DE
DOIS CAMINHOS: UM DELES PODE SER A REDENÇÃO DO FASCISMO.
Na semana que passou participei de um
debate sobre a crise brasileira. O evento aconteceu na Universidade Federal de
Goiás, convocado pelas entidades que representam professores, servidores
técnicos administrativos e pós-graduandos. É evidente a necessidade de discutirmos
a situação em que o Brasil está vivendo, a Universidade não pode se omitir
diante de uma realidade que é absolutamente crítica e preocupante para os rumos
democráticos e garantia das conquistas sociais. Mas, o que poderíamos esperar
de uma discussão a essa altura da crise? Aí entra minha divergência quanto ao
que seria essencial ser discutido e ao que foi priorizado nas intervenções, com
poucas exceções.
De antemão digo que me senti
contemplado por boa parte do que foi dito em termos de análise sobre as origens
da crise e os erros cometidos pelos governos do PT, principalmente nos últimos
anos do governo Dilma. Mas o que me preocupa e me angustia é o tempo. A ausência
da perspectiva sobre o que estamos, de fato, precisando abordar, diante das circunstâncias
em que vivemos, e uma certa ingenuidade de alguns “críticos éticos”, que não
tem a percepção de compreender que estamos diante de um ambiente fértil para o
fortalecimento de uma direita fascista aqui no Brasil, como nunca aconteceu
antes.
Analisar as condições pelas quais
chegamos ao ponto em que estamos é absolutamente necessário. Somente assim os
erros serão evitados mais adiante. Mas a minha crítica é exatamente ao fato de
não estarmos fazendo isso há muito tempo. A Universidade entrou numa rotina
onde as discussões estão quase completamente vinculadas a abordagens relativas
aos projetos e grupos de pesquisas nos quais os professores estão envolvidos. Fizemos
da universidade um ambiente absolutamente burocrático, cordato e apegado às
exigências capesianas. E, além de tudo, firmemente ancorado pelas regras
neoliberais impostas pelas agências de avaliação, ou de rankings,
internacionais. Contudo, não vou entrar aqui nessa polêmica. Não é esse o
objetivo do artigo.
Mas, o que desejo é provocar uma
discussão que seja mais centrada na realidade concreta, sem abstrações ou
diletantismos. Conhecemos o passado, nossos presságios não são meros
devaneios, estão fundamentados na nossa história. Estamos diante de uma
realidade em que só nos restam duas opções, no que se fere à escolha; e duas
alternativas quanto às consequências das decisões que estão prestes a ser
tomadas.
Em primeiro lugar, e o maniqueísmo
não foi criado pelos que defendem a democracia e a legalidade, mas sim por quem
deseja aplicar um golpe de estado, só há dois lados nessa história desse tempo
presente. Buscar nos erros do governo uma justificativa para dizer que tudo
isso que estamos vivendo é consequência desses equívocos, é de um absoluto erro
estratégico. E não garante a esse analista a condição de isento, mas de
confundir toda a confusão já armada por uma mídia que há anos, em sintonia com
o que acontece em outros países, procurara desgastar ao máximo os governos
Lula e Dilma, e, mais do que isso, a criminaliza-los. Como se procurou fazer
com Hugo Chavez, Cristina Kischner e Evo Morales, aqui na América Latina. A
direita sempre seguiu a reboque de uma estrutura midiática que se constituiu na
mais forte organização direitista a fazer oposição aqui e alhures.
Em segundo lugar, somente duas
alternativas estão postas neste momento: a defesa dos preceitos democráticos e
legais nos respeitos constitucionais e nas garantias do Estado de direito; ou a
ânsia de derrubar um governo legitimamente eleito, por mecanismos casuísticos,
muito comum no ocaso da ditadura militar. O mesmo que inventou os “senadores
biônicos” para não perder maioria no Senado, depois de uma eleição em que levou
uma surra homérica.
É, portanto, com base nesses dois
cenários que devemos, neste momento, travar nossas discussões e pensar em
estratégias que nos garantam a defesa de nossas conquistas garantidas a partir
do começo deste século, desde o primeiro governo Lula. Me refiro,
especificamente, ao que as universidades brasileiras conseguiram acumular por
esses anos, após uma situação de mendicância como decorrência da absoluta falta
de recursos nos governos anteriores nos malfadados tempos dos governos de FHC.
Não se trata, simplesmente de salvar
um governo ou um partido, como de forma manipulatória a grande mídia tem
procurado transmitir. A nossa preocupação e luta deve ser no sentido de
preservarmos o que conquistamos em termos de melhorias, expansão e
investimentos, tanto nas universidades como nos Institutos Federais. Mas, é
evidente, e democrático, que devemos também, após isso, cobrar uma correção nos
rumos do atual governo, e exigir que o Congresso Nacional garanta a
governabilidade, ao invés de ficar obcecado em aplicar golpes para alavancar
personagens que estão, esses sim, à beira de serem cassados por crimes de
corrupção.
Não há dúvidas quanto aos avanços
obtidos por todos esses anos. A Universidade brasileira avançou muitos degraus
nesses 14 anos, e é incomparavelmente melhor do que estava nos finais dos anos
1990, praticamente à beira da privatização.
No cenário de um possível
impeachment, não precisamos ter nenhuma dúvida sobre qual será a política adotada nas
universidades brasileiras, absolutamente oposta ao que tem sido feito nos últimos anos, tanto
nas questões da expansão, do financiamento e nas políticas de inclusão social.
Sabemos muito bem o perfil daqueles que estão por trás do impeachment da
presidenta Dilma e de seus projetos, não somente em intenções, mas em práticas
aplicadas nos governos FHC e em diversos governos estaduais.
Na impossibilidade de o golpe não se
concretizar, viveremos sob dois fogos. De um lado, a necessidade de aproveitar
uma necessária mobilização para barrar os cortes que estão sendo implementados
no governo Dilma, como consequência de um real endividamento do estado, e
garantir que os investimentos sejam suficientes para manter os avanços obtidos.
De outro lado, a verdadeira queda de braço que se seguirá em um ambiente
político fraturado, que exigirá um esforço para garantir que a ordem democrática
e institucional não seja quebrada, por meio de tentativas de desestabilizar o
país e impedir qualquer recuperação de nossa economia, a fim de manter o
governo Dilma nas cordas.
Por isso, antes de tudo, o que devemos estar
discutindo é o processo político em que estamos vivendo, em muito similar à
situação pré-1964, com a diferença de que não existe mobilização de tropas, mas
temos, muito mais do que naquela época, o surgimento de setores civis
fortemente sectarizados e abertamente defensores de práticas intolerantes e
comportamentos fascistas, com ataques e agressões aos que divergem ou que
representam partidos de esquerda, bem ao estilo do que aconteceu nas origens do
nazi-fascismo.
Não é admissível que na universidade,
neste momento, setores progressistas percam tempo com atitudes de julgadores
dos equívocos cometidos pelo governo Dilma, a fim de demonstrar uma pretensa
isenção, e fechem os olhos à uma realidade que está diante de nossos olhos,
porque é absolutamente escancarado, a tentativa golpista de implementar um
golpe de estado manipulando a massa levando-a a acreditar que se trata de depor
a presidenta como consequência de apurações de corrupção, e não por razões
fúteis sem consistências jurídicas, das chamadas “pedaladas fiscais”, pelas
quais cerca de 16 governadores deveriam, então, ser também depostos. Sem contar
que se trata de uma prática cometida por, pelo menos três outros presidentes
anteriores à Dilma.
Tem sido comum ouvir de gente séria,
e absolutamente opostas às ideias direitistas, a dificuldade que sentem em
defender o governo, e, na linha do que tem dito alguns dos que debatem esse
tema, julgam que essa situação foi causada pelo próprio governo, em função de
suas incompetências ou de adotar políticas que o afastaram da linha
programática apresentada durante a campanha eleitoral.
Ora, isso, por mais que seja uma
leitura correta das circunstâncias que nos trouxeram até este momento,
significa lavar as mãos para as consequências que advirão de uma possível
quebra de normalidade democrática, e uma conivência com toda a guerrilha
midiática em curso, pela qual já se formou juízos, sem julgamentos, sobre
comportamentos de diversas personalidades políticas, inclusive da presidenta,
embora sobre ela não pese nenhuma acusação que a pudesse transformar ré em qualquer
processo que justificasse sua cassação.
Nesse momento, não se pode fechar os
olhos a um movimento de radicalização das posições ideológicas, numa cruenta
luta de classes, mas que joga setores da população mais pobres nessa onda, em
decorrência de uma crise econômica que é sistêmica e da manipulação das
informações. O que virá, e que já tem sido visto, embora ainda em pequena
escala, será uma exacerbação da intolerância e a tentativa de destruir partidos
e agredir quem ouse pensar diferente daquilo que está se tornando uma doutrina
moralista, que pune não pelo fato de se cometer crime, mas por se pensar contra
os preceitos elitistas e reacionários.
As “verdades”, que assim se tornaram
repetidamente entoadas pela mídia, são cortinas de fumaça para encobrir o real
objetivo em curso, da tomada de poder por meios outros que não aquele
determinado constitucionalmente, dentro de processos eleitorais legítimos. Para
que isso seja feito com o apoio das massas populares requer a construção de
verdadeiras ladainhas, de massificação fascista de informações confusas
direcionadas para, pela dúvida, exprimir julgamentos coletivos, e seletivos, em
meio a uma cegueira que impede as pessoas de saberem distinguir o que é
denúncia, muitas vezes não comprovadas e condenações, advindas de apresentações
de provas e de finalização do devido processo legal.
Mas o que se vê é a repetição de
práticas nazi-fascistas com os mesmos instrumentos propagandísticos adotados
para dominar e controlar a multidão. Ora, o que fez com que Adolf Hitler
tivesse uma ascensão tão poderosa, ancorada na aceitação popular da necessidade
de um justiceiro a julgar e condenar impiedosamente aqueles que supostamente
conspiravam contra a Alemanha? Nada mais do que a massificação de informações
deturpadas, escoradas em preconceitos, xenofobia e intolerância política e
religiosa. Tudo isso com um suporte ideológico com pilares éticos e morais
pelos quais boa parte das pessoas seguiam cegamente, conduzidos por dogmas e
valores questionáveis racionalmente, mas premidos pela agressividade do
comportamento condenatório e do efeito “manada” que essas ações conduzem e
intimidam.
Assistimos a história não ser
repetida, porque vivemos uma época temporalmente diferente, mas transformada em
uma tragédia farsesca, com personagens bufões, que se julgam líderes de uma
época moralmente questionável, porque estamos diante de uma transição onde o
sistema cujas redes estão entrelaçadas simplesmente faliu, tornou-se insuportável
até mesmo pelos próprios regimes políticos que lhes dão sustentação. A classe
economicamente dominante não tem saída, diante da tragédia que se tornou a
estrutura capitalista. Só pode tentar se manter com o poder mediante a
destruição de valores que lhes são antagônicos, e procura, pelos erros
cometidos por quem deveria seguir por outro caminho, aniquilar uma alternativa
a uma ausência de direção de uma forma de produção que não consegue se
desvencilhar de suas próprias armadilhas.
Estamos, pois, em uma encruzilhada,
onde não é possível seguir por dois caminhos. Somente um deve ser a escolha que
nos conduzirá para encontrar novos mecanismos de transformações sociais e de
resgatar heranças usurpadas por conquistadores, colonizadores e formadores de
uma elite perversa e gananciosa. O outro caminho, nos leva de volta para o
passado, e, consequentemente, em direção ao abismo. Significará a redenção do fascismo.
Qual caminho a universidade seguirá
nessa encruzilhada?
Utilizarei o texto (assim como sempre faço) para as discussões em sala de aula. Obrigado professor Romualdo!
ResponderExcluir