Estive no
Sul do Pará (São Geraldo) e Norte do Tocantins (Xambioá) na semana que passou.
Fui a convite do Ministério da Defesa, para ser observador das atividades que
estão sendo desenvolvidas pelo Grupo de Trabalho Tocantins, criado a partir de
uma determinação judicial para buscar os corpos dos guerrilheiros mortos
durante a Guerrilha do Araguaia na década de 1970. Pretendia incluir no Blog um relato dessa experiência como próxima postagem. Contudo mudei de opinião quando ao retornar assisti ao filme CRIAÇÃO. Na verdade já durante o filme me senti impelido a exprimir o sentimento que me invadia a cada cena que eu via.
O filme trata de um conflito que atormentou Charles Darwin quando ele se preparava para concluir a elaboração de seu projeto que culminaria na publicação do livro A ORIGEM DAS ESPÉCIES. Disso eu sabia quando tomei conhecimento do mesmo, mas evitei por todo esse tempo, mesmo na época em que ele foi projetado no cinema, ler qualquer artigo e comentário a fim de não me deixar convencer por opiniões de terceiros. A razão: Darwin perdera uma filha, a primogênita, durante o período de reflexão sobre todo o estudo feito durante sua viagem que percorreu vários continentes, a bordo do navio Beagles, alguns anos antes dessa perda.
Aos 10 anos, mesma idade que tinha minha filha, e com o mesmo nome (Annie – Ana), ela por sua idade transpirava curiosidade e se envolvia pelas idéias do pai, a ponto de proporcionar outro tipo de conflito, aquele que envolvia a crença professada na comunidade e por sua mãe, baseada na existência de Deus e de seu protagonismo como criador do mundo.
Essa também era uma situação que sempre me atormentou, por ser ateu, embora nunca tentasse impedir que minha filha freqüentasse a igreja católica, religião seguida por sua mãe e avós. Tanto quanto o conflito vivido por Darwin me deparei com uma angustiante realidade, não ter a religião para aplacar minha revolta e fazer-me conformar com sua morte na esperança de que ela estivesse em outra dimensão onde eu a pudesse reencontrá-la.
Darwin viveu um conflito numa época em que se contrapor à crença criacionista representava um isolamento da comunidade semelhante à contaminação por lepra. Seus conhecimentos que se aprofundavam em direção a uma linha evolucionista do mundo geravam estremecimentos com sua esposa e com líderes religiosos, sempre poderosos principalmente nas pequenas cidades européias do século XIX. Além do fato dele próprio reconhecer, segundo o livro em que se baseia o filme, que a religião fora fundamental para estabelecer uma moral, os valores éticos e a família.
Ao perder sua filha e se deparar com a intensificação de seus conflitos, interiores e exteriores, Darwin se entregou ao desespero e à desesperança, atitude presente na maioria daqueles que passam por semelhante infortúnio. A ponto de quase desistir de completar um trabalho que revolucionaria os conhecimentos acerca de nossas origens.
Durante todo o filme várias questões me faziam mergulhar em uma viagem pelo tempo, numa celeridade que me deixou tenso até o final. Além de me emocionar em vários momentos, principalmente aqueles que demonstravam a enorme afetividade existente entre ambos e os que traduziam certa culpa, algo que, creio, todos sentimos quando perdemos um filho ou filha.
Mas o que mais me sensibilizava era ver um Charles Darwin não como o mito como sempre conhecemos ao ler suas obras, mas o ser humano diante de um conflito existencial e de um sofrimento pelo qual eu também passara. E na dimensão do que ele produzia, de questionamento da existência de Deus enquanto criador do universo, reduzir toda a sua inteligência a uma insignificância e impotência diante do imponderado. Em certo momento ele tenta se entregar à crença da existência divina, no afã de ver algum milagre que pudesse fazê-la continuar vivendo.
Em vão, como não poderia deixar de ser. Somente restou a ele lutar contra suas culpas e lidar com a perda da filha admitindo a morte dela de tal forma que pudesse sentir a sua presença e não a sua ausência. Foi o mesmo conflito que me possibilitou ver reduzido o vazio causado pela perda de minha filha. Apesar de não significar uma aceitação serve para amenizar a dor, buscando trazer as lembranças dos momentos felizes de forma a perpetuar sua presença na mente e no coração.
Darwin superou esse conflito, terminou sua obra que denominou A ORIGEM DAS ESPÉCIES, e, claro, levou às alturas outro tipo de contradição, na medida em que se contrapunha com argumentos científicos às crenças idealistas desprovidas de comprovação empírica.
Mas, acima de tudo, demonstrou com sua própria vida que se não há Deus, não pode o homem imaginar assumir essa condição, por mais que tenha em suas mãos instrumentos poderosos a ponto de fazê-los parecer superiores, mitos que mais se assemelham a deuses do que a seres humanos. Darwin não pensava assim, ele compreendia perfeitamente o claro conflito entre vida e morte, mas para mim é o que a sua vida demonstra, agora que a conheço e não apenas as suas idéias.
Exatamente por isso julgo ser necessário conhecer as pessoas pelo que elas são e como vivem, não somente por suas idéias ou pelo que se diz delas. E, principalmente, que os nossos sentimentos e valores são construídos a partir das relações que criamos no ambiente em que vivemos, e sujeitos a serem modificados a cada momento em nossas vidas a depender das circunstâncias.
Espero que os leitores deste blog possam também assistir ao filme e compreender a dimensão de sua mensagem.
IMAGENS:
1. movieplace. com.br
2. cartesianofinito.blogspot .com
3. forum.outerspace.terra .com.br
4. livrariasaraiva. com.br
5. viadeacesso. com.br
Ainda não assisti o filme, mas visitei a exposição sobre Darwin em Goiânia, no Espaço Oscar Niemeyer há alguns meses e fiquei muito emocionada. A vida e o trabalho de Charles Darwin me impulsionam a acreditar em heróis, admirar ídolos. Ceder ao "maniqueísmo".
ResponderExcluirA vida pode mesmo ser muito dura (ou sempre é?) e não consigo evitar a admiração por quem segue tentando transformar o mundo apesar das forças contrárias e dos embates pessoais.