Não sei o que dizer do que será.
Resta-me analisar o que já não é mais. Assim, na reconstrução do passado, que me pode
dar a compreensão dos erros e acertos do tempo que se foi, posso melhor
inventar o meu futuro. 2017, e o que mais vier.
Repito aqui, os mesmos desejos de
anos anteriores, pois eles são permanentes, apenas envelhecemos um ano a mais.
Seguramente uma das coisas boas em
minha vida nesses últimos anos foi a força para criar e consolidar este Blog. Gramática do Mundo, como já disse, um
nome quase emprestado do historiador francês, Fernand Braudel, que criou sua Gramática das Civilizações, representou
para mim muito mais do que eu pretendia que se fosse inicialmente.
Transformou-se em um fórum de debate bem provocativo, como sempre fui, e sou,
em minha peculiaridade, mas sempre de maneira positiva e propositiva. Através
desse estímulo pude reencontrar minhas forças. E, embora as marcas do passado
não cicatrizem, aprendemos a conviver com elas, e com nossas dores. Às vezes,
contraditoriamente, elas nos estimulam.
Em 2017, já completando 22 anos de
UFG, pretendo alçar voos maiores, um desafio para o qual julgo estar preparado,
calejado pelo tempo, marcado pelas vicissitudes da vida pessoal, profissional e
política.
Dedicar-me ao blog é um alento. Ele cumpre esse papel, e se transformou numa
catarse a aliviar os meus tormentos, de fazer libertar do fundo da minha
intimidade todas as angústias motivadas pela perda de minha filha, Ana
Carolina. Através do Gramática do Mundo,
e tentando ainda fragilmente seguir o lema da filosofia antiga, exposta inicialmente
em um poema de Horácio, no século I, antes da Era Cristã, com a expressão Carpe Diem, não me preocupo em viver
obcecado com o futuro, mas buscar a compreensão do presente, de forma a vivê-lo
em toda a sua intensidade.
Essa máxima permanece a guiar as
minhas atitudes e a maneira como concebo a vida, embora com uma concepção
materialista. Sem jamais querer eliminar as minhas memórias, as lembranças,
mesmo tristes, que me marcaram e me conduziram ao presente. Bloqueei por algum
tempo lembranças trágicas da internação de minha filha, até o dia fatídico da
sua morte. Mas, desde 2013, principalmente após a defesa de meu doutorado –
talvez algo que eu ainda devesse a ela – recuperei essas imagens, mesmo que
doídas, mas já conseguindo sentir a sua presença permanentemente ao meu lado,
em nossos momentos de alegrias.
Por isso essa minha mensagem de
transição entre dois momentos simbólicos (2016 - 2017), construídos seguindo
uma lógica que interessa ao consumismo capitalista, apesar da crise econômica
mundial, mas que inegavelmente também se constitui em um momento de confraternização,
e de expiação de todos os nossos problemas, eu quis produzi-la aqui.
Transformo, assim, todos os meus seguidores e eventuais leitores, em
personagens de minha vida, com os quais estabeleço abertamente, por essa
ferramenta espetacular que é a internet, momentos de franca discussão
ideológica e intelectual, bem como compartilho todos os meus sentimentos pela
perda irreparável que me consumiu e me consumirá pelo resto da minha vida, mas
que aprendi a conviver com ela, superar a dor e encarar a realidade. Também as
dores da vida social são terríveis, convivemos com elas diariamente, direta ou
indiretamente, e não podemos viver eternamente numa caverna a olhar
infinitamente para dentro de si próprio, senão esquecemos como são as coisas
por aí afora, no mundo real que nos cerca e no qual estamos envolvidos.
Continuo recebendo, principalmente
nas minhas postagens mais sofridas, nas datas que mais me lembram da Carol,
mensagens de amigos, e até mesmos de pessoas anônimas para mim, que só conheço
pelas redes sociais, e foram e têm sido fundamentais para a recomposição de meu
caminho. São, seguramente, estímulos para a superação das adversidades e me
ajudam a viver a vida como expressado na filosofia antiga, nessa loucura do
mundo moderno.
Isso nos dá também a convicção de
que a solidariedade só precisa ser praticada, porque muito embora tenhamos a
sensação de que vivemos em um mundo cruel, as pessoas, em sua maioria, têm sim,
sensibilidade e expressam ainda isso de várias formas. O velho altruísmo que
salvou a espécie humana em épocas primitivas permanece, ainda que hibernado
pelos tempos individualistas como resquícios do neoliberalismo, e do próprio
capitalismo. Mas em certos momentos ele se manifesta e desperta o lado sensível
dos indivíduos, homens e mulheres. Talvez nesses últimos anos, além dessa
palavra, uma outra devesse ser mais analisada, e mais do que isso, o que ela
representa devesse ser aplicado: alteridade.
Em tempos marcados pela intolerância, resgatar o altruísmo e aplicar mais
alteridades em nossas relações, certamente nos ajudará a construir uma força
capaz de refazer nosso mundo. Não vai ser fácil.
2016 foi, mais uma vez, um ano de
superação. Sempre envolto nas leituras geopolíticas, que me ajudam a
interpretar o mundo, e a nossa situação específica, no caso do Brasil, segui
repensando os comportamentos que me acompanharam por vários anos. Por vezes um choque, uma tragédia, em nossas
vidas, torna-se capaz de nos fazer parar para refletir. Tendo não mudar minha
personalidade, diante das adversidades e das cargas negativas que nos cercam,
alimentadas por uma mídia insana.
Procuro sempre seguir sendo eu mesmo, um pouco melhor da minha
“ranzizesse” privada, apesar de mais velho. Todos nós temos nossos defeitos que
cada um de nós possui e compõe a nossa personalidade, obviamente junto com as
nossas qualidades. Mas adquiri uma capacidade maior de compreender os dramas e
fragilidades da vida humana. Até pela acumulação de conhecimentos que busquei
no estoicismo, somando-os à minha visão de mundo, baseada na dialética
materialista e pela experiência adquirida da vida. E, pela minha pesquisa que
desenvolvo desde 1992, com o contato com o povo simples, humilde e hospitaleiro
do Sul do Pará e Norte do Tocantins, na região que ficou conhecida pela
Guerrilha do Araguaia e pelos conflitos terríveis na luta pela terra.
Não sou partidário de princípios
doutrinários, segundo os quais o sacrifício é um fator essencial para que o
sentimento humano se realize. Não temos que, necessariamente, buscarmos o
sofrimento a fim de termos nossos “pecados” expiados. Mas é inegável que ele
nos trás um choque de uma realidade da qual não esperamos experimentar.
Construímos nossos mundos (assim como nossos deuses) de acordo com o que
queremos, e esquecemos que não podemos querer aquilo que é inusitado,
ocasional. O inevitável pode nos trazer surpresas para as quais não nos
preparamos, e da fragilidade de uma vida aparentemente perfeita, desfazem-se
sonhos e ilusões de futuros construídos quase que moldados por fantasias que
nos são impostas por mecanismos exteriores à nossa vontade.
Converso com minha companheira,
Celma, sob óticas diferentes de ver a vida. Ela, sempre otimista, construiu
toda a sua resistência à tragédia que nos abateu, buscando espiritualmente
forças que traduzisse sentimentos de solidariedade e de um pensar positivo que
vê ao longe, além do momento em que estamos, e constrói positivamente um futuro
de esperança. Assim ela vai lidando com os projetos que o Instituto Ana Carol
tem construído e, principalmente o que já se tornou uma realidade consistente,
a Bordana, Cooperativa de Bordadeiras a consolidar essas certezas construídas
com o olhar para adiante.
Não tento desconstruir os sonhos,
mas parto de outra perspectiva. A de que o que imaginamos ser a construção de um
futuro nada mais é do que a realização do presente. Dialeticamente, ele vai
sendo tecido, e termina por concretizar algo que foi pensado. Mas o que seria
desse “futuro” se no presente não tivéssemos construído as bases das mudanças?
Ademais, não há futuro, pois o que idealizamos como sendo isso, ao imaginarmos
tê-lo construído, ele já se torna presente. E, como o tempo não para, em
frações de segundos já se torna passado.
Digo isso para afirmar que são as
realizações do presente que possibilitam aos nossos pensamentos se
concretizarem. Contudo, nada do que se constrói hoje, ou do que se imagina
construir, está livre do acaso. Mas, como não podemos ficar pensando no acaso,
assim como não faz sentido a obsessão pela morte, devemos pensar sempre em
viver toda a intensidade do presente. Abstraindo o egoísmo e o individualismo,
logicamente. Afinal, a nossa vida não se realiza isoladamente. E,
principalmente, procurarmos viver cultivando a honestidade e a solidariedade.
Assim, 2017 se construirá a cada
dia. Por isso, a mensagem que quero passar é a de que cada ano novo só se
completa em seu final, até lá ele simplesmente é a somatória de dias, semanas e
meses. E cada um de seus dias, deve ser vivido em seu tempo, na duração que lhe
foi dada por essa espetacular e indecifrável condição que adjetivamos como
vida. E, ao final, ele soma-se à nossa própria história.
Então, não nos basta pensar no ano
de 2017. E sim na construção dele, a partir da vivência ativa e intensiva de
cada dia, separadamente. Viver um dia por vez, ao invés de nos perdermos em
angústias e desesperos do que fazer depois de amanhã. Isso parece óbvio, mas
estranhamente não é visto dessa maneira.
Mas alguns dirão que isso é utopia.
Que é ilusão se imaginar preso apenas ao que acontecerá a cada dia, na medida
em que isso acarreta um efeito em sequência e, seguindo a própria lógica da
vida, impõe naturalmente o pensamento no que se seguirá.
Isso também é verdade. Mas aí
reside a beleza, a incógnita e o segredo da dialética. A vida em sua mais
perfeita contradição. Pela qual não conseguimos jamais compreendê-la por
completo, nem vivê-la a cada momento. Pois que ela nada mais é do que uma
tridimensionalidade que nos cerca: vivemos o presente, a partir de coisas que
construímos do passado e que seguiremos levando adiante, naquilo que se traduz
como o futuro.
Que 2017 seja assim, então, para
cada um de nós. Cheio de saúde, alegria, amor e fraternidade. Que a
solidariedade jamais deixe de estar conosco cotidianamente, por mais que
tenhamos em nossas ideologias o sentimento de que tudo que está aí deve ser
mudado na construção de um mundo novo.
Tudo bem. Mas as pessoas que vivem
a sofrer, por uma condição de sujeição à lógica irracional deste mundo, têm
direito a superar seus sofrimentos. Não devemos esperar as pessoas morrerem na
miséria para tomar isso como exemplo de que o sistema é injusto. Devemos
condená-lo, mas salvando as pessoas... e não somente as matas, as árvores, os
animais. Somos nós, seres humanos, que damos sentido a este mundo. Embora
contraditoriamente sejamos nós também os responsáveis pela aceleração de sua
destruição. Enfim, devemos lutar pela vida. “Hay que endurecerse, pero sin
perder la ternura jamás” (Che).
Que 2017 inspire solidariedade,
amizade e amor. Que construamos um novo mundo a partir de nossos próprios
exemplos. Que não nos limitemos à crítica, pela crítica, mas que apresentemos
alternativas concretas para realizarmos o sonho das pessoas viverem seus
presentes com dignidade. E façamos isso também com nós mesmos. Que consigamos
viver intensamente cada dia, cada momento, e nos coloquemos um desafio: de a
cada dia que conseguirmos superar, aumentar o número de amigos e amigas que nos
cercam. E os entendamos em suas peculiaridades, sem necessariamente compactuar
com comportamentos agressivos, intolerantes, preconceituosos. Isso desfaz
amizades, são inaceitáveis, ignora a alteridade, destrói-se o altruísmo e
brutaliza as relações humanas. São comportamentos que devem ser combatidos, a
fim de construirmos um mundo novo. Sim, acredito que um outro mundo é possível.
Certamente os desafios que temos
pela frente não são fáceis. O novo ano não será fruto do que do que
imaginávamos construir positivamente em 2016 e no ano anterior. Algumas coisas,
necessárias para muda-los, fogem, ao nosso alcance. Mas devemos lutar, sempre,
acreditando que a vida pode ser vivida de forma plena, sem esquecer que não
vivemos sós e que os muros não nos protegem, simplesmente escondem uma
realidade que nos oprime, que precisa mudar, mas da qual é impossível fugir.
Essa vontade de lutar, que,
particularmente, pude recompor nesses últimos anos, deve estar imbuída do
sentimento de que a transformação deve ser coletiva. Pensar somente em mim, não
vai ajudar a construir o mundo melhor e mais solidário. Meu tempo de vida não é
longo, o de nenhum de nós é, comparando-se ao tempo da história humana, e mais
do que isso, se compararmos ao tempo de existência da terra. Portanto, se temos
que lutar por algo que valha a pena, que isso se traduza em uma conquista que
seja plena para a humanidade. Ao contrário do que se possa pensar, e é assim
que vejo, isso não se contradiz com o lema que sugeri lá atrás. Carpe Diem!
Significa que devemos aproveitar o momento, confiar o mínimo possível no
amanhã, mas o que proponho na junção desses dois desejos é, ao mesmo tempo em
que lutamos por um mundo melhor, viver a vida com serenidade, desprendimento,
vivacidade e compreensão. Se queremos aproveitar cada momento, podemos também
plantar sementes daquilo que imaginamos ser o melhor, para cada um de nós,
individualmente, e para todos e todas coletivamente.
Quem sabe assim atingiremos nosso
objetivo de inventar um 2017 que corresponda ao que desejamos.
Mas, além disso, construir um futuro que possa refletir o presente que
idealizamos.
E o façamos tornar-se realidade.
Feliz 2017!! Um brinde à construção
de um mundo novo. “Sonhos, acredite neles, com a condição de realizar
escrupulosamente a nossa fantasia” (Lenin).
Carpe Diem!
“Tu
ne quaesieris, scire nefas, quem mihi, quem tibi finem di dederint, Leuconoe,
nec Babylonios temptaris numeros. ut melius, quidquid erit, pati. seu pluris
hiemes seu tribuit Iuppiter ultimam, quae nunc oppositis debilitat pumicibus
mare Tyrrhenum: sapias, vina liques et spatio brevi spem longam reseces. dum
loquimur, fugerit invida aetas: carpe diem quam minimum credula postero”.
“Tu não procures - não é lícito
saber - qual sorte a mim qual a ti os deuses tenham dado, Leuconoe, e as
cabalas babiloneses não investigues. Quão melhor é viver aquilo que será, sejam
muitos os invernos que Júpiter te atribuiu, ou seja o último este, que contra a
rocha extenua o Tirreno: sê sábia, filtra o vinho e encurta a esperança, pois a
vida é breve. Enquanto falamos, terá fugido ávido o tempo: Colhe o instante,
sem confiar no amanhã”.
(*) A idéia central desse texto eu
construí no final de 2011. Adaptei-o já por diversas vezes em algumas partes, e o faço mais uma vez para torná-lo atual a
mais um momento de transição em nossas vidas. Um feliz ano novo aos leitores e
leitoras do blog Gramática do Mundo e aos meus amigos e amigas do Facebook. Que
possamos continuar lutando pela construção de um mundo melhor. E que em
2017 possamos avançar muito nessa direção. Um forte abraço.
Também, acredito que um outro mundo é possível.
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