"Homo hominis Lupus est"
Cena do filme "2001, uma odisséia no espaço" |
Absorvido pelos acontecimentos que irracionalmente sacodem
o mundo, e em meio ao cotidiano de nossas atividades, no meu caso já sem muito
estímulo diante de um tempo que nos faz sentir envelhecido, mais do que o tempo
nos insiste em mostrar diante de tantas transformações superficiais, o quanto
somos inúteis. A não ser enquanto consumidores, homens e mulheres, que se
dedicam a encontrar um caminho de sucesso, que nos faça capazes de obter
recursos para nos encher de mercadorias que satisfaçam nosso ego. Se não tivermos
condições de consumirmos em larga escala, somos um nada, viveremos para
sobreviver, com perdão da redundância. Apesar dos avanços, inegáveis, da
humanidade, a vida continua valendo pouco. Em alguns casos, como canta a
brilhante e saudosa Elza Soares, como carnes mais baratas no mercado. Porque a
estupidez do racismo insiste em continuar vilipendiando vidas.
Fernand Braudel, em um dos volumes em que ele trata da
“Civilização Material”, na sua trilogia clássica sobre o capitalismo[i]
afirma que o sistema capitalista consiste em dois patamares, o superior e o
inferior. No inferior é onde a grande maioria das pessoas se situa, numa
economia compartilhada e de sobrevivência. No superior é onde se realiza, de
fato, o sistema capitalista, por onde cada indivíduo se torna mais importante na
medida em que adquire a capacidade de consumir em larga escala, numa compulsão obsessiva,
diante de uma lógica que nos empurra para tal situação, condição
necessária para fazer girar a roda sistêmica, marcadamente fundada no caráter
expansionista do capitalismo, tendo como pano de fundo a ganância e o lucro.
Esses são os elementos motivadores, a engrenagem que nos faz mergulhar numa loucura
competitiva em meio ao fetiche que nos prende à mercadoria, segundo Marx.
Ora, quando essa engrenagem, como qualquer uma outra,
envelhece, se torna obsoleta, ou se aproxima cada vez mais do limite de suas próprias
contradições, a tendência, natural, é se afundar em uma crise profunda. Estou me referindo às sociedades atuais, até que dos estertores de uma situação de absoluta senilidade, possas surgir algo de novo que
possibilite transformações profundas e novas formas de relações sociais. Mas,
qual o tempo para isso?
O ser humano evoluiu em sua capacidade de
buscar se reinventar, e por meio de uma capacidade intelectual que lhe
transformou no elemento capaz de definir os rumos de todo o planeta,
inaugurando a era antropocêntrica, o que coincide com o advento da era moderna
e o surgimento das formas que irão definir o que veio a ser o sistema capitalista.
A partir daí, passamos a viver segundo aquele princípio filosófico nietzscheano,
do “niilismo ativo”, pelo qual fica caracterizado o rompimento com a moral de
rebanho, com o advento de novos valores, do premeditado aparecimento de um super-homem
que transgrida as condições morais e sociais e celebre o que se esperava desde sempre:
o eterno retorno.
Trocando em miúdos, e embora o que diz a dialética,
que todo fim é um começo, o capitalismo se mantém firme nesse niilismo ativo,
ou como a repetir a trágica punição de Sísifo, condenado pelos deuses a rolar
montanha acima uma pesada rocha, que despencava abaixo assim que chegasse ao
topo, sendo ele forçado permanentemente a levá-la ao cume.
O sistema capitalista se caracteriza por conter a todo
custo seu suspiro final, e será assim ainda por séculos, na medida em que
consegue se recompor num processo de retroalimentação de suas próprias crises. Criando
ambivalências e ilusões que não se concretizam, porque são limitadas a um
percentual ínfimo de pessoas aptas a realizá-las. Mas a imensa maioria dos imortais
iludidos acreditam que encontrarão a felicidade eterna, por meio da
escravização do trabalho e das limitações de suas capacidades produtivas. E as
redes tecidas pelas engrenagens capitalistas não deixam nenhuma alternativa,
desde que se impôs não somente hegemônico, como também praticamente sem nada a
lhe ameaçar, por enquanto.
Aonde quero chegar com esses rodeios? Na guerra. Na
intensificação de conflitos que sinalizam exatamente para o auge das
contradições do sistema-mundo. E porque precisamos entender as guerras para
compreender que se atingiu um limite nas relações econômicas e sociais, a tal
ponto de tornar-se rotina a eliminação de vidas humanas, que se tornam meros
descartes em meio às disputas por riquezas minerais, domínios territoriais e
controle de capitais. Porque é principalmente pela guerra que o sistema consegue se reiventar.
A lógica destrutiva tem um sentido, não é aleatório,
nem meramente motivado por vingança e ressentimento. Isso pode até ocorrer, e
acontece. E há, naturalmente, a disputa ferrenha pelo controle do poder em áreas
estratégicas. Mas a reconstrução de territórios destruídos perversamente, após
serem postas abaixo estruturas às vezes centenárias, tem um alto custo. A quem
cabe recompor tudo aquilo que foi abaixo, fazendo com que se lucre em cima dos
desastres causados pela guerra? A resposta é óbvia: as corporações daqueles
países vencedores no conflito.
Assim como as armas sofisticadas precisam ser testadas
no terreno da batalha real, para serem mostradas como em um mercado macabro. O
objetivo é a comercialização, e para que os estoques de armas antigas sejam
repostas por outras mais sofisticadas e destrutivas, com poder de eliminação
muito maior.
A guerra é uma perversão humana historicamente, na disputa por territórios. Por muito tempo como uma natural condição de sobrevivência, como se dá em meio à disputa por território, mesmo entre os demais animais e até mesmo vegetais. Mas no caso do ser humano isso tem a ver com ganância, usura, ostentação de riqueza.
Alimentado por uma lógica sistêmica que impulsiona esses
sentimentos perversos, o ser humano se torna pérfido na disputa pelo Poder. A
vida perde valor, afetando principalmente os segmentos mais fragilizados,
crianças, idosos, mulheres, e naturalmente, as pessoas mais pobres, porque
vivem em áreas frágeis e insalubres.
Existem outras motivações, que também são frutos das
perversões da mente humana, que por meio de pregações falsas acirram confrontos
e estimulam ódio em nome de deuses que se tornam meros instrumentos para
atender os interesses de falsos pregadores que deformam filosofias antigas baseadas
num sentimento comunitário, e estimulam um individualismo estúpido que se torna arma
em retóricas que alimentam intolerâncias, ignorância e estupidez.
Assim, a religião busca justificar os objetivos da
guerra, e o faz há milênios, gerando mortes de milhões e pessoas, bem como por
diversos cantos do mundo genocídios étnicos, a satisfazer uma retórica que apenas
disfarça o sentido real das guerras. Mas, que, claro, assume um caráter pérfido,
porque ilude as pessoas e as transformam em máquinas irracionais a se dedicarem
a matar em nome de deuses que nunca foram vistos. Contraditoriamente, porque se
são deuses não deveriam ser perversos. Essa característica foi dada ao demônio,
seu oposto.
Para finalizar cabe destacar
o quanto toda a capacidade inventiva e de impressionantes desenvolvimentos
tecnológicos, fez do ser humano uma espécie motivada pelo enfrentamento,
intolerância, raiva, destruição, genocídios, ao invés de buscar solucionar os
problemas crônicos e cruciais, que afetam dois terços da população humana na
terra. Situações criadas por essa estupidez que concentra riquezas, gera
guerras e destrói a biodiversidade existente em toda a natureza.
Tudo isso fez com que Thomas Hobbes, no século XVI
afirmasse ser “o homem lobo do homem”, uma frase que embora não fosse
originalmente sua, foi por ele utilizada em seu mais impressionante livro, “O
Leviatã”, fundamental para o conhecimento de sua teoria política. Naquele tempo ele já compreendia a necessidade de haver um Estado que pusesse freio à
essa perversão humana, que o poderia levar a sua própria destruição.
A questão é que quase quatrocentos anos depois o
Estado se tornou refém dessa capacidade agressiva, violenta e rapace, sob a “liderança”
de uma classe social que assumiu o seu controle e sobre o qual mantém o
domínio a ferro e fogo... até a sua própria destruição. Não falo propriamente de governos, mas dos que comandam as estruturas econômicas e financeiras das sociedades, e em muitos casos passam a controlar grandes empresas, até mesmo em setores estratégicos, antes estatais e privatizadas.
A guerra se tornou uma obsessão, de estados que se
mantém ainda com controle hegemônico da economia mundial as custas de uma
indústria bélica, pela qual faz sua economia girar de forma macabra, naquilo
que a economista canadense, Naomi Klein, sabiamente denominou de “Capitalismo
de Desastre”.[ii]
Missão 1: Destruir a terra; Missão 2: Colonizar Marte
Assim caminha a humanidade... e a era antropocêntrica
se aproxima do seu fim. É a inevitável sexta extinção, e o ser humano vai
junto. Marte pode ser colonizado? É possível. Mas haverá guerra para conquistá-lo.
Os que me chamarem de pessimista, vivam para ver. Mas
eu me considero realista esperançoso. Afinal, não é a esperança a última que
morre? Que seja!
[i]
BRAUDEL, Fernand:
- Civilização material, economia e capitalismo, Vol. 1:
Séculos XV-XVIII : as estruturas do cotidiano.
- Civilização material, economia e capitalismo, vol. 2:
Séculos XV-XVIII : os jogos das trocas.
- Civilização material, economia e capitalismo, vol. 3:
Séculos XV-XVIII : o tempo do mundo.
Editora Martins Fontes, 1995.
[ii]
KLEIN, Naomi. A Doutrina do Choque. A ascensão do capitalismo de desastre. Rio
de Janeiro: Nova Fronteira, 2008.
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