Essa situação deve
sim ser tratada como estrutural, porque está incorporada nas estruturas sociais
brasileiras historicamente. Se explica a partir das análises de como se deu
nossa colonização; depois como internamente foram sendo incorporados negros
trazidos da África para suprirem uma mão de obra inexistente na colônia; como
essa população passou a viver marginalizada e estigmatizada, sendo vista
meramente como instrumento de trabalho; e como no processo de finalização do
ciclo escravagista as classes dominantes fecharam as portas para qualquer
possibilidade de inserção dos negros na sociedade, na economia e na condição de
proprietários de terras.
Tudo isso foi
adredemente preparado, implementado, consolidado e transformado em ações
políticas a fim de beneficiar os tradicionais senhores de terras e depois uma
burguesia entreguista e submissa originada de todo esse comportamento e
mentalidade colonialista que formou o estado brasileiro.
Mas vocês devem
estar se perguntando por que adotei esse título acima? De fato, todas as vidas
importam. E principalmente se considerarmos que a imensa maioria da população,
pobre, sente diversos tipos de preconceitos e opressões, principalmente as
mulheres, mas também as populações indígenas. Além de viverem em condições de
vidas deprimentes, sub-humanas.
Mas quem é maioria
dentre essa população pobre e oprimida? Naturalmente, em se tratando de Brasil
as estatísticas estão aí, até mesmo para qualquer “daltônico” ver. Essa condição
de pobreza e miséria, desemprego e vítima constante de violências física e psicológica,
afeta principalmente o indivíduo, homem e mulher, de cor negra. Os pretos e
pretas, como corretamente estão se assumindo, como forma de se colocar com
altivez e auto-estima elevada, e a resgatar o valor de suas existências.
Mas até aqui eu
não respondi ainda a minha própria indagação, do porquê ter adotado um título
mais genérico.
Pois bem. Direi. A
minha intenção é atrair a atenção dessa narrativa, e para a leitura desse texto,
aquelas pessoas, em sua maioria brancas, que se sentem incomodadas com a
virulência da reação das pessoas pretas, e dos segmentos que os apoiam, e usam
como argumento para minimizar essas violências, que esses fatos acontecem indiscriminadamente
na sociedade, afetando todos os segmentos. E justificam isso argumentando ser
consequência das desigualdades sociais, mas que elas aceitam e se beneficiam.
Isso foi dito pelo
presidente desse país, que se diz daltônico, mas mais do que isso, é
insensível, insuportavelmente preconceituoso, e absolutamente descolado de
nossa realidade. Com o olhar mais focado nos EUA e em seu guru supremacista
branco, assim como seus seguidores, simplesmente fecha os olhos para uma
realidade insofismável. As estatísticas estão aí para quem quiser ver. São
estudos acadêmicos, de diversas entidades, do próprio IBGE, e organizações que
se debruçam há décadas sobre esse mecanismo disfarçado de separação étnico-racial
que existe em nosso país, um apartheid perfeitamente visível que afeta
majoritariamente a população negra.
E isso serve também
para o vice-presidente, um general que não consegue enxergar que no comando
militar brasileiro, em seu estado-maior, não iremos encontrar nenhum oficial de
pele negra, mas que ele considera não haver racismo aqui no Brasil.
O título que dei a essa minha fala, e texto que produzi para desabafar e botar pra fora toda a minha indignação e revolta, que não é só de agora, mas de 40 anos de militância, de estudos acadêmicos e pesquisas, é para atrair aquelas pessoas que minimizam essas violências, as vê como afetando também aos brancos, e negam a existência de um racismo estrutural no Brasil. Racismo e machismo estruturais, eu ampliaria. E o que dizer da condição das mulheres negras nessas situações? São duplamente oprimidas, maltratadas e violentadas. Sim, pelo que historicamente se construiu nesse modelo de sociedade hipócrita.
As classes
dominantes desse país, tão logo se aproximava o fim da escravidão, pela pressão
que existia fora e dentro do país, se apressaram para criar uma lei de terras,
com o objetivo claro de impedir que os negros se tornassem proprietários,
impedindo-os de conseguirem um pedaço de terras para viverem. Assim, foram
jogados ao relento, nas periferias das cidades, fazendo surgir as favelas e os
ambientes inóspitos e sem estruturas urbanas dignas. De lá para cá essas
condições só se ampliaram, e a violência assume um patamar insuportável.
O título que
adotei, não corresponde ao que eu quis aqui falar. Mas assim o fiz para que não
atraísse somente os que naturalmente já concordariam comigo e reconhecem a
existência desse racismo estrutural, e que, portanto, devemos gritar com todos
os pulmões progressistas e sensíveis que existem: VIDAS NEGRAS IMPORTAM!
Como não concordar
com a letra bem objetiva e direta contida na música de Elza Soares? “A carne
mais barata do mercado é a minha carne negra. Que fez e faz história. Segurando
esse país no braço” (Elza Soares – A Carne [negra]).[1]
Os daltônicos, insensíveis,
racistas e preconceituosos, fecham os olhos à realidade que é mostrada todos os
dias por meio de estudos publicados em revistas, sites e na grande mídia. Além
do que basta acompanhar os noticiários policiais e identificar a cor da pele da
grande maioria daqueles que são aprisionados, ou abatidos pela polícia. São
suspeitos pelo simples fato de serem pretos.
Basta ver essa
notícia, que extraio do site UOL, publicada neste dia, 21 de novembro, um dia após
o Dia Nacional da Consciência Negra: “As mortes de negros causadas por
violência física cresceram 59% no Brasil em oito anos, uma incidência 45 vezes
maior que a taxa medida em relação a cidadãos brancos no mesmo período, segundo
dados disponíveis do DataSUS consultados pelo UOL”. E que o número de vidas
negras vitimadas no últimos anos “subiu de 694 em 2011, para 1.104 em 2018. Média
de uma morte a cada sete horas”. [2]
Todas as vidas
importam, isso é uma verdade absoluta. Mas para muitos que repetem essa frase,
e se dizem daltônicos ao olhar a realidade, o que desejam é negar o racismo
estrutural que persiste, que deve ser combatido e que precisa ser mudado. E,
apesar do que diz a música: “O cabra aqui não se sente revoltado, porque o
revólver já está engatilhado. E o vingador é lento, mas muito bem intencionado”...
Algo começa a mudar.
Para além de sermos
negros ou não, a postura silenciosa soa a cumplicidade. Portanto, devemos
repetir sempre, não basta dizer que não somos racistas: É PRECISO SER ANTIRRACISTA,
e se incorporar à luta por justiça social, pelo fim do racismo estrutural, e contra
todo o tipo de discriminação.
Pois é o que diz o
Artigo Primeiro da Declaração Universal dos Direitos Humanos: “Todos os
seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos. Dotados de
razão e de consciência, devem agir uns para com os outros em espírito de
fraternidade”.
[1] A Carne (Negra) – Compositores: Seu Jorge,
Marcelo Yuka e Ulisses Capelleti. Interpretação: Elza Soares. https://www.youtube.com/watch?v=Lkph6yK6rb4
[2] Mortes de negros por violência
física crescem 59% em 8 anos no Brasil - https://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2020/11/21/morte-de-pessoas-negras-por-violencia-fisica-cresce-59-em-8-anos-no-brasil.htm
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