Allepo, Síria - Numa guerra
fomentada pelo Ocidente (leia-se EUA), a grande mídia mostra a destruição e
imagens de crianças e mulheres atingidas pelos bombardeios. A guerra é cruel,
perversa. Mas a manipulação da informação que circula pelo mundo é revoltante
para quem acompanha essas histórias. Os que reagem ao cerco quase final, e
fatal, à cidade são chamados de “Rebeldes”, em luta contra o “ditador” Bashar
Al-Assad. Mas nada se diz da euforia que tomou conta de muitos moradores com a
ocupação da cidade pelas tropas sírias, apoiadas pela Rússia e pelo Irã.
Mosul, Iraque - Em outra guerra (ou
quase que a mesma), consequência da insanidade ocidental (leia-se EUA e
aliados), o que vemos são imagens de combates, a partir da ação de soldados
iraquianos e curdos, com apoio dos Estados Unidos. Aqui, os que reagem ao
cerco, também quase fatal, e final, são chamados de “Terroristas”, e a retomada
da cidade significa uma vitória da liberdade. Neste caso, as notícias são de
que as pessoas que vivem na cidade são transformadas em escudos humanos.
Aleppo, antes e depois da guerra.1 |
Em Aleppo ou em Mosul a realidade é
fruto da disputa política. Da grande política, do controle pelo poder
hegemônico em regiões estratégicas do mundo. São guerras fomentadas por
Estados-Nação e corporações que disputam riquezas e territórios, e as vidas
humanas não são objetos de preocupação quando elas são estimuladas e
financiadas, instigando grupos radicais para desestabilizar governos. Ao final,
para direcionar a opinião pública, imagens são distorcidas e a verdade omitida
ou alterada, escondendo-se as reais razões da destruição de países e das
centenas de milhares de mortes que se espalham em meios aos escombros e afetam,
numa característica da guerra moderna, principalmente a população civil.
Militantes do Estado Islâmico preparam-se para o cerco em Mosul |
Pessoas comemoram a retomada de Aleppo |
Em Mosul ou em Aleppo a crueldade
faz parte da radicalidade gerada pelo conflito. Representa a derrota da
política, chegada a um ponto extremo, onde as forças antagônicas desejam
assumir controle com objetivo de controlar o poder. Por um lado a manutenção
desse poder nas mãos de um mesmo grupo por muitas décadas, de outro uma insurgência
insuflada por interesses ocidentais, visando o domínio de uma região
estratégica e, ao mesmo tempo, impor derrota à Rússia, há décadas aliada do
governo sírio, onde existe a única base militar que esse país detém com acesso
ao mar Mediterrâneo.
Fila de ônibus aguardam para retirar civis de Aleppo |
A existência de interesses por trás
de quem controla a informação, os oligopólios que transmitem suas “verdades”,
através de notícias e imagens manipuladas, termina por consolidar versões que
não representam, necessariamente, a origem dos fatos, nem mesmo a própria
realidade deles. Até porque, se for à origem, ver-se-á que toda a situação de
caos existente no Oriente Médio, com a destruição de diversos países (Líbia,
Síria, Iraque, Iêmen...), praticamente com alguns entregues ao domínio de
milícias que receberam o apoio para destituir governos, e que atualmente são
caracterizadas como terroristas, são decorrentes de ações inescrupulosas que
desdenham de resultados perversos para as pessoas que ficam em meio a essas
disputas, pagando com suas vidas a obsessão de governos ocidentais que visam
controlar esses países e suas riquezas petrolíferas. O resultado dessa
perversão é o caos, a fragmentação de estados, a migração massiva e o genocídio
de populações.
Atentado em 2012 ao consulado dos EUA |
A guerra é consequência da
incapacidade de se resolver problemas políticos por meio de acordos e tratados
ou porque não há interesses nisso, já que os objetivos são geopolíticos e
incompatíveis entre os Estados em disputa. Nas situações em curso, que se
estendem por mais de uma década, desde que os EUA iniciaram sua “guerra ao
terror”, a tentativa claramente analisada em obras portentosas que devem ser
lidas com atenção, escritas por Moniz Bandeira e Jeremy Scahill,[1]
dentre tantos, visava destruir governos incômodos a esses país e seus aliados.
As consequências tem sido funestas, absolutamente marcadas pela insensatez, que,
aliás, levou à queda da ex-Secretária de Estado do governo estadunidense, Hilary
Clinton, responsabilizada por boa parte dessas ações desastrosas, bem como da
morte do embaixador daquele país na Líbia (retratado com os formatos
tradicionais de Hollywood, no filme “13
horas: os soldados secretos de Benghazi”). Seguramente isso foi também
determinante para sua derrota nas últimas eleições, superada por um falastrão,
sem nenhuma presença na política até então, o ultraconservador Donald Trump.
Soldados iraquianos no cerco à Mosul |
Não há o que defender numa guerra.
A própria tensão que ela cria brutaliza seus participantes, e os transformam em
máquinas de matar. Poucos conseguem agir de forma racional, mas depende muito
do tempo em que permanecerá no front
de batalha. Em um caso e no outro, certamente ações irracionais, crimes de
guerras e descontrole, ocorrem frequentemente. Seguramente alguns atos heroicos
podem ser destacados. Mas é preciso conhecer primeiro o que está por trás dessa
guerra, depois as dificuldades em se estabelecer acordos de paz quando há
interesses muito grandes a insuflar o conflito. E não se pode jamais esquecer
quais foram as verdadeiras razões e em que condições muitas dessas guerras
tiveram início. Isso é uma condição sine
qua non, para entendermos porque se tornam tão difícil os acertos finais
para botar fim aos combates.
Tropas Sírias avançando sobre Aleppo |
Por fim, todo o desequilíbrio que
têm afetado o Oriente Médio decorre de uma estratégia definida para derrubar os
governos de diversos países na região. A política de regime change, implementada pelos EUA, com o intuito de
desestabilizar econômica ou politicamente esses países, cujos governantes já
não atendiam mais a seus interesses hegemônicos, cujos resultados levaram
equivocadamente a ser denominada “primavera árabe”, representou uma tentativa
de alteração da forma de agir, não mais com intervenções militares, mas
desestabilizando os países, financiando e armando grupos oponentes, não se
importando com as consequências disso. Al Qaeda, Al Shaabab, Al Nusra, ISIS
(Estado Islâmico do Iraque e do Levante), Boko Haram, surgiram direta ou
indiretamente como consequência desse tipo de estratégia, ou de erros graves
cometidos por tropas ocidentais ao tentarem agir unilateralmente sobre
conflitos locais.
Rebeldes sírios se protegem dos ataques em Aleppo |
A guerra da Síria tornou-se
bastante emblemática, porque desde o início o governo de Bashar Al-Assad contou
com o apoio da Rússia. Agindo em duas frentes que lhe contrapunha, o presidente
Putin desfechou golpes diretos e ousados, na Ucrânia e na Síria. Em uma, intervindo
por meio de grupos pró-Rússia e assumindo controle da Criméia, bloqueando os
objetivos da OTAN/EUA de assumirem o controle total daquele país e isolarem a Rússia.
Em outra, no caso mais emblemático que era a Síria, assumindo com força o papel
de protagonista no combate mais eficaz contra o Estado Islâmico, chegando à
beira de um conflito com a Turquia, cujo governo de Erdogan fazia jogo duplo,
inclusive comprando petróleo desse grupo.
Tropas iraquianas preparam o cerco à Mosul |
Na impossibilidade de acordo,
tentado por diversas vezes por iniciativa do presidente russo, prevaleceu, como
sempre nesses casos, a guerra total. Primeiramente os alvos foram os
combatentes do Estado Islâmico. Atacados pelo alto com bombardeios russos e por
terra pela ação de tropas iranianas, do Hesbolah e dos curdos. Depois, os
rebeldes, aliados do ocidente foram encurralados na cidade de Allepo, dispostos
a resistirem rua por rua, da mesma foram que o ISIS jurou também fazer na
cidade de Mosul, cujo desfecho final ainda não aconteceu.
O resultado não poderia ser pior
para a população civil. A cidade de Aleppo, completamente destruída, neste
momento em que escrevo, está praticamente tomada pelas tropas pró-Síria, que
retoma assim o controle. Os acordos finais são para garantir a retirada dos
combatentes rebeldes e de parte da população que desejar lhes acompanhar. De
uma cidade com um dos maiores índices de desenvolvimento humano na região,
assim como acontecia em parte da Líbia, e de uma população de mais de dois
milhões de habitantes, hoje o que restam são escombros por toda a parte. A
insanidade da guerra, os sujos interesses que a movem, resulta em destruição e
mortes. A cidade será reconstruída, e beneficiará os lados vencedores, cujas
corporações estarão incorporadas no objetivo de a reconstruírem, e lucrarem com
isso. Já as vidas perdidas, essas não retornarão, assim como boa parte daqueles
que optaram por sair da cidade e atravessarem o mediterrâneo em direção à
Europa, por enquanto segura.
Assassinato do embaixador russo na Turquia |
Enfim, houve intencionalidade em
toda essa loucura. Ao fim, para completar a gravidade do conflito, que, apesar do cerco à Mosul e da tomada de Aleppo pelo governo Sírio, não significa que está acabando, chega a notícia, quando finalizo este artigo, do assassinato do embaixador russo, Andrei Karlov, na Turquia. Tudo indica que em vingança á ação em Aleppo. O atentado teria sido praticado por um membro da polícia turca, que foi morto logo em seguida. São situações que não tem fim, foram criadas com objetivos geopolíticos, e tornarão ainda o mundo bastante inseguro. As reações a mais esse atentado sinalizam para a radicalização e o espectro de guerra total tende a se espalhar por diversas direções.
[1]
BANDEIRA, Luiz Alberto. A Segunda Guerra
Fria. Geopolítica e dimensão estratégica dos Estados Unidos. Rio de
Janeiro: Civilização Brasileira, 2013
BANDEIRA, Luiz Alberto. A Desordem mundial. O espectro da total dominação. Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 2016.
SCAHILL, Jeremy. As
Guerras sujas. O mundo é um campo de batalha. São Paulo: Companhia das
Letras, 2014.
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