segunda-feira, 11 de dezembro de 2017

A GRADUAÇÃO NA UFG. QUEM AVALIA QUEM?

Durante a última campanha para candidato a reitor pude discutir intensamente os problemas que cercam a graduação na Universidade Federal de Goiás. Pela análise que fizemos era perfeitamente visível a absoluta ausência de um projeto focado na adequação do nosso modelo de ensino à realidade que se transforma aceleradamente, como consequência não somente do crescimento da Universidade, mas das mudanças geradas pelo ENEM e pela Reforma do Ensino Médio e as que afetam novas gerações de estudantes e nos impõe a necessidade de experimentarmos outras metodologias e novos mecanismos de interação entre professor/aluno, e principalmente diante das tecnologias que modificam hábitos e transformam comportamentos.
É nítido que nos últimos anos a universidade passou a priorizar mais a pós-graduação. Não vou entrar nessa discussão, que já fiz em outros momentos. Repito, para que não pairem nenhuma dúvida, que considero imprescindível o fortalecimento dos cursos de pós-graduação, não somente pela necessidade de formarmos novos doutores e termos um número maior de publicações científicas. Mas pela própria essência desses cursos, que focam na necessidade de apresentar novos conhecimentos e teses, por meio da pesquisa, constituindo-se em uma necessidade estratégica para o desenvolvimento do país.
Mas tudo indica que o modelo de universidade existente no Brasil, no âmbito dessas instituições públicas que investem fortemente em pesquisa, se esgotou. A graduação perdeu espaço para a pós-graduação, por diversos fatores. Principalmente porque esta garante aos professores maior protagonismo dentro do ambiente acadêmico e possibilita uma maior visibilidade para suas competências.
A graduação é a base da Universidade. É por ela que buscamos formar nossos melhores estudantes, não somente para torná-los profissionais competentes, mas também para que daí possa sair novos pesquisadores e professores. Por isso ela não pode ser posta em segundo plano. A condição para termos bons pós-graduandos é termos muitos bons graduandos. No entanto, a maior valorização das pós-graduações terminou ocasionando um certo distanciamento de boa parte dos professores da graduação. Até por uma questão de limitação da capacidade em sua atividade, já que há implicações decorrentes da necessidade de orientar um número considerável de alunos pós-graduandos. Assim passou a haver uma sobrecarga de trabalho para aqueles professores que se deparam com essa situação. E, na medida em que algumas exigências para elevar a pontuação desses cursos impõem publicações de artigos constantemente e uma permanente aferição do que se é produzido, incluindo quantidade de orientações, torna-se extenuante e estressante a maneira como se dá essa divisão e a responsabilidade de conseguir atender às pressões que só aumentam pelos mecanismos muitas vezes perversos que são criados pelos órgãos responsáveis por definirem os critérios e avaliação desses cursos e das atividades dos seus professores.
Dessa forma, já que os critérios que avaliam os cursos de graduação não seguem o mesmo padrão nem as mesmas exigências; bem como não implicam em atrair recursos das agências de fomentos; além de não garantir as projeções e visibilidade às competências que nos últimos anos reforçam vaidades e podem significar bolsas de produtividade, inevitavelmente o interesse maior, bem como o efetivo desejo de quem já entra na Universidade pensando como pesquisador, e não como docente, faz com que se inverta a lógica como deveria ser o ambiente acadêmico. A pós-graduação assume, assim, a condição de um melhor caminho para a carreira docente.
Isso trouxe como consequência uma certa indiferença quanto à graduação. Faz-se o que se pode, até porque se é obrigatório dar um mínimo de aula, por exigência legal. Falta estímulo e a universidade não apresenta alternativas a uma realidade que não é grave somente por isso, mas porque temos a cada ano gerações de alunos que se deparam com uma estrutura de ensino secular, muito embora eles carreguem hábitos gerados por uma sociedade em acelerada mutação e por lidarem com cada vez mais novidades tecnológicas que superam os mecanismos que usamos em salas de aula.
O contraditório, lamentavelmente, é que aqueles professores que desejam se dedicar mais às aulas de graduação são vistos como inoperantes e improdutivos. O que demonstra uma perversa incompreensão sobre a importância dos anos iniciais dos estudantes na universidade, formativos principalmente para suas escolhas do que se dedicarão ser, bacharel, pesquisador ou professor. Mas é essencial que a cada escolha as competências sejam fundamentais, e, portanto os níveis de conhecimento não podem ser diferentes. Não tem sido esse o rumo tomado pela universidade, o que resulta em desestímulos e distanciamento, na relação entre boa parte dos professores com suas atividades em salas de aula da graduação. Infelizmente, o modelo de universidade dificulta medidas que alterem essa realidade, já que o foco maior é na pós-graduação.
Ocorre que as alternativas que porventura venham a ser encontradas, só serão possíveis de acontecerem se houver, efetivamente, prioridade na atenção que a graduação merece. Isso implica em procurar compreender as condições em que se encontram cada curso, o perfil dos alunos e alunas que entram nesses cursos, quantos saem por necessidade, desestímulo ou buscam outras opções mesmo dentro da universidade, analisar as suas capacidades ainda no ano inicial e encontrar novas ferramentas e metodologias que se adéquem ao perfil de uma geração dominada pela tecnologia.
Nada disso tem sido efetivamente feito. Ou acontece esporadicamente e de forma isolada. Há mais de uma década que a universidade não passa por um profundo processo de discussão curricular e de avaliação dos cursos de graduação visando uma mudança e adequação aos novos tempos. Esse enfraquecimento da graduação, e o fortalecimento da pós-graduação, refletem-se nas escolhas feitas pelos professores, que seguindo uma lógica impositiva, preocupam-se com suas carreiras. Entendo que tudo isso é responsabilidade dos que estão à frente da Universidade, que estabelecem prioridades e são submissos a critérios questionáveis superiores.
No entanto, para forçar uma outra responsabilidade, que deveria ser natural, a reitoria da UFG adota medidas que desvirtuam os mecanismos que colocam os professores na condição de mestres. Quebram-se hierarquias e as substituem por um democratismo questionável, jogando para aqueles que deveriam ser os discípulos a condição de julgarem eventuais improbidades, livrando os que deveriam ser os condutores dessas fiscalizações, os diretores das unidades, de assumirem suas responsabilidades.
Não se trata de querer blindar os professores de serem avaliados por suas competências. Mas isso deve ser feito, rompendo-se qualquer tipo de corporativismo, pelos que assumem as condições para isso. Os diretores tornam-se chefes imediatos, e devem acompanhar, juntamente com as coordenações de cursos, a rotina de seus subordinados, sejam os técnicos-administrativos ou os professores. Hierarquicamente eles são os responsáveis por isso, mas não o fazem, porque se tornam reféns de uma estrutura que nos últimos anos têm primado mais por uma horizontalidade administrativa, fazendo, inclusive com que os próprios colegas sejam os fiscais das atividades do outro que se encontra no mesmo nível hierárquico. O que pressupõe dizer que é o caminho aberto para o assédio moral horizontal, que tem sido muito comum em diversas unidades. Essa forma caótica de administrar, se apresenta com um verniz democrático, mas constrói um ambiente muito mais marcado por perseguições, vaidades, assédio, do que propriamente um espaço de construção de saberes, de formas respeitosas de conduzirem o conhecimento.
Não bastasse, portanto, as avaliações às cegas às quais somos submetidos, não podendo assim identificar o perfil do aluno/a que está nos avaliando (já que poucos o fazem), a reitoria oferece como grande mudança nesses anos em que, inoperantemente, esqueceu a graduação, a possibilidade de o estudante denunciar o professor que porventura chegue atrasado para sua aula.
Ora, a responsabilidade disso é a direção da unidade e as coordenações dos cursos. Afinal, que medida se tomará contra um professor que eventualmente seja “denunciado” por um aluno/a por chegar atrasado? Se nem sequer se toma medida adequada contra os que são acusados de assédio sexual? Portanto é mais uma medida inócua, que gradativamente vai minando a autoridade do professor/a, e banalizando a relação que deve ser construída com base em competências respeitadas e hierarquicamente definidas.
Os Centros Acadêmicos devem
cumprir esse papel de fiscalizar
o funcionamento dos cursos
E criticar essa medida obtusa não significa compactuar com atitudes relapsas e irresponsáveis que porventura existam. Mas é preciso que em vez de empoderar individualmente, e abrir espaços para conflitos entre professor/a e aluno/ a reitoria deveria estimular os Centros Acadêmicos a acompanharem as condições existentes em seus cursos, do ponto de vista administrativo e acadêmico. E ele, o centro acadêmico, ser a voz dos estudantes na relação com a direção da unidade, para cobrar desta uma atitude em relação àquele docente que não esteja cumprindo sua obrigação. Como presidente de um centro acadêmico, na década de 1980, pude realizar um abaixo assinado e entregá-lo, e o fiz pessoalmente, à diretora de nossa unidade (que posteriormente veio a ser a minha orientadora no Mestrado), solicitando o afastamento de uma professora que faltava às aulas sem avisar nem dar justificativas. Pudemos fazer isso, sem quebra de hierarquias e sem que essa cobrança resvalasse para embates personalizados. O Centro Acadêmico foi o porta-voz da insatisfação de quase uma turma inteira, mas nem mesmo assim o foi em sua totalidade, já que alguns colegas não quiseram se manifestar.
Atitudes como essa certamente não receberá muita atenção porque o comportamento que existe dentro da universidade atualmente é de completa paralisia, como de resto acontece com toda a sociedade. Entretanto, essas medidas só serão sentidas com o tempo, e aí em meio à passividade já estaremos diante de uma situação que afetará nossa condição professor. Prevalecerá o estilo “amiguinho/a” da relação professor(a)/aluno(a) e seguramente, ao contrário do que pretende tal medida, prejudicará quem tem uma postura mais rígida no controle da frequência dos/as alunos/as, já que este/a estará submetido/a a um único deslize para que se proceda uma possível “vingança” de quem não aceita ser punido pelo professor por chegar atrasado na aula. O caminho será, inevitavelmente, deixar de fazer chamada e prevalecerá a cumplicidade, já existente em outras situações.
Mas, afinal, se essa medida foi tomada, significa que a reitoria tem informações sobre atrasos de professores. Ora, se isso acontece, porque por meio da Pró-Reitoria de Graduação não é solicitado informações às coordenações de cursos e direções das unidades, para que se procedam as medidas desejadas? E naturalmente isso não poderá ultrapassar a de uma conversa e de reclamação perante esse professor, para que tal fato não se repita. Afinal, existe no âmbito do regimento da Universidade, algum tipo de punição para o professor que insista em chegar atrasado? Juridicamente seria possível afastar algum professor por isso? Parece-me que não.
A universidade precisa debater reformas
mas também a saúde do professor -
Ver o significado da Síndrome de Burnout*
Portanto, a medida além de inócua é absolutamente duvidosa quanto aos resultados, além de questionável do ponto de vista pedagógico, uma vez que se inverte a lógica na relação professor/a aluno/a. Insisto que cabe às direções estarem atentas à maneira como os cursos de suas unidades estão funcionando e se os professores e funcionários estão cumprindo devidamente suas responsabilidades. Mesmo nessa circunstância, hierarquicamente definida, o caminho é o do diálogo e do convencimento, de forma a proceder à regularização de algum eventual desvirtuamento das nossas funções. É assim que deve funcionar uma Universidade.
De minha parte, assino com tranquilidade este artigo, pois não me lembro de quando tive um atraso em dia de aula. E se em algum momento isso aconteceu em meus 21 anos de universidade, o fiz com justificativa. Por outro lado, jamais fui conivente com atraso de alunos/as, dentro da exigência que é estabelecida pelo regimento. Mas não será com medidas como essa, que iremos resolver os graves problemas pelos quais passa o ensino de graduação, principalmente nas licenciaturas. Ao contrário, poderá ser fator gerador de conflitos na relação professor-aluno.
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(*) http://www.unaerp.br/revista-cientifica-integrada/edicoes-anteriores/edicao-n-2-2014-1/1464-161-454-1-sm/file

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