Hoje é o dia dos pais. Desejo muitas alegrias àqueles que podem abraçar o seu pai, e aos filhos que têm também essa felicidade. Algo que nos é limitado no tempo, e que devemos saber aproveitar a cada momento, da melhor maneira possível.
Há dez anos meu pai não está mais entre nós. Embora soframos muito por isso, quando perdemos nossos pais, é algo inevitável. É a dialética da vida, a contradição que nos segue. Nascemos, vivemos, crescemos e morremos. Nossos pais nos acompanham até certo tempo, depois, cabe a nós acompanhá-los, em um ciclo permanente entre a vida e a morte, que somente é rompido quando não temos filhos. Sentimos suas ausências, mas nos conformamos porque assim é a vida.
Há dez anos meu pai não está mais entre nós. Embora soframos muito por isso, quando perdemos nossos pais, é algo inevitável. É a dialética da vida, a contradição que nos segue. Nascemos, vivemos, crescemos e morremos. Nossos pais nos acompanham até certo tempo, depois, cabe a nós acompanhá-los, em um ciclo permanente entre a vida e a morte, que somente é rompido quando não temos filhos. Sentimos suas ausências, mas nos conformamos porque assim é a vida.
Há mais de três anos, contudo, desde o dia 13 de dezembro de 2007, essa lógica foi quebrada cruelmente, aproximando a morte da minha vida, por um atalho para o qual nunca estamos preparados. Ao contrário de quando perdemos nossos pais.
Minha filha, Ana Carolina, nos deixou, vitimada pela leucemia, uma dessas doenças contra as quais lutamos de forma desigual. Desde então, alguns dias que a sociedade celebra, em parte para atiçar a lógica consumista, mas também seguindo aquelas tradições que reforçaram os laços familiares, dentro da nossa formação judaico-cristã, nos consome em lembranças e saudades que tornam essas datas momentos tristes, quando deveriam ser momentos de alegrias.
Nada disso, contudo, impede que sintamos a satisfação de termos ao nosso lado outro filho que merece todo o nosso amor. Mas é inevitável sentirmos a ausência de uma parte de nós, que se foi consumida em uma tragédia.
Às vezes sinto um egoísmo reverso, e me consumo sozinho, internamente. É uma perda minha, a mesma dor pela qual passa também sua mãe, mas diante do sofrimento incomensurável e da sensação de ter o coração partido em pedaços, me entrego à solidão, sem considerar o fato de que milhares de outros pais e mães passam pela mesma situação.
É um sentimento único, que me faz sentir impotente por uma dor pela qual jamais conseguirei algum antídoto. Ela é permanente, como se um membro do corpo fosse dilacerado. Vivo dividido entre a impressão de que a parte perdida está em seu lugar, pois prossigo assim imaginando, sensitivamente, e a dura realidade de que é uma ausência sentida pelo coração e a mente, mas que não retornará.
Às vezes tenho a impressão de que minha filha está comigo. Por outras, sinto remorsos quando porventura vivo alguns instantes de alegria, e ao lembrar-me dela sinto vontade de punir-me, como se não fosse mais me dado o direito de sentir alguma felicidade. É um conflito permanente que devo enfrentar.
Tenho procurado fazer isso me aproximando cada vez mais de meu filho. Mas ciente de que tenho outro desafio, não posso sufocá-lo e muito menos transferir para ele o amor que sentia por ela. Meu sentimento por ele deve ser autêntico, transparente, e assim tenho procurado fazer. Amá-lo como deveria fazer mesmo com a presença dela. Nem mais, nem menos.
Tenho procurado fazer isso me aproximando cada vez mais de meu filho. Mas ciente de que tenho outro desafio, não posso sufocá-lo e muito menos transferir para ele o amor que sentia por ela. Meu sentimento por ele deve ser autêntico, transparente, e assim tenho procurado fazer. Amá-lo como deveria fazer mesmo com a presença dela. Nem mais, nem menos.
Esse é um dilema somente possível de ser avaliado por quem já viveu essa trágica experiência. E nada pode nos confortar, a não ser estabelecendo uma permanente relação entre passado e presente. Vivendo o amor pelo meu filho em vida, carregando em minha memória a lembrança amorosa de minha filha. E procurando tirar dessa perda algo que melhor possa me ensinar a ter uma boa convivência como meu filho.
Ter o seu carinho, amor, respeito e amizade, é o melhor dos presentes para quem tem um coração partido. Não pelo futuro, como sempre pensamos, de ter um filho para cuidar de nós na velhice, pois ele é absolutamente incerto. E, como tenho sempre dito, o futuro só existe em nossa imaginação. Mas pelo presente, pela necessidade de sobrevivermos a essa enorme perda. Somente o amor de meu filho é capaz de aliviar meu sofrimento, amenizar as lembranças e conter a saudade de um amor que ficou, mas de uma parte de meu ser que se foi.
Ter o seu carinho, amor, respeito e amizade, é o melhor dos presentes para quem tem um coração partido. Não pelo futuro, como sempre pensamos, de ter um filho para cuidar de nós na velhice, pois ele é absolutamente incerto. E, como tenho sempre dito, o futuro só existe em nossa imaginação. Mas pelo presente, pela necessidade de sobrevivermos a essa enorme perda. Somente o amor de meu filho é capaz de aliviar meu sofrimento, amenizar as lembranças e conter a saudade de um amor que ficou, mas de uma parte de meu ser que se foi.
Escrever tem sido para mim uma catarse. Este blog foi idealizado com esse objetivo, e por isso tenho postados alguns desses textos intimistas, mesclados com análises que faço das contradições que cercam nossas vidas. Em algum momento descarregarei minhas emoções particulares nesse espaço, de forma a que outras pessoas possam compartilhar comigo uma enorme dor sentida em silêncio.
Não imagino reencontrar com minha filha, pois não creio em espiritualidade. Sou materialista. Por isso, meu desafio é tê-la sempre ao meu lado. Não me conforto, portanto, com a crença de algum dia revê-la em outra dimensão. Mas, sim, com sua imagem, às vezes bem nítida em minha mente, e com um amor eterno que carrego em meu coração. Sentimento de pai, compartilhado com meu filho, a quem espero poder ter ao meu lado até o final da minha vida.
Em 1997, quando terminei o meu livro sobre a Guerrilha do Araguaia, coincidiu de o seu lançamento ter acontecido logo depois do nascimento de minha filha. Nele coloquei a seguinte dedicatória: “A Celma, minha esposa, Iago meu filho e Ana Carolina minha filha. Partes de mim que faltavam”. Uma parte de mim, que se completara ali, se foi. Mas as outras partes que me completam permanecem materialmente ao meu lado. No coração, essas partes estarão permanentemente juntas, elas me fazem o que eu sou. E enquanto eu lembrar da minha filha, portanto enquanto eu for vivo, seu amor e o amor de meu filho sempre serão estímulos para que eu possa seguir adiante. Acima de tudo, para que eu possa transmitir a meu filho valores que lhes ensinem a viver com dignidade e honestidade.
Em 1997, quando terminei o meu livro sobre a Guerrilha do Araguaia, coincidiu de o seu lançamento ter acontecido logo depois do nascimento de minha filha. Nele coloquei a seguinte dedicatória: “A Celma, minha esposa, Iago meu filho e Ana Carolina minha filha. Partes de mim que faltavam”. Uma parte de mim, que se completara ali, se foi. Mas as outras partes que me completam permanecem materialmente ao meu lado. No coração, essas partes estarão permanentemente juntas, elas me fazem o que eu sou. E enquanto eu lembrar da minha filha, portanto enquanto eu for vivo, seu amor e o amor de meu filho sempre serão estímulos para que eu possa seguir adiante. Acima de tudo, para que eu possa transmitir a meu filho valores que lhes ensinem a viver com dignidade e honestidade.
Nesse dia dos pais, o terceiro sem minha filha, tenho meu filho comigo, e a sua amizade como o melhor presente. Mas ela também está em meu coração, e sempre estará. Entre alegria e sofrimento carregarei para sempre esse sentimento que embora dúbio é para mim um desafio, porque preciso ter minha filha sempre presente.
Esta é a principal luta que travamos com a morte. E atingirmos isso é uma vitória da vida, do amor, e da perfeita sintonia entre coração e mente. Este é o meu destino. O nosso destino!
(*) Esse texto foi originalmente postado em oito de agosto de 2010. Mas atualizei algumas partes para compartilhá-lo novamente nesse dias dos pais de 2011. Quando o escrevi, sua tia e madrinha Ana Cristina estava conosco. Exatamente no dia dos pais eu fui deixá-la no aeroporto. Ela ia retornar para sua casa em Salvador. Depois que a vi passar para a sala de embarque me dirigi para o estacionamento. Ao entrar em meu carro o telefone tocou, era minha irmã, chamando-me para pegar um objeto que estava no bolso de uma mochila que eu havia lhe emprestado. Esse objeto era um canivete multiuso, o detector de metal o descobriu em um compartimento da mochila. Nada de mais se não fosse um presente que eu ganhei de meus filhos, no último dia dos pais que Carol esteve conosco: 12 de agosto de 2007. Uma coincidência a me fazer lembrar mais ainda de minha filha, a chorar de saudades e a olhar para aquela lembrança como se de algum lugar ela tivesse se comunicando conosco. É a respeito disso que minha irmã fez um comentário logo abaixo. (13 de agosto de 2011)
Fico sem palavras após ler esse texto.
ResponderExcluirTudo que tenho a dizer é que agradeço cada dia pela sorte que tive de nascer em uma família que me proporciona tantas coisas boas!
Só queria te agradecer e dizer que te amo Paizão!
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirQuerido Romualdo,
ResponderExcluirComo o Iago, também fico sem palavras. Mesmo assim, vou arriscar algumas. A dialética e a contradição da vida, as dores de cada um e de muitos... Sou do grupo que não pode avaliar a trágica experiência, embora a acompanhe bem de perto, como bem sabe... ter que continuar vivendo, catando os pedaços, juntando os trapos... parece ser este o desafio. Lidar com o inimaginável, com o impossível... é a gente sendo gente... amanhecendo no dia dos pais e escrevendo um texto lindo assim... é a gente sendo gente... acordando e ganhando uma gravata feita na escola com os dizeres: feliz dia das pães! e ter que lidar com olharezinhos cumpridos o dia todo, ansiosos para que este passe logo... é assim, a gente sendo gente!
Um beijo no seu coração!
Caro Romualdo,
ResponderExcluirAs lágrimas que seu texto carrega fizeram verter um turbilhão em meu rosto. Seu sensível diálogo com a alma de muitos pais, mães e pessoas que perderam um ente querido, demonstram sua inteireza diante dor – única para a realidade de cada sujeito –, as quais enfrentamos durante nossa trajetória no mundo. Eu perdi o meu pai em 1986, naquela época, eu era adolescente e muito frágil diante daquela situação. Hoje vejo, que certamente sofreria mais que naquela momento.
Partilho contigo a dureza que é perder alguém importante em nossas vidas, como também o pressuposto de que o melhor é viver intensamente o momento.
Seu texto é belo sensível. Sugiro que Você reúna todos do blog e escreva um livro de crônicas.
Felicidades para Você e sua família.
Benjamim Vilela
Caro Professor Romualdo... Seu texto transpira afeto e inspira reflexão. Parabéns pelo rigor, sobretudo emocional, em articular tão bem vossos sentimentos com um denso de racionalidade que chega a impressionar. Contudo, as palavras são tão miúdas e chegam a frutrar... Afinal, como comunicar a perda de alguém que amamos? Como relatar a dor sentida, tão real, tão viva e candente? Uma dor que se atualiza a cada data, lembrança ou coincidência? Não sei ao certo, mas penso que amadurecer é compreender as atualizações destes processos eminentemente humanos e, sobretudo, dialogar com os mesmos na perspectiva de integrar os sentidos e a essência pessoal. E vejo que você faz isso tão bem, com tanto lirismo, com tanta ternura e liberdade, com um mergulho tão fundo no melhor que só os pensares de um pai, de um verdadeiro pai, pode produzir e que, de verdade, emociona. Me emocionou e muito.
ResponderExcluirParabéns e as minhas melhores admirações.
Ângelo Cavalcante
É grande em mim a satisfação de tê-lo como amigo e companheiro caro Romualdo. Suas palavras nos tocam e nos fazem refletir sobre qual postura e comportamento adotar com nossos filhos. Viver intensamente cada instante que pudermos estar juntos, absorver nas boas e não tão boas experiências o sentido da vida. Me solidarizo com você nestes momentos de dor e falta, porém gostaria de pedir-lhe que não se esforce ou colabore para "atalhar" seu destino. Sua presença nos é muito cara, saiba disso. Há muito ainda para fazermos companheiro. Parafrazeando um de nossos super heróis: " Para o alto e avante". Abraços.
ResponderExcluirCoca, vulgo Marcos.
Caro Romualdo,
ResponderExcluirLi o texto CORAÇÕES E MENTES - DIA DOS PAIS DE UM CORAÇÃO PARTIDO. Gostaria de compartilhar com você esta dor, imagino o quanto deve ser sofrido prá você viver sem esta filha querida. Um grande abraço dos amigos,
Renato e Graça.
Agradeço aos comentários sensíveis. Essa é a razão desse blog, poder compartilhar alguns momentos, dividir a minha dor com amigos e ouvir palavras de alento. E dizer, como Milton Nascimento: "O que importa é ouvir a voz que vem do coração".
ResponderExcluirRomualdo - gramaticadomundo.blogspot.com
Caro professor, fico sensibilizada com suas palavras sobre sua família. Torço para que o senhor enconre o caminho da paz interior. Essa dor infinita se minimize ou mude de forma, se possível. Vejo que o senhor tem caminhado nessa direçao, isso fica evidente na sala de aula, hoje o senhor está melhor como pessoa, talvez isso seja reflexo do crescimento e do direcionamento da dor, para o bem.
ResponderExcluirRomuca fiquei sensibilizada com suas palavras...Lembranças são realmente eternas, muitas machucam outras nos levam ao delírio dos poucos momentos felizes que vivemos...Na verdade como você nos disse a vida é como uma onda no mar...Sinta-se abraçado.Lorranne.
ResponderExcluirMuca, você sabe que sou espiritualista e sinto um grande consolo ao imaginar o encontro, na pátria espiritual, com pessoas queridas e especiais que partiram antes de nós. O consolo não tira a dor do meu coração, mas ameniza.
ResponderExcluirSinto muito a falta dela e de sua alegria, sabia?
Quanto ao canivete, você não acredita que ele foi parar na sua mão por acaso, acredita? Ela lhe deu um presente, mesmo estando em outra dimensão, e eu fico feliz por ter sido utilizada como instrumento pela espiritualidade.
Seja feliz, tenho certeza que é assim que ela gostaria de lhe ver. Seja feliz! Você merece. Beijos.
nossa que coisa linda linda esses texto nao tm como nao se imocionar e chorar , força
ResponderExcluirmeu amigo bj fica com DEUS
Caro Amigo Romualdo, se tivesse algum poder sobre as leis do universo, faria somente uma lei.
ResponderExcluir" A partir de hoje e proibidos os pais enterrarem seus filhos," Esta deveria ser balei natural da vida.
Abracos
Jordaci Matos
Te admiro, te respeito e imagino suas dores e seu coração partido com ternura e compaixão. Quase perdi o meu filho e de alguma forma perdi muito da possibilidade de ser uma mae como outra qualquer. isto já é bastante dolorido. Somos pais especiais, de anjos especiais, e quando descobri que a vida não acaba pude aceitar e compreender as perdas (ganhos diferentes) que temos com mais resiliência. Onde sua pequena estiver certamente está feliz de te ver de pé e na luta por uma vida melhor, por uma sociedade melhor, por relacionamentos melhores. Estou contigo. 🌹
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