Íntegra
da entrevista com o Professor Romualdo Pessoa, concedida ao Jornalista Renato Dias - Jornal Diário da Manhã.
Publicado no dia 27 de fevereiro de 2017, pág. 11.
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Diário
da Manhã - Quando serão as eleições para reitor na UFG?
Romualdo
Pessoa Campos Filho – Ainda não está definida a data.
Aliás, acho estranho isso, visto que a última eleição ocorreu em um mês de
junho. Receio que exista a intenção de reduzir o tempo de campanha, e dessa
forma encurtar os meses para impedir um debate mais aprofundado sobre os
problemas da UFG. Esse é o problema que venho criticando, a ausência de debates
nas duas últimas eleições criou vícios e tornou a universidade conformada com
seus problemas e imaginando que as coisas se resolvem por consensos, ou pela
ausência de maiores discussões onde o contraditório possa ser ouvido.
DM
- Romualdo Pessoa Campos Filho é candidato?
Romualdo
Pessoa Campos Filho – Desde o ano passado lancei minha
candidatura, e o fiz com esse tempo para tentar acelerar esse processo. Mas
tudo indica que não há interesse do grupo que está à frente da administração da
universidade em dedicar um tempo maior para debater problemas que são cruciais
para a universidade, bem como para nos indicar as reais condições em que a UFG
se encontra. Sabemos que há redução nos investimentos, em função dos cortes
efetuados pelo governo federal, mas precisamos saber o grau de endividamento da
Universidade e como nós ficamos diante desses cortes. O que tinha sido
empenhado, em termos de ampliação e investimentos e o que de fato a
universidade esperava receber de dotação orçamentária. Creio que houve uma
superestimação da realidade econômica que vivíamos e uma subestimação da
eminência de uma forte crise política que poderia dificultar na sustentação do
crescimento que foi proposto.
DM
- Qual a sua plataforma?
Romualdo
Pessoa Campos Filho – Transformar a universidade. Dar um
choque de realidade na comunidade universitária, que se viu transportada de um
otimismo exacerbado para um pessimismo preocupante. Entre uma perspectiva
desejada, e que se afirmava, e uma realidade preocupante com escassez de
recursos, há uma capacidade estabelecida em nossa universidade. Nos últimos
anos houve um forte investimento na capacitação do quadro de professores o que
levou a um acréscimo do número de doutores. Temos também um número considerável
de técnicos administrativos capacitados em nível superior e também
pós-graduação. Precisamos, no entanto, saber lidar com uma realidade diferente
daquela que vínhamos convivendo, motivado por um discurso ufanista que de certa
forma tinha lastro nos projetos do governo federal que investiu muito na
expansão do ensino superior. Mas a universidade perdeu um pouco de sua
característica, se isolou da sociedade e houve certa fragmentação do
conhecimento e distanciamento das áreas. Precisamos tornar a UFG mais coesa,
reforçar suas competências, buscar outras formas de parcerias desde que não
afete a sua condição de instituição pública, gratuita e de qualidade. E,
principalmente, ampliar o debate e as discussões sobre os problemas nacionais e
regionais.
DM
- O que fazer com o congelamento dos gastos públicos por 20 anos?
Romualdo
Pessoa Campos Filho – Lutar! E essa é uma característica
que carrego ao longo de minha história na UFG. E quando falo lutar, me refiro a
essa coesão que falei na questão anterior, fazer também com que a universidade
seja vista como uma referência importante para o desenvolvimento do estado de Goiás
e por isso criar um sentimento forte de defesa dessa instituição, e ao mesmo
tempo procurar reforçar o apoio de parlamentares na garantia de que a
universidade pública brasileira é o principal canal de produção de conhecimentos, desenvolvimento da ciência
e de possibilidade de incentivar cada vez mais inovações. Além da sua
característica precípua, de formar jovens bem habilitados para exercer com
competência e ética suas profissões. Essa medida de congelamento dos recursos,
ampliados somente pelo índice da inflação, que pode chegar a zero caso a crise
se acentue e tenhamos uma deflação, coloca em risco todo o processo de
fortalecimento do ensino superior colocado em prática desde os primeiros anos
deste século. Pode vir a ser um retrocesso histórico, que demandará muitas
outras décadas para que a universidades possam se recompor. Para evitar isso
somente com muita luta e com uma universidade que saia da comodidade em que ela
se encontra. Vai ser preciso nos unimos na defesa da nossa instituição. Pretendo
ser o condutor desse processo, somando ao meu lado uma equipe competente e,
logicamente, toda a comunidade universitária.
DM
- Como democratizar a UFG?
Romualdo
Pessoa Campos Filho – Creio que a Universidade é uma
instituição aberta e democrática e que avançou muito em um quesito que
dificultava vê-la dessa maneira: a inclusão. Adquirimos ao longo de nossa
história, e com muita luta, essa característica que nos diferencia de outras
instituições. Mas ainda padecemos da ausência de autonomia. Creio que essa seja
uma luta que deverá ser travada com muita força nos próximos anos, por questões
conjunturais. Mas tenho a lamentar que tantos anos de governos progressistas
isso não tenha avançado e ficamos submetidos às imposições de órgãos externos
que limitam as ações administrativas da universidade e analisam questões sob
pontos de vistas completamente alheios à nossa formação e às nossas condições
de uma instituição que se caracterizou nos últimos anos por ser o centro da
pesquisa brasileira.
DM
- Qual a sua análise da Reforma da Previdência anunciada por Michel Temer?
Romualdo
Pessoa Campos Filho – Terrível. Esse governo, como também em
parte o anterior, da presidenta Dilma, embora com perfis bem diferentes no
enfoque das questões sociais, cometeram o erro de mirar no alvo errado. Os
problemas da previdência não são os trabalhadores, são os sonegadores. Essa é a
razão dos desequilíbrios. A proposta em discussão no Congresso é de uma
perversidade enorme. Praticamente inviabiliza as pessoas de se aposentarem com
salários integrais. São muitos aspectos nocivos para as pessoas mais pobres,
principalmente, e para as pessoas que vivem no campo. Creio que seja mais uma
medida para nos empurrar para a procura por previdência privada e desobrigar o
Estado de cumprir um requisito que há décadas vem garantindo um mínimo de
dignidade aos trabalhadores que chegam à velhice. Além de ser um elemento a
mais para ampliar a crise financeira de muitos municípios que sobrevivem em
grande parte com uma economia que depende dos recursos dos aposentados e
pensionistas. Vai ampliar o fosso das desigualdades sociais e gerar mais
crises. Mas tenho dúvidas se ela passa da maneira como está, pois pode
significar um suicídio político para os parlamentares que aprovarem nas
condições apresentadas.
DM
- A Reforma Trabalhista pode afetar a UFG?
Romualdo
Pessoa Campos Filho – Sim, pode afetar em diversos
aspectos, mas eu destacaria aquele que sempre é citado pelos setores
conservadores: a estabilidade do servido público. Se isso acontecer ficaremos sujeito
aos humores de governos que podem perseguir servidores jogando-lhes a peça de
ineficientes e incompetentes. Aliás, algo que já tem sido feito e penetra no
inconsciente de muitas pessoas. Temos que sempre melhorar a nossa competência e
capacidade de prestar um bom atendimento à sociedade, com níveis de
excelências. Isso é uma coisa, outra é atribuir ao serviço público os problemas
que surgem. Certamente esse será um dos alvos dessa reforma. Mas, naturalmente,
lutaremos intensamente junto com a sociedade para que isso não aconteça.
DM
- O que fazer para expandir os cursos da instituição?
Romualdo
Pessoa Campos Filho – Penso que o momento que estamos
atravessando aponta para a necessidade de focarmos no fortalecimento dos cursos
que já existem e na melhoria da qualidade. É necessário fazer uma grande
discussão na Universidade sobre a importância de fortalecimento da graduação
sob todos os aspectos, mas principalmente dos cursos de licenciatura. Há um
fosso enorme em nossa relação com a sociedade, no compromisso de garantirmos
não somente profissionais de qualidade, mas em quantidade suficiente para
atender a demanda que existe. Refiro-me aqui que a quantidade dos que entram
seja igual ou bem próxima com a dos que saem. Por uma série de fatores ampliou-se
muito o número de evasão de estudantes que abandonam esses cursos no meio de
sua trajetória. Mas isso não afeta somente cursos de licenciatura, embora
nesses a situação seja mais grave. Afeta também até mesmo cursos bem procurados
e com penetração no mercado. Um dos problemas está relacionado ao ENEM, que
possibilitou uma forte mobilidade, mas que isso tem sido pouco debatido na
universidade. Isso torna a universidade mais cara, na medida em que o número de
professores em relação a alunos vai se ampliando. E fica mais sério quando
alguns cursos não conseguem sequer preencher todas as vagas e leva a um
diagnóstico que é muito ruim, de ter que fechá-lo. Isso é preciso ser tratado
com bastante seriedade, e é o que faremos.
DM
- O senhor é favorável às cotas raciais?
Romualdo
Pessoa Campos Filho – Sou favorável, mas prefiro o termo
“cotas sociais”, mesmo se consideramos que a população negra seja foco desses
programas. Mas a situação do negro em nossa sociedade é um problema social,
oriundo da nossa formação colonial escravista. O fim da escravidão, e como isso
se deu, jogou a população negra na periferia e fechou a possibilidade de sua
inserção na sociedade. E isso se repetiu dramaticamente por décadas e séculos.
Há, naturalmente, uma necessidade de resgate de uma enorme dívida histórica com
aqueles que carregam consigo os traços étnicos da negritude. Por isso sou
favorável, mas não como uma solução definitiva do problema de inclusão social.
E nisso vejo um equívoco nas ações desenvolvidas pelos governos, quando não
investem o que é necessário para elevar a qualidade do ensino público
fundamental e médio. Portanto, como se diz popularmente, “o problema é bem
embaixo”, está na base, na forma como as crianças pobres se inserem nas escolas
e o tipo e modelo de escolas. Defendo, como muitos cientistas, que o termo
“raça” seja abolido em definitivo. Creio que formamos uma única raça, composta
por inúmeras etnias. O termo “raça” tem um componente político ideológico
sempre utilizado para descaracterizar e menosprezar aqueles que tiveram seus
antepassados explorados perversamente. Mas entendo que os grupos negros usem
essa expressão para explicitar uma valorização de sua cor e tradição, e porque também
tradicionalmente o seu uso está disseminado até mesmo nas populações que são
oprimidas.
DM
- Edward Madureira é candidato?
Romualdo
Pessoa Campos Filho – Tudo indica que sim. Mas isso tem
sido dito em reportagens sem a afirmação ainda definitiva dele. Imagino que
essa seja uma tática do grupo que o apoia e está na reitoria. É uma tentativa
de protelar a definição de candidatos e assim demorar na definição da data pelo
Conselho Universitário. Algo que já deveria ter sido feito, mas ao que parece a
demora se deve a uma provável redução do tempo de campanha. Há uma nítida
recusa por um tempo razoável de campanha para que tenhamos um debate profícuo.
Mas pretendo levar o debate a todos os cantos da universidade, independente
dessas manobras. Debaterei com a comunidade universitária e com outros
candidatos, que já se manifestaram ou poderão surgir.
DM
- É mais do mesmo?
Romualdo
Pessoa Campos Filho – Sem dúvida. É a continuidade de um
modelo de administração que, ao meu ver já se esgotou. Se baseou em farta dotação orçamentária, mas
que excedeu os limites ao final do mandato, e deixou dificuldades para a gestão
do seu ex-pró reitor de administração e atual reitor. Vamos procurar saber as
condições em que a Universidade se encontra e se isso se deveu aos cortes de
verbas ou aos investimentos feitos em final de mandato, endividando a
universidade e gerando um enorme passivo que não pode ser quitado quando os
cortes aconteceram, ainda no primeiro ano do segundo governo Dilma. Precisamos
agora de outro modelo de gestão, focado na consolidação do que já existe na
universidade e na melhoria da qualidade, para elevá-la ao nível de excelência e
incluí-la entre as dez melhores universidades públicas do país.
DM
- Qual o seu programa para os estudantes?
Romualdo
Pessoa Campos Filho – Se há um setor que pretendo dedicar
uma enorme atenção é a graduação. Creio que nesses anos tenha sido essa a área
da universidade que menos teve atenção da reitoria. Imagino que qualquer
universidade brasileira que queira se destacar deve investir na qualidade dos cursos
de graduação. Ter bons alunos de graduação é condição sine qua non para termos
bons profissionais e bons pós-graduandos. Quanto às demandas dos estudantes,
por meio de suas entidades, não terei nenhuma dificuldade de lidar com isso,
porque carrego em minha formação o orgulho de ter participado ativamente do
Movimento Estudantil, desde o Centro Acadêmico até à União Nacional dos
Estudantes. Saberei manter um diálogo permanente com as entidades e movimentos
que na UFG defendem os interesses dos estudantes e atuam também no âmbito das
políticas mais gerais, repeitando suas formas de se organizarem e atentos à
suas demandas.
DM
- O que o senhor propõe para os professores da UFG?
Romualdo
Pessoa Campos Filho – Eu acredito que o que precisamos nos
próximos anos é manter e consolidar uma estrutura de universidade que garanta
aos professores exercerem com tranquilidade suas atividades didáticas e de
pesquisa. As dificuldades serão visíveis e irá requerer muita luta e
determinação para garantir isso. Daremos todo apoio à busca de alternativas
para atrair mais investimentos para pesquisa na Universidade, seja por meio do
incentivo à participação nos editais ou na ampliação e fortalecimento das
parcerias com o Estado e com a iniciativa privada. Uma coisa que me preocupa
também é a condição de saúde de boa parte dos professores, submetidos a uma
enorme pressão causada pelos prazos que existem seja para concorrerem a editais
ou para prestação de contas de seus projetos, bem como pelo desejo de produzir
artigos para publicação, tudo isso aliado à necessidade de ministrar aulas na
graduação e pós-graduação. O cotidiano dos professores, mesmo quando a
dedicação é feita de forma prazerosa, e creio que o é em sua maioria, é
bastante estressante, e geradora de enfermidades. Estar em condições saudáveis
é a melhor maneira de aumentar a produtividade na universidade. O excesso de
burocracia é um empecilho a ser encarado, pois é um elemento a mais a exercer
pressão sobre os professores, e a universidade tornou-se excessivamente
burocrática. Iremos combater isso.
DM
- Qual a receita para os servidores?
Romualdo
Pessoa Campos Filho – Creio que é preciso dar o valor
necessário ao trabalho que os técnicos-administrativos desempenham na
Universidade, em diversos setores. Mas pretendo valorizar mais ainda esse
segmento, por meio de incentivos à qualificação até ao doutoramento. Irei na
UFG iniciar um processo de estudo para a aplicação de horários corridos, com a
adoção das 30 horas semanais, mas isso sujeito à análise de cada setor. Há
limitações ao reitor nesse quesito, mas lutarei no âmbito da Andifes para que
essa seja uma medida a ser adotada em todas as universidades. Já existe
atualmente uma diferenciação entre os técnicos, devido à decisões judiciais. E
farei isso tanto para atender uma demanda da categoria, como para facilitar o
próprio atendimento na Universidade, principalmente a fim de garantir aos
estudantes do curso noturno acesso a setores que ficam fechados nesse período.
A valorização dos servidores técnicos administrativos é também uma condição
para o bom funcionamento da UFG. Isso, certamente, será feito de forma a
extrair o melhor da competência de cada um, e assim construir uma instituição
que funcione harmonicamente entre os seus segmentos.
Excelente entrevista! Que a campanha e as boas ideias frutifiquem!
ResponderExcluirParabéns Prof. Romualdo pela entrevista, buscar o diálogo, neste momento de campanha, significa também encontrar as melhores caminhos para a UFG. Que a campanha seja construtiva, pacífica, ética e enriquecedora para toda a comunidade universitária.
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