XV Encontro Nacional do Proifes-Federação Na foto Iago Montalvão, presidente da UNE, fala na abertura do XV Encontro Nacional do Proifes-Federaçãlo |
O
Brasil passa por momentos tensos, e poderia dizer que a sociedade
está vivendo uma relação tóxica, marcada por um enebriamento que
não tem sido causado por nenhum elemento químico, mas pela
estratégia de massificação do ódio, de desconstrução da
política, de negação da história e de afirmação de idéias e
pensamentos que colidem com tudo que possa tornar nossa convivência
social com um mínimo de civilidade.
O
mundo já passou por situações semelhantes, e sempre o caminho
seguido foi de governos totalitários, ditaduras, e a perversidade
que levou a genocídios em regimes nazi-fascistas e/ou marcados pelo
sectarismo religioso.
É
preciso compreender que isso que vivemos aqui nesses momentos, e
nessas situações que podem ser estabelecidas temporalmente a partir
do ano de 2013, após as chamadas “Jornadas de Junho”, tem suas
peculiaridades e especificidades nas relações políticas
brasileiras. No entanto, não somos o único país a conviver com
esses comportamentos, nem com a ascensão de governos autoritários e
de perfis de extrema-direita. Existem outros países que seguem nessa
mesma direção, ou já seguiram e se veem diante desses mesmos
dilemas. Acirramento da intolerância, xenofobia, preconceito,
negação da política, afirmação de poder para indivíduos de
perfis e caracteres duvidosos e com atitudes fascistas.
Não
é conveniente, contudo, que o combate a esses comportamentos deva
seguir na mesma direção da intolerância que eles exalam. E,
infelizmente, esse em sido o caminho que aquelas pessoas que se
indignam com atitudes abjetas que comandam esses governos atualmente.
Do confronto por meio de atitudes que em muito se assemelha aos seus
oponentes, embora em outra direção.
Mas
para onde estamos indo com essas atitudes e ações, que embora
estejam carregadas de boas intenções, pecam por reforçar uma
polarização que divide a sociedade e impede uma reflexão crítica
sobre a essência daquilo que representam as mudanças que estão em
curso? Quanto mais se reforçam esses embates, majoritariamente
travados em redes sociais, mais as posições se cristalizam e
torna-se difícil qualquer convencimento. Considerando, para agravar
mais ainda a situação, que os comportamentos violentos,
preconceituosos e intolerantes têm sido escorados numa base
religiosa forte, e que tem crescido em meio à crise de desempregos,
do medo e da violência, embora eivadas de hipocrisia considerando-se
as distâncias das pregações e leituras sagradas que dizem seguir.
Nos
últimos meses assistimos manifestações vigorosas contra as medidas
tomadas pelo governo de bloqueio de recursos para as universidades e
em oposição à reforma da previdência. Logo em seguida outras
manifestações, embora de menor porte, mas de números
consideráveis, levaram às ruas centenas de milhares de pessoas que
ainda se comportam como uma manada, seguindo convocações que
explicitam apoio a ações que afetam duramente a eles próprios, e a
sociedade de uma maneira geral, principalmente os mais pobres. O que
nos espera nos próximos anos, a seguir essa tendência, e
comportamentos que se radicalizam no discurso de ódio que se
espalhou perigosamente desde o golpe assestado contra uma presidente
legitimamente eleita e à prisão de um ex-presidente em um processo
acusatório frágil, com o claro intuito de impedi-lo de se
recandidatar à presidência da república?
Creio
que é perigoso menosprezar a capacidade do governo atual, e desses
“ceguidores” que lhes apoia. E a palavra que usei aí não está
errada no sentido que quero dar a ela. Na verdade um neologismo que
criei, com a junção das palavras “cegos” e “seguidores”,
pois, infelizmente, é essa a realidade que estamos vivenciando, em
um quadro onde a possibilidade de se mudar de opinião tem sido muito
difícil.
Vivemos
um viés conjuntural ainda contaminado por uma crise econômica
mundial que estourou em 2008 e teve seus momentos de ápices
extremamente preocupantes, com a quase quebra do sistema financeiro
mundial. Naquele momento os Estados salvaram diversas corporações
financeiras, levando bancos e seguradoras a serem estatizadas, ou
reestatizadas, a fim de evitar uma sangria maior no sistema. Ocorre
que, por ser estrutural, em função do limite das contradições
atingidas pelo capitalismo em sua fase neoliberal globalizante, com
muito mais ênfase nas especulações e mercantilização do dinheiro
do que propriamente no investimento na produção visando geração
de empregos a situação não foi controlada, a não ser
momentaneamente a altos custos para a sociedade. O que vimos, ao
contrário disso, foi como saída para as grandes corporações o
investimento acelerado em inovações tecnológicas que, se por um
lado deu impulso às ciências, por outro acentuou o problema
dramático do desemprego e da desigualdade social, tanto entre as
pessoas como entre estados-nações. Conclusão disso: os estados
quebraram e o sistema financeiro seguiu cada vez mais forte em meio
às oscilações de uma economia claudicante.
Por
um tempo a euforia da globalização ludibriou muitas pessoas,
multidões se iludiram com a promessa de um mundo sem fronteiras, com
mais facilidades de deslocamentos e acesso às novas tecnologias.
Juntamente com tudo isso o que se viu também foi uma ampliação
desmesurada da ganância, esse que é o elemento mais marcante no
processo que move aqueles que controlam o sistema capitalista e tem
acesso às riquezas. E, numa lógica que é de sua essência, quanto
mais se tem, mais se deseja ter mais.
No
entanto, nas brechas desse processo alguns governos foram eleitos
paradoxalmente em meio a essa onda globalizante e na contramão
daqueles discursos, visto que defendiam maior protagonismo do Estado
na defesa tanto da sua soberania quanto na proteção das populações
mais pobres. Com isso, e impulsionado por um fórum criado por ONGs,
sindicatos, instituições sociais e segmentos de esquerda, o Fórum
Social Mundial, em contraposição ao Fórum Econômico Mundial que
se reúne anualmente em Davos, na Suíça, reunindo a nata do capital
mundial e as maiores economias estatais do mundo, novas políticas
foram sendo implementadas e, ao mesmo tempo, diferentes articulações
para alterar o rumo da geopolítica mundial. O surgimento dos BRICS
acontece nesse contexto, e, como era de se esperar, começa a
incomodar as grandes economias do mundo, em especial os EUA.
Não
demorou para que as guerras híbridas, que aconteciam no Oriente
Médio e nas fronteiras da Rússia, passassem a acontecer na América
Latina. O Brasil, por todo o seu protagonismo na criação desse novo
passo geopolítico mundial, assim como por sua tentativa de se
imiscuir em assuntos tidos como sagrados pelo império, como no caso
das questões relacionadas à algumas das potências possuidoras de
enormes reservas de petróleo, como o Irã, e nas discussões sobre
enriquecimento de urânio, se tornou alvo nesses movimentos que se
articulam para desconstruir governos e manipular multidões para
destruir a política e a democracia, e assim derrubar regimes
políticos que lhes antagonizem. As Jornadas de Junho deram o “start”
de todo esse movimento que levou o nosso país para um abismo de
proporções inimagináveis, cujas consequências às vezes nem
queremos pensar, no afâ de evitarmos pessimismos e aumento das
desesperanças que nos cercam. Mas é preciso lidar com esse ambiente
tóxico e com essa areia movediça na qual nos metemos e que nos
assusta, porque quanto mais mexemos mais nos afundamos nela.
Aparentemente
as nossas instituições estão funcionando. E isso dá um ar de
existência de uma república democrática. Contudo, a “res
publica”, que deu origem àquele regime que se opunha ao
absolutismo e às monarquias centralizadoras do Poder, e que
explicitamente representava a “coisa pública”, ou “coisa do
povo”, está deixando de existir. Num primeiro momento pelas
políticas neoliberais globalizantes, e agora pelo nacionalismo
direitista entreguista, vinculado aos interesses das grandes
corporações, principalmente aos grandes conglomerados controlados
por grandes bancos e sua burguesia pérfida e desejosa de mais poder
e dinheiro.
É
uma onda, naturalmente, ocorre ao sabor dos descaminhos que acontecem
como consequência das contradições na política, e pelo fato da
crise econômica estrutural não dá sinal de tréguas. Se
acentuando, do ponto de vista da disputa pela hegemonia do poder
econômico global, num embate entre gigantes que controlam a produção
e o comércio mundial, que se reflete como efeito colateral em todas
as demais economias, ampliando o drama de um mundo ainda indefinido
quanto aos rumos que deveremos seguir.
Mas,
voltando à nossa realidade, independente (até onde seja possível)
do que acontece no mundo, é preciso criar ou fortalecer movimentos
que tragam luz às trevas que se apresentam nesses tempos. Os ataques
ao setor da educação, em especial, merece uma preocupação
central, pelo que eles possuem em termos de intenção, do ponto de
vista estratégico de quem deseja inibir, cercear ou censurar
comportamentos críticos e visões que se contraponham aos desmandos
e devaneios do governo.
Temos
conhecimento que se articula em nível nacional uma tentativa de
criar uma associação de professores de direita. Como em todos os
casos desse tipo de entidade, que refuta a ideologia (como se fosse
possível viver sem uma), inserem a palavra liberdade em suas
denominações, muito embora o que preguem seja exatamente o
cerceamento à liberdade de crítica. Pois não devemos ver isso como
algo grave que devamos nos preocupar. O que devemos nos preocupar é
a falta de envolvimento de nossas entidades e organizações de uma
parcela considerável da população, particularmente de nossa
categoria, que termina por deixar um vácuo de participação e
representatividade que nos impede de programar ações concretas que
nos defendam de ataques que prejudicam nossa categoria e que possam
vir a ameaçar as liberdades democráticas.
Não
sairemos desse impasse atual fugindo do debate, pelo contrário,
devemos fazer o inverso, provocar discussões, ampliar nossa
capacidade de inserção na universidade, e a partir dela na
sociedade.
Uma
sociedade tanto mais estará vacinada contra os vírus do
obscurantismo e do viés autoritário, quanto mais ela for capaz de
compreender todas as contradições que a cerca e quais são os
melhores caminhos para evitar um colapso social e a disseminação de
conflitos, violências e marginalidades. Somente com uma capacidade
crítica e com o despertar de um sentimento do que é ser, de fato,
cidadão, pleno de direito e convicto de suas necessidades de
participar do processo de transformação social é que podemos
combater os ilusionistas, os charlatões que comandam templos e
impedem as pessoas de terem uma percepção real das coisas, livres
de medos, preconceitos e discriminações.
A
universidade cumpre um papel ímpar. Ela não pode se acovardar com
os ataques que sofre de setores autoritários e de viés ideológico
que teme a liberdade de pensar. E na universidade as nossas
organizações, de técnicos administrativos e estudantes, mas
particularmente dos professores, devem mudar sua postura sem perder a
combatividade necessária. Mas devemos patrocinar mais debates,
chamar nossos colegas a participarem de discussões sobre a
conjuntura e a necessidade de compreender que uma política decidida
por quem não tem a real dimensão dos problemas sociais, poderá
trazer consequências para as nossas atividades, mas também para o
futuro da sociedade e dos nossos filhos. É um pleno exercício de
cidadania, para além da necessidade de termos que trabalhar para
usufruirmos de um salário e podermos sobreviver.
Por
isso nossas entidades devem assumir um protagonismo mais eficaz, que
vá além das palavras de ordem e das agitações para participação
de manifestações. Isso é fundamental, importante, e tanto mais
quanto maior sejam nossas presenças nesses lugares que demonstrem
nossas indignações e representem nossa combatividade e luta. Mas
construir uma mentalidade crítica em nossa categoria, na
universidade de forma geral, é a mais eficaz vacina que podemos
injetar na sociedade. Essa é a condição de impedirmos que o abismo
se abra cada vez mais em nossa frente, criar anti-corpos para
destruir os vírus que corroem nossa existência republicana e
democrática.
____________________________
(*)
Artigo escrito para o XV Encontro Nacional do Proifes-Federação,
realizado na cidade de Belém-PA. Título original: NOSSA FORÇA
ESTÁ NA ORGANIZAÇÃO E NA CAPACIDADE DE DISCERNIMENTO CRÍTICO.
Apresentado por mim, Romualdo Pessoa, professor da UFG e delegado ao
encontro, eleito pela base da ADUFG-Sindicato.
Nenhum comentário:
Postar um comentário