Íntegra da entrevista concedida ao Jornalista Renato Dias – DM. Publicada
no dia 17/02/2018
A
América Latina sofre, hoje, o esgotamento de um ciclo progressista?
Não
diria “esgotamento”, mas as políticas progressistas, mesmo que
limitadas e ainda padecendo de alguns defeitos neoliberais, colocaram
em xeque o velho poder tradicional, de uma oligarquia acostumada a
dominar com o apoio dos EUA. Isso durou o tempo em que as ações das
políticas externas estadunidenses estavam absorvidas em intensas
guerras no Oriente Médio e na tentativa do isolamento da Rússia.
Quando se percebeu que os países latino-americanos estavam seguindo
por uma rota diferente, e por meio da liderança brasileira
construindo uma alternativa na geopolítica mundial de deslocamento
do poder estratégico, inclusive reforçando o poderio comercial pelo
pacífico em direção à China, e incluindo a própria Rússia, as
ações se voltaram para destruir os governos daqueles países que
tem maior importância nessas relações políticas. As crises foram
geradas por meio de ações políticas e infiltrações de agentes em
manifestações, ao mesmo tempo em que grande mídia tradicional
unificava seu discurso com o objetivo de desconstruir as mudanças
que estavam em andamento. Como muitos desses governos administraram
crises de Estado, e por ter que lidar com congressos parlamentares
de maioria conservadora, terminaram por manter vícios na
administração e na política. Foi por esse caminho,
tradicionalmente trilhado por eles, que os conservadores deram um
xeque mate na esquerda. O moralismo hipócrita, o discurso
conservador religioso e a manipulação da mídia, terminou por
apagar a euforia que existia na relação com a esquerda. Isso não
significa esgotamento, mas uma nova etapa de um processo político
que encontra sempre adversidades. Contudo, as dificuldades
enfrentadas pela população, em razão de uma crise real consumir
seus ganhos salariais, e á medida em que esse discurso conservador
for sendo desmascarado a tendência é que haja uma retomada nessas
políticas progressistas. Mas o momento, infelizmente, é de
retrocesso.
Existem
identidades entre as quedas de Manuel Zelaya, 2009, Honduras;
Fernando Lugo, 2012, Paraguai; Dilma Rousseff, 2016, Brasil?
Sim,
claro. Não há dúvidas, nem coincidências. A derrubada desses
governos, bem como o desgaste imposto aos Kirchner na Argentina, fez
parte de uma estratégia conservadora numa ação política para
retomar o controle do poder na América Latina e botar nos governos
desses países fantoches, elementos ligados aos interesses dos EUA.
O
que explica a derrota do Kirchenerismo, após 13 anos de hegemonia,
na Argentina?
Praticamente
as mesmas razões que levaram ao definhamento do PT aqui no Brasil.
Uma reação orquestrada, conforme já disse anteriormente, que
passou inicialmente por uma forte campanha de desmoralização dessas
forças políticas, e da esquerda em geral, por meio da
intensificação na grande mídia de notícias negativas e de
contrainformações com o objetivo de gerar fortes desgastes. Mais do
que simples desgastes, as ações, coordenadas pela mídia, mas
contando com o apoio de ONGs, órgãos do próprio Estado dominado
por idéias e práticas conservadoras, e intensificada por um setor
poderoso do judiciário quando viram que seus interesses corporativos
estavam sendo ameaçados no Governo Dilma. Na Argentina o embate foi
ainda mais prolongado, porque ainda houve uma sobrevida da Cristina
Kirchner, que conseguiu suportar até locaute e intensas greves
patrocinadas pelos setores “produtivos”, ou melhor dizendo, por
aqueles que controlam os meios de produção.
A
deposição
das armas pelas Farc constituem uma estratégia correta?
A
meu ver sim. Eles seriam dizimados diante de um quadro que lhes era absolutamente adverso. Principalmente com a crise que se intensificou
na Venezuela e com todo o poderio bélico que foi investido pelos EUA
na Colômbia. Na verdade, essa guerra servia aos interesses
estratégicos estadunidense, porque através da política de combate
ao tráfico de drogas, e da vinculação que foi dada dessa atividade
com a guerrilha, as ações militares cumpriam outros objetivos, de
através da Colômbia as ações de inteligência no combate às
drogas servissem para desestabilizar os governos de esquerda.
Os
EUA recomendam um golpe de Estado civil e militar, hoje, na
Venezuela. Para depor Nicolás Maduro. Como analista da geopolítica
mundial do século 21, o que o senhor tem a dizer?
Isso
é um “deja vu”. Os EUA sempre agiram assim na relação com os
países da América Latina cujos governos lhes eram e são hostis. É
uma política imperialista, de envolvimento direto nos destinos de
outras nações, ferindo frontalmente a autodeterminação de cada
povo e de cada país. Essa é uma história cujas origens podem ser
encontradas no século XIX. Pelo “Destino Manifesto”, de viés
protestante-puritano, aquele país se designou como sendo o eleito
por Deus para dominar as Américas, daí a célebre e malfadada
frase: “A América para os americanos”. E, pouco depois, a
política do “Big Stick” (o grande porrete), inserido na Doutrina
Monroe, que tratava na ponta do porrete aqueles países que ousassem
sair da “linha” e contrariassem os interesses estadunidenses. O
que ocorre com a Venezuela já aconteceu com Cuba, com o Brasil, com
o Panamá, com a Bolívia e com todos os países cujos governos
adotassem uma política de alianças com inimigos estratégicos dos
EUA. A guerra fria acabou, mas não essa forma dos EUA lidar com seus
desafetos. Muito pelo contrário.
Raúl
Castro deixa mesmo o poder, no mês de abril, em Cuba, para Miguel
Díaz-Canel?
Acredito
que sim, e acho que isso fez parte do acordo com os EUA durante o
governo Obama, com a intermediação do Papa Francisco. Até mesmo
pelo fato dele já estar bastante velho. Agora tudo depende da
maneira como se dará a relação com os EUA. Com o Trump muito do
que foi acordado entre os dois países está sendo desfeito. Porque
sabemos que a política externa de Trump é isolacionista, e sua base
de apoio é muito forte entre os anti-castristas que vivem naquele
país. É possível que a saída dele sirva como um trunfo nas
negociações para que o Bloqueio criminoso de cinco décadas seja
extinto. Mas é preciso ainda ver como as coisas andarão nos EUA sob
a batuta desafinada de Donald Trump.
Luiz
Inácio Lula da Silva será preso e impedido de disputar as leições
de 2018?
Veja,
desde o começo dessa crise em que ficou bem claro a seletividade nas
investigações de casos de corrupção que tenho dito que o objetivo
é pegar o Lula. Quando falo em seletividade não me refiro somente a
investigações aos que são do PT, mas aos que fizeram parte da base
de apoio dos governos Lula e Dilma. Porque tudo que se está
descobrindo agora, era prática corriqueira de décadas de política
brasileira. As eleições aqui no Brasil sempre aconteceram
contaminadas nessas relações entre empresas e financiamento de
campanha. Foi assim que as oligarquias permaneceram no poder tanto
tempo. Portanto isso tudo aconteceu nos governos anteriores,
inclusive do PSDB, com FHC, que usou do mecanismo de compra de
parlamentares para aprovar a reeleição. Ora, se o objetivo desde o
começo é prender Lula, para que ele não retorne à presidência da
República, e se por mais de dois anos repetidamente se acentua o
desgaste numa lógica goelbesiana (uma mentira repetida por muitas
vezes se passa por verdade), é evidente que isso deverá acontecer.
Pode não acontecer caso o STF volte atrás na decisão de prender um
investigado quando já houver uma condenação numa segunda instância
judicial. Se isso não acontecer o Lula será preso. A menos que
houvesse uma convulsão social e ações de desobediências civis
coletiva. E isso não me parece que vai acontecer, porque o povo está
anestesiado e muito cético em relação a política. Houve uma
desconstrução perversa do que aconteceu de melhor no Brasil nos
últimos anos e o pessimismo foi injetado no inconsciente da
população. Pessimismo, aversão à política e intolerância com as
diferenças. Nesse ambiente a sociedade está mais para a letargia do
que para se levantar contra injustiças que se cometam contra um
político que é tido, e isso é inegável, como a maior liderança
política do país desde Getúlio Vargas. É claro que isso tem um
tempo de validade, a desesperança leva ao desespero, e às
insurgências sociais, basta pesquisar na história.
Qual
a sua análise do cenário em Goiás?
Não
é diferente do cenário brasileiro. E também segue uma onda
conservadora. Para desespero daqueles que combateram a ditadura
acabamos de ver um ex-governador biônico, base de apoio da ditadura
militar, ser conduzido à condição de Secretário de Segurança
Pública, isso mostra o nível do retrocesso e da mudança de foco de
uma política de viés social para outra de caráter repressivo,
porque é o que esse nome representou e representa. Veja também que
o nome mais forte para candidato ao governo é de um elemento que
comandou na década de 1980 uma associação de fazendeiros criada
para eliminar lideranças sindicais rurais e camponeses que lutavam
pela terra, a UDR. E faziam leilões para comprar armas com esse
intuito, claramente definido e propagado. Uma candidatura que
representa antigas oligarquias goianas, que se imaginava já estar
soterrada com o tempo e as transformações políticas. Claro que o
nome forte, porque o conservadorismo foi acionado pela campanha
midiática contra os setores progressistas, não significa uma
estrutura de partido forte, portanto não acredito que ele seja
vitorioso. Até porque seu discurso radical de direita afasta
políticos do Centro e tende a isolá-lo politicamente no transcorrer
da disputa. Mas Goiás também tem uma característica de uma
estrutura econômico-social fundada na exploração da terra, da
grande propriedade latifundiária e do grande agronegócio, e isso
por si só reforça o caráter conservador da sociedade. E
culturalmente por todos os poros goianos essa tendência se manifesta
e afeta até mesmo as camadas mais baixas da sociedade. Portanto, não
acredito numa alternativa progressista como sendo vitoriosa nas
próximas eleições aqui em Goiás, não há força política para
isso, até mesmo em Goiânia que por diversas vezes elegeu prefeitos
de esquerda. Essa tendência conservadora só não terá impacto
maior se os partidos de esquerda conseguirem se unir em torno de uma
candidatura que possa de fato competir visando chegar ao segundo
turno. Se isso não for possível veremos uma disputa entre o
candidato de centro-direita e um candidato de direita no segundo
turno das eleições em Goiás, infelizmente.
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