Durante a última campanha para
candidato a reitor pude discutir intensamente os problemas que cercam a
graduação na Universidade Federal de Goiás. Pela análise que fizemos era
perfeitamente visível a absoluta ausência de um projeto focado na adequação do
nosso modelo de ensino à realidade que se transforma aceleradamente, como
consequência não somente do crescimento da Universidade, mas das mudanças geradas
pelo ENEM e pela Reforma do Ensino Médio e as que afetam novas gerações de
estudantes e nos impõe a necessidade de experimentarmos outras metodologias e
novos mecanismos de interação entre professor/aluno, e principalmente diante
das tecnologias que modificam hábitos e transformam comportamentos.
É nítido que nos últimos anos a
universidade passou a priorizar mais a pós-graduação. Não vou entrar nessa
discussão, que já fiz em outros momentos. Repito, para que não pairem nenhuma
dúvida, que considero imprescindível o fortalecimento dos cursos de
pós-graduação, não somente pela necessidade de formarmos novos doutores e
termos um número maior de publicações científicas. Mas pela própria essência
desses cursos, que focam na necessidade de apresentar novos conhecimentos e
teses, por meio da pesquisa, constituindo-se em uma necessidade estratégica
para o desenvolvimento do país.
Mas tudo indica que o modelo de
universidade existente no Brasil, no âmbito dessas instituições públicas que
investem fortemente em pesquisa, se esgotou. A graduação perdeu espaço para a
pós-graduação, por diversos fatores. Principalmente porque esta garante aos
professores maior protagonismo dentro do ambiente acadêmico e possibilita uma
maior visibilidade para suas competências.
A graduação é a base da
Universidade. É por ela que buscamos formar nossos melhores estudantes, não
somente para torná-los profissionais competentes, mas também para que daí possa
sair novos pesquisadores e professores. Por isso ela não pode ser posta em
segundo plano. A condição para termos bons pós-graduandos é termos muitos bons
graduandos. No entanto, a maior valorização das pós-graduações terminou
ocasionando um certo distanciamento de boa parte dos professores da graduação.
Até por uma questão de limitação da capacidade em sua atividade, já que há
implicações decorrentes da necessidade de orientar um número considerável de
alunos pós-graduandos. Assim passou a haver uma sobrecarga de trabalho
para aqueles professores que se deparam com essa situação. E, na medida em que algumas
exigências para elevar a pontuação desses cursos impõem publicações de artigos
constantemente e uma permanente aferição do que se é produzido, incluindo
quantidade de orientações, torna-se extenuante e estressante a maneira como se
dá essa divisão e a responsabilidade de conseguir atender às pressões que só
aumentam pelos mecanismos muitas vezes perversos que são criados pelos órgãos
responsáveis por definirem os critérios e avaliação desses cursos e das
atividades dos seus professores.
Dessa forma, já que os critérios que
avaliam os cursos de graduação não seguem o mesmo padrão nem as mesmas
exigências; bem como não implicam em atrair recursos das agências de fomentos;
além de não garantir as projeções e visibilidade às competências que nos
últimos anos reforçam vaidades e podem significar bolsas de produtividade,
inevitavelmente o interesse maior, bem como o efetivo desejo de quem já entra
na Universidade pensando como pesquisador, e não como docente, faz com que se
inverta a lógica como deveria ser o ambiente acadêmico. A pós-graduação assume,
assim, a condição de um melhor caminho para a carreira docente.
Isso trouxe como consequência uma
certa indiferença quanto à graduação. Faz-se o que se pode, até porque se é
obrigatório dar um mínimo de aula, por exigência legal. Falta estímulo e a
universidade não apresenta alternativas a uma realidade que não é grave somente
por isso, mas porque temos a cada ano gerações de alunos que se deparam com uma
estrutura de ensino secular, muito embora eles carreguem hábitos gerados por
uma sociedade em acelerada mutação e por lidarem com cada vez mais novidades
tecnológicas que superam os mecanismos que usamos em salas de aula.
O contraditório, lamentavelmente, é
que aqueles professores que desejam se dedicar mais às aulas de graduação são
vistos como inoperantes e improdutivos. O que demonstra uma perversa
incompreensão sobre a importância dos anos iniciais dos estudantes na
universidade, formativos principalmente para suas escolhas do que se dedicarão
ser, bacharel, pesquisador ou professor. Mas é essencial que a cada escolha as
competências sejam fundamentais, e, portanto os níveis de conhecimento não
podem ser diferentes. Não tem sido esse o rumo tomado pela universidade, o que
resulta em desestímulos e distanciamento, na relação entre boa parte dos
professores com suas atividades em salas de aula da graduação. Infelizmente, o
modelo de universidade dificulta medidas que alterem essa realidade, já que o
foco maior é na pós-graduação.
Ocorre que as alternativas que
porventura venham a ser encontradas, só serão possíveis de acontecerem se
houver, efetivamente, prioridade na atenção que a graduação merece. Isso
implica em procurar compreender as condições em que se encontram cada curso, o
perfil dos alunos e alunas que entram nesses cursos, quantos saem por
necessidade, desestímulo ou buscam outras opções mesmo dentro da universidade,
analisar as suas capacidades ainda no ano inicial e encontrar novas ferramentas e metodologias que se adéquem ao perfil de uma geração dominada pela
tecnologia.
Nada disso tem sido efetivamente
feito. Ou acontece esporadicamente e de forma isolada. Há mais de uma década que
a universidade não passa por um profundo processo de discussão curricular e de
avaliação dos cursos de graduação visando uma mudança e adequação aos novos tempos.
Esse enfraquecimento da graduação, e o fortalecimento da pós-graduação, refletem-se
nas escolhas feitas pelos professores, que seguindo uma lógica impositiva,
preocupam-se com suas carreiras. Entendo que tudo isso é responsabilidade dos
que estão à frente da Universidade, que estabelecem prioridades e são submissos
a critérios questionáveis superiores.
No entanto, para forçar uma outra
responsabilidade, que deveria ser natural, a reitoria da UFG adota medidas que
desvirtuam os mecanismos que colocam os professores na condição de mestres. Quebram-se
hierarquias e as substituem por um democratismo questionável, jogando para
aqueles que deveriam ser os discípulos a condição de julgarem eventuais
improbidades, livrando os que deveriam ser os condutores dessas fiscalizações,
os diretores das unidades, de assumirem suas responsabilidades.
Não se trata de querer blindar os
professores de serem avaliados por suas competências. Mas isso deve ser feito,
rompendo-se qualquer tipo de corporativismo, pelos que assumem as condições
para isso. Os diretores tornam-se chefes imediatos, e devem acompanhar,
juntamente com as coordenações de cursos, a rotina de seus subordinados, sejam
os técnicos-administrativos ou os professores. Hierarquicamente eles são os
responsáveis por isso, mas não o fazem, porque se tornam reféns de uma
estrutura que nos últimos anos têm primado mais por uma horizontalidade
administrativa, fazendo, inclusive com que os próprios colegas sejam os fiscais
das atividades do outro que se encontra no mesmo nível hierárquico. O que
pressupõe dizer que é o caminho aberto para o assédio moral horizontal, que tem
sido muito comum em diversas unidades. Essa forma caótica de administrar, se
apresenta com um verniz democrático, mas constrói um ambiente muito mais
marcado por perseguições, vaidades, assédio, do que propriamente um espaço de
construção de saberes, de formas respeitosas de conduzirem o conhecimento.
Não bastasse, portanto, as avaliações
às cegas às quais somos submetidos, não podendo assim identificar o perfil do
aluno/a que está nos avaliando (já que poucos o fazem), a reitoria oferece como
grande mudança nesses anos em que, inoperantemente, esqueceu a graduação, a
possibilidade de o estudante denunciar o professor que porventura chegue
atrasado para sua aula.
Ora, a responsabilidade disso é a
direção da unidade e as coordenações dos cursos. Afinal, que medida se tomará
contra um professor que eventualmente seja “denunciado” por um aluno/a por
chegar atrasado? Se nem sequer se toma medida adequada contra os que são
acusados de assédio sexual? Portanto é mais uma medida inócua, que
gradativamente vai minando a autoridade do professor/a, e banalizando a relação
que deve ser construída com base em competências respeitadas e hierarquicamente
definidas.
Os Centros Acadêmicos devem cumprir esse papel de fiscalizar o funcionamento dos cursos |
E criticar essa medida obtusa não
significa compactuar com atitudes relapsas e irresponsáveis que porventura
existam. Mas é preciso que em vez de empoderar individualmente, e abrir espaços
para conflitos entre professor/a e aluno/ a reitoria deveria estimular os
Centros Acadêmicos a acompanharem as condições existentes em seus cursos, do
ponto de vista administrativo e acadêmico. E ele, o centro acadêmico, ser a voz
dos estudantes na relação com a direção da unidade, para cobrar desta uma
atitude em relação àquele docente que não esteja cumprindo sua obrigação. Como
presidente de um centro acadêmico, na década de 1980, pude realizar um abaixo
assinado e entregá-lo, e o fiz pessoalmente, à diretora de nossa unidade (que
posteriormente veio a ser a minha orientadora no Mestrado), solicitando o
afastamento de uma professora que faltava às aulas sem avisar nem dar
justificativas. Pudemos fazer isso, sem quebra de hierarquias e sem que essa
cobrança resvalasse para embates personalizados. O Centro Acadêmico foi o
porta-voz da insatisfação de quase uma turma inteira, mas nem mesmo assim o foi
em sua totalidade, já que alguns colegas não quiseram se manifestar.
Atitudes como essa certamente não
receberá muita atenção porque o comportamento que existe dentro da universidade
atualmente é de completa paralisia, como de resto acontece com toda a
sociedade. Entretanto, essas medidas só serão sentidas com o tempo, e aí em
meio à passividade já estaremos diante de uma situação que afetará nossa
condição professor. Prevalecerá o estilo “amiguinho/a” da relação
professor(a)/aluno(a) e seguramente, ao contrário do que pretende tal medida,
prejudicará quem tem uma postura mais rígida no controle da frequência dos/as alunos/as,
já que este/a estará submetido/a a um único deslize para que se proceda uma
possível “vingança” de quem não aceita ser punido pelo professor por chegar
atrasado na aula. O caminho será, inevitavelmente, deixar de fazer chamada e
prevalecerá a cumplicidade, já existente em outras situações.
Mas, afinal, se essa medida foi tomada,
significa que a reitoria tem informações sobre atrasos de professores. Ora, se
isso acontece, porque por meio da Pró-Reitoria de Graduação não é solicitado
informações às coordenações de cursos e direções das unidades, para que se
procedam as medidas desejadas? E naturalmente isso não poderá ultrapassar a de
uma conversa e de reclamação perante esse professor, para que tal fato não se
repita. Afinal, existe no âmbito do regimento da Universidade, algum tipo de
punição para o professor que insista em chegar atrasado? Juridicamente seria
possível afastar algum professor por isso? Parece-me que não.
A universidade precisa debater reformas mas também a saúde do professor - Ver o significado da Síndrome de Burnout* |
Portanto, a medida além de inócua é
absolutamente duvidosa quanto aos resultados, além de questionável do ponto de
vista pedagógico, uma vez que se inverte a lógica na relação professor/a
aluno/a. Insisto que cabe às direções estarem atentas à maneira como os cursos
de suas unidades estão funcionando e se os professores e funcionários estão
cumprindo devidamente suas responsabilidades. Mesmo nessa circunstância,
hierarquicamente definida, o caminho é o do diálogo e do convencimento, de
forma a proceder à regularização de algum eventual desvirtuamento das nossas
funções. É assim que deve funcionar uma Universidade.
De minha parte, assino com
tranquilidade este artigo, pois não me lembro de quando tive um atraso em dia
de aula. E se em algum momento isso aconteceu em meus 21 anos de universidade,
o fiz com justificativa. Por outro lado, jamais fui conivente com atraso de
alunos/as, dentro da exigência que é estabelecida pelo regimento. Mas não será com
medidas como essa, que iremos resolver os graves problemas pelos quais passa o
ensino de graduação, principalmente nas licenciaturas. Ao contrário, poderá ser
fator gerador de conflitos na relação professor-aluno.
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(*) http://www.unaerp.br/revista-cientifica-integrada/edicoes-anteriores/edicao-n-2-2014-1/1464-161-454-1-sm/file
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