A Pátria educadora está
em crise. Inegável. Por um lado superdimensionada pela mídia, que há cerca de
um ano repete incessantemente informações negativas, mesmo quando em algum
momento existam notícias positivas. De outro lado, contudo, uma verdadeira
carreta descontrolada desce ladeira abaixo, sem freio, atropelando indiferente
aquele que a negue. Me desculpem a ironia (ou a heresia) no uso de uma
paráfrase a partir de um trecho da música de Chico Buarque e Pablo Milanez.[1]
Seria cômico, se não fosse trágico. Neste caso, da crise política, apimentada
pela interminável investigação da Operação Lava Jato, que tende a piorar quando
começar a prisão de alguns políticos.
Quando falo dimensionada,
me refiro, primeiro, ao fato de que existe uma crise econômica, sistêmica, e de
uma situação de absoluto descontrole fiscal, decorrente de descompasso entre arrecadação
e gastos do estado brasileiro. Um problema de governança das suas finanças.
Contudo, estamos longe da situação econômica, que levou o país praticamente à
bancarrota, “salvo” mediante uma intervenção do Fundo Monetário Internacional,
após três empréstimos para cobrir os rombos de um Estado praticamente falido,
com um endividamento externo enorme e que cresceu na medida em que se tornou
necessário recorrer aos empréstimos do FMI. Falido, sem fundos de reserva,
passamos a ser geridos pelas políticas impositivas neoliberais. Para saldar
partes desses empréstimos o país entrou numa onda de privatizações,
acompanhadas de muitos enriquecimentos ilícitos daqueles que estiveram por trás
desse processo.
Estamos bem longe disso. Embora,
como dantes, a corrupção tenha se mantido, crônica e sistêmica, seguindo-se o
pecado original colonial. Mas o país possui em um endividamento interno que
corresponde a pouco mais de 60% do PIB, enquanto alguns países europeus já ultrapassaram
os 100%, com alguns chegando a 130%. As reservas internacionais brasileiras em
dólares passam da casa das três centenas de bilhões,[2]
marca ultrapassada neste mês de agosto, em meio à “intensa crise”. O Brasil é o
quarto maior credor da dívida pública estadunidense, só superado por China,
Japão e Bélgica. A soma de dólares que o Brasil tem aplicado em títulos da
dívida daquele país ultrapassa os 200 bilhões de dólares.
Mas não vou me estender
na citação de dados sobre como há um descompasso entre o que se diz da “crise”,
e o que há de fato. Claro que não desconsidero uma realidade de uma crise
sistêmica internacional, que empurra todos os países ao endividamento e coloca
o crescimento de seus PIBs ao nível de zero, quando muito chegando a 1%. Já nem
vale mais citar Espanha, Portugal, Itália e a Grécia. Esses agora estão,
segundo a mídia, na lista dos que estão se “recuperando”. Pura falácia. Estão
em uma nova etapa da crise, submetidos a remédios dolorosos impostos pela “troika”
europeia, baseado em arrocho fiscal, salarial e cortes em benefícios sociais.
Essa
introdução, no entanto, se torna importante, principalmente depois de termos
realizado uma assembleia de professores da UFG, uma das mais representativas
dos últimos anos. Reafirmamos por uma maioria visível, sem a necessidade de
contagem dos votos, a necessidade de mantermos uma greve, recém-iniciada.
Contudo, uma sucessão de intervenções de professores que se opunham ao
movimento grevista, claro em seus direitos de se manifestarem assim, tinham
como foco a crise do governo federal, e o argumento de que não é possível
entrar em um movimento grevista em um momento de enorme fragilidade do governo
federal.
Não
nego, em absoluto, a difícil situação em que vive o governo federal, acossado
por um tresloucado direitista que está no comando da Câmara dos Deputados e um
séquito de oportunistas, uma oposição que não aceita o resultado das urnas e
pretende, pelo golpe institucional, como ocorrido em Honduras e no Paraguai, e
tentado na Venezuela e Bolívia, tomar o poder. E por uma mídia que há muito se
tornou a principal organização que antagoniza o governo federal, assumido
publicamente pela própria presidente da Associação Nacional dos Jornais (ANJ),
ainda no ano de 2010.[3]
Foi uma senha para que praticamente todos os grandes veículos de comunicação do
país passasse a sistematicamente fustigar o governo federal.
Discordo
quando, no entanto, essa situação seja apresentada como um empecilho para
travarmos uma luta e termos perspectiva de mudar uma proposta, absolutamente
inaceitável, apresentada pelo Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão,
diante de uma inflação que só neste ano irá corroer mais do que ele pretende nos
oferecer para o próximo ano. Evidentemente que há contradições em nossa
carreira. O degrau do Adjunto IV pra Associado I, gerou uma enorme disparidade,
uma diferença que supera a de Associado IV para Titular. Com isso, deixa em uma
zona de conforto quem está em vias de passar para Associado, ou quem porventura
acabou de deixar de ser Adjunto IV. Isso, por si só, independente do percentual
de reajuste proposto, cria uma diferença que se reflete no ânimo de uma parte
dos professores. Além daqueles que, naturalmente e democraticamente, divergem
da necessidade de haver greve na universidade como forma de pressão. Esses,
consideram inócuos esses movimentos.
Aqui
eu quero pontuar algumas divergências em relação à essa interpretação. Mas devo
primeiro dizer porque fui contra a greve em 2012 e porque a defendo neste
momento. Ao contrário dos argumentos utilizados para tentar nos convencer da
inutilidade de entrarmos em greve, utilizando uma análise que tenta enxergar na
fragilidade do governo a dificuldade de um possível entendimento que melhore a
proposta salarial que nos é oferecida, penso que é exatamente numa situação de
um governo fraco politicamente que se faz necessário nos unirmos, lutarmos e,
no momento adequado, que julgo ser este, radicalizarmos em uma greve. Outras
categorias estão fazendo isso, os setores conservadores também pressionam o
governo e tentam anular suas ações. Ou mostramos nossa força, ou seremos
esquecidos.
Diferente
da situação de 2012, quando havia disposição do governo para o diálogo, e
estávamos em meio a uma negociação que caminhava para nos ser favorável. Como
de fato o foi. Muito embora eu não negue que a greve naquele momento terminou
por favorecer as negociações. Mas as condições eram outras, e exatamente por
isso vivemos uma situação oposta nos dias de hoje, pelo fato de termos, ao
contrário de outras categorias, obtido um acordo bem mais favorável do que aquele
que lhes foi concedido, e nessa lista incluem os nossos valorosos colegas
servidores técnicos administrativos. Ocorre que nuvem sombrias pairam sobre
nossas cabeças, e os próximos anos serão muito difíceis, pelo arrocho proposto
pelo governo e o descontrole inflacionário que ameaça aquela recomposição. Portanto,
devemos ir até onde pudermos, a fim de pressionarmos por um aumento nesses
índices percentuais propostos.
Também
não desejo, nem devemos, negar os avanços que houve nos últimos doze anos, com
investimentos na educação bem superiores às décadas anteriores. É visível, aos
que estão há mais tempo na universidade, as melhorias que foram obtidas, principalmente
a partir do REUNI. Os problemas da expansão, e da preocupação quantitativista
em detrimento do qualitativo é outra discussão que devemos fazer, mas, creio,
em outro momento.
Mas,
também, ao contrário do que alguns daqueles que defendem a greve disseram, deve
haver, sim, um limite para o nosso movimento. Nossa greve não pode ser aeternum. E ela pode sim, ter um momento
determinado para o seu final. E isso não significa ter data marcada, mas,
simplesmente porque ela se esgotará na medida em que for fechada a mesa de
negociação e, principalmente, acabar o prazo para o governo encaminhar para o
Congresso a Lei de Diretrizes Orçamentárias.
Alguém
poderá argumentar que aí nossa pressão será sobre o Congresso Nacional. Mas
essa seria uma proposta estapafúrdia. Como nos manter em uma greve em que o
governo fecha as negociações e passamos a depender de um Congresso entregue à
disputa visceral com o Palácio do Planalto? Podemos fazer isso sem que haja
greve, e, pelo próprio resultado do que aconteceu com os servidores do
judiciário, sua aprovação não significará a aceitação por parte da presidenta,
e o veto será inevitável. Por isso, acredito que há um limite para o nosso
movimento, e ele se esgotará quando não mais for possível haver espaços para
negociação.
E
não é nenhum demérito dizer isso. O que fazemos com a greve é pressão, e não
motivos para desgastar o governo. O desgaste é consequência dessa e de outras
paralizações e da própria crise na qual o governo se meteu. Cabe a ele, diante do
quadro político vigente, avaliar se terá forças para suportar uma greve de
professores que tende a se ampliar até o final de agosto. A longa duração do
movimento, sem perspectivas, fará com que esse desgaste caia sobre nós.
O
que não podíamos era ficar de braços cruzados diante de uma realidade que se
tornará dolorosa para a maioria de nós a partir do próximo ano. Se é que de
certa medida já não está nos afetando e diminuindo nosso poder de compra.
Principalmente àqueles professores que se encontram em início de carreira, como
adjuntos, e os professores aposentados. A existência de uma cláusula no acordo,
como proposto pelo governo, não é condição de repor nossas perdas, é atirar a
esmo.
Por
isso a greve se fazia necessária. Não podemos aceitar de braços cruzados uma
proposta que sequer repõe as perdas geradas pela inflação, isso vai significar achatamento
salarial e jogará por terra tudo que conquistamos em 2012.
Quanto
ao fato de gerarmos, com isso, um desgaste enorme para a universidade e um
prejuízo aos estudantes, eu precisaria de um espaço semelhante ao que já
escrevi até aqui. Minha visão de universidade eu já expus em dois outros
artigos aqui em meu blog. Na verdade a maioria dos professores se entregam a
uma normalidade dentro de um ambiente que desconsidera os problemas mais
gerais, e alguns procuram fugir deles. Não tenho certeza de que a greve ajude a
discutir isso, penso até que não. Mas não vai ser a paralisação que trará
prejuízos à universidade. Eles já existem nas concepções de universidade e na
opção individual em uma competição imposta pelos critérios que valorizam mais a
pós-graduação.
O
nosso movimento, ao meu ver, não tem por objetivo rediscutir a universidade,
nem mesmo forçar um desgaste do governo. Eu, particularmente, estarei em qualquer
barricada que seja erguida para defender a normalidade democrática e contra as
tentativas de golpes. Mas temos que mostrar nossa insatisfação ao governo com
sua proposta risível de reajuste que nos é oferecido, e tentar forçar que nas
mesas de negociações esse percentual seja aumentado. O que desejamos ainda é
mostrar ao governo que um slogan não pode ser apenas um instrumento de
marketing. Se esse país pretende ser, de fato, uma pátria educadora, não pode
menosprezar a importância que nós professores temos nesse processo. Lutamos por
nossa dignidade.
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