreas de muitos acidentes e cruzamentos sinalizados por semáforos (o que não deveria ser necessário, pelo óbvio, os semáforos deveriam ser respeitados, bem como os limites de velocidades). Em reação a isso cresce uma gritaria, a meu ver desqualificada e oportunista em vários sentidos. Ora, se há um limite de velocidade a ser respeitado, o que torna esses sensores ilegais? Se há em algumas vias um excesso de acidentes causados por irresponsabilidades e imprudências, o que deve ser preservado, a vida ou o prazer criminoso da velocidade em áreas que em nada se assemelham a um autódromo? Tão hediondo quanto as mortes criminosas é o fato de proliferarem escritórios de advocacia que se especializaram em ganhar dinheiro em cima dessa bizarra situação – ao invés de defenderem a vida, dispõem-se a lucrar contra uma lógica que visa, acima de tudo, fazer com que a lei seja respeitada. Infelizmente, a administração de Goiânia absteve-se de atuar nessa área, não alterando o número de sensores, mesmo diante de uma necessidade visível.
Manifestações em vários pontos da cidade exigem lombadas eletrônicas para impedir as constantes mortes cujos números alarmantes já foram divulgados em reportagens na mídia. Mas o que deveria escandalizar, não impede que a demagogia prevaleça em alguns discursos, principalmente em épocas eleitorais, quando certos candidatos referem-se à existência de uma “indústria de multas”, e propõe reduzi-las, mas inexplicavelmente calavam-se e não citam os crimes patrocinados por quem transforma seus veículos em armas letais.
Não se pode prescindir de campanhas educativas, principalmente para alertar as novas gerações, mas seria absurdo evitar a instalação de fotossensores quando a realidade aponta na direção de desrespeitos repetidos, à revelia da lei e completamente insensível ao valor que deve ser dado à vida.
O desafio é grande, mas acima de tudo, é preciso refletir sobre o futuro reservado aos cidadãos nas grandes metrópoles, e a quem deve servir o traçado nessas cidades: aos indivíduos ou aos automóveis.
(*) Este artigo foi publicado originalmente no jornal O Popular, durante o período da campanha eleitoral de 2004. Fiz pequenas alterações e decidi postá-lo por considerar que o tema está bastante atual.
Com o aumento da frota de veículos automotores em circulação no espaço viário da cidade, a mobilidade de ciclistas e pedestres torna-se cada vez mais restrita...
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