quarta-feira, 5 de agosto de 2015

A PATRIA EDUCADORA, A CRISE E A UNIVERSIDADE

A Pátria educadora está em crise. Inegável. Por um lado superdimensionada pela mídia, que há cerca de um ano repete incessantemente informações negativas, mesmo quando em algum momento existam notícias positivas. De outro lado, contudo, uma verdadeira carreta descontrolada desce ladeira abaixo, sem freio, atropelando indiferente aquele que a negue. Me desculpem a ironia (ou a heresia) no uso de uma paráfrase a partir de um trecho da música de Chico Buarque e Pablo Milanez.[1] Seria cômico, se não fosse trágico. Neste caso, da crise política, apimentada pela interminável investigação da Operação Lava Jato, que tende a piorar quando começar a prisão de alguns políticos.

Quando falo dimensionada, me refiro, primeiro, ao fato de que existe uma crise econômica, sistêmica, e de uma situação de absoluto descontrole fiscal, decorrente de descompasso entre arrecadação e gastos do estado brasileiro. Um problema de governança das suas finanças. Contudo, estamos longe da situação econômica, que levou o país praticamente à bancarrota, “salvo” mediante uma intervenção do Fundo Monetário Internacional, após três empréstimos para cobrir os rombos de um Estado praticamente falido, com um endividamento externo enorme e que cresceu na medida em que se tornou necessário recorrer aos empréstimos do FMI. Falido, sem fundos de reserva, passamos a ser geridos pelas políticas impositivas neoliberais. Para saldar partes desses empréstimos o país entrou numa onda de privatizações, acompanhadas de muitos enriquecimentos ilícitos daqueles que estiveram por trás desse processo.

Estamos bem longe disso. Embora, como dantes, a corrupção tenha se mantido, crônica e sistêmica, seguindo-se o pecado original colonial. Mas o país possui em um endividamento interno que corresponde a pouco mais de 60% do PIB, enquanto alguns países europeus já ultrapassaram os 100%, com alguns chegando a 130%. As reservas internacionais brasileiras em dólares passam da casa das três centenas de bilhões,[2] marca ultrapassada neste mês de agosto, em meio à “intensa crise”. O Brasil é o quarto maior credor da dívida pública estadunidense, só superado por China, Japão e Bélgica. A soma de dólares que o Brasil tem aplicado em títulos da dívida daquele país ultrapassa os 200 bilhões de dólares.

Mas não vou me estender na citação de dados sobre como há um descompasso entre o que se diz da “crise”, e o que há de fato. Claro que não desconsidero uma realidade de uma crise sistêmica internacional, que empurra todos os países ao endividamento e coloca o crescimento de seus PIBs ao nível de zero, quando muito chegando a 1%. Já nem vale mais citar Espanha, Portugal, Itália e a Grécia. Esses agora estão, segundo a mídia, na lista dos que estão se “recuperando”. Pura falácia. Estão em uma nova etapa da crise, submetidos a remédios dolorosos impostos pela “troika” europeia, baseado em arrocho fiscal, salarial e cortes em benefícios sociais.

Essa introdução, no entanto, se torna importante, principalmente depois de termos realizado uma assembleia de professores da UFG, uma das mais representativas dos últimos anos. Reafirmamos por uma maioria visível, sem a necessidade de contagem dos votos, a necessidade de mantermos uma greve, recém-iniciada. Contudo, uma sucessão de intervenções de professores que se opunham ao movimento grevista, claro em seus direitos de se manifestarem assim, tinham como foco a crise do governo federal, e o argumento de que não é possível entrar em um movimento grevista em um momento de enorme fragilidade do governo federal.

Não nego, em absoluto, a difícil situação em que vive o governo federal, acossado por um tresloucado direitista que está no comando da Câmara dos Deputados e um séquito de oportunistas, uma oposição que não aceita o resultado das urnas e pretende, pelo golpe institucional, como ocorrido em Honduras e no Paraguai, e tentado na Venezuela e Bolívia, tomar o poder. E por uma mídia que há muito se tornou a principal organização que antagoniza o governo federal, assumido publicamente pela própria presidente da Associação Nacional dos Jornais (ANJ), ainda no ano de 2010.[3] Foi uma senha para que praticamente todos os grandes veículos de comunicação do país passasse a sistematicamente fustigar o governo federal.

Discordo quando, no entanto, essa situação seja apresentada como um empecilho para travarmos uma luta e termos perspectiva de mudar uma proposta, absolutamente inaceitável, apresentada pelo Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, diante de uma inflação que só neste ano irá corroer mais do que ele pretende nos oferecer para o próximo ano. Evidentemente que há contradições em nossa carreira. O degrau do Adjunto IV pra Associado I, gerou uma enorme disparidade, uma diferença que supera a de Associado IV para Titular. Com isso, deixa em uma zona de conforto quem está em vias de passar para Associado, ou quem porventura acabou de deixar de ser Adjunto IV. Isso, por si só, independente do percentual de reajuste proposto, cria uma diferença que se reflete no ânimo de uma parte dos professores. Além daqueles que, naturalmente e democraticamente, divergem da necessidade de haver greve na universidade como forma de pressão. Esses, consideram inócuos esses movimentos.

Aqui eu quero pontuar algumas divergências em relação à essa interpretação. Mas devo primeiro dizer porque fui contra a greve em 2012 e porque a defendo neste momento. Ao contrário dos argumentos utilizados para tentar nos convencer da inutilidade de entrarmos em greve, utilizando uma análise que tenta enxergar na fragilidade do governo a dificuldade de um possível entendimento que melhore a proposta salarial que nos é oferecida, penso que é exatamente numa situação de um governo fraco politicamente que se faz necessário nos unirmos, lutarmos e, no momento adequado, que julgo ser este, radicalizarmos em uma greve. Outras categorias estão fazendo isso, os setores conservadores também pressionam o governo e tentam anular suas ações. Ou mostramos nossa força, ou seremos esquecidos.

Diferente da situação de 2012, quando havia disposição do governo para o diálogo, e estávamos em meio a uma negociação que caminhava para nos ser favorável. Como de fato o foi. Muito embora eu não negue que a greve naquele momento terminou por favorecer as negociações. Mas as condições eram outras, e exatamente por isso vivemos uma situação oposta nos dias de hoje, pelo fato de termos, ao contrário de outras categorias, obtido um acordo bem mais favorável do que aquele que lhes foi concedido, e nessa lista incluem os nossos valorosos colegas servidores técnicos administrativos. Ocorre que nuvem sombrias pairam sobre nossas cabeças, e os próximos anos serão muito difíceis, pelo arrocho proposto pelo governo e o descontrole inflacionário que ameaça aquela recomposição. Portanto, devemos ir até onde pudermos, a fim de pressionarmos por um aumento nesses índices percentuais propostos.

Também não desejo, nem devemos, negar os avanços que houve nos últimos doze anos, com investimentos na educação bem superiores às décadas anteriores. É visível, aos que estão há mais tempo na universidade, as melhorias que foram obtidas, principalmente a partir do REUNI. Os problemas da expansão, e da preocupação quantitativista em detrimento do qualitativo é outra discussão que devemos fazer, mas, creio, em outro momento.
Mas, também, ao contrário do que alguns daqueles que defendem a greve disseram, deve haver, sim, um limite para o nosso movimento. Nossa greve não pode ser aeternum. E ela pode sim, ter um momento determinado para o seu final. E isso não significa ter data marcada, mas, simplesmente porque ela se esgotará na medida em que for fechada a mesa de negociação e, principalmente, acabar o prazo para o governo encaminhar para o Congresso a Lei de Diretrizes Orçamentárias.

Alguém poderá argumentar que aí nossa pressão será sobre o Congresso Nacional. Mas essa seria uma proposta estapafúrdia. Como nos manter em uma greve em que o governo fecha as negociações e passamos a depender de um Congresso entregue à disputa visceral com o Palácio do Planalto? Podemos fazer isso sem que haja greve, e, pelo próprio resultado do que aconteceu com os servidores do judiciário, sua aprovação não significará a aceitação por parte da presidenta, e o veto será inevitável. Por isso, acredito que há um limite para o nosso movimento, e ele se esgotará quando não mais for possível haver espaços para negociação.

E não é nenhum demérito dizer isso. O que fazemos com a greve é pressão, e não motivos para desgastar o governo. O desgaste é consequência dessa e de outras paralizações e da própria crise na qual o governo se meteu. Cabe a ele, diante do quadro político vigente, avaliar se terá forças para suportar uma greve de professores que tende a se ampliar até o final de agosto. A longa duração do movimento, sem perspectivas, fará com que esse desgaste caia sobre nós.

O que não podíamos era ficar de braços cruzados diante de uma realidade que se tornará dolorosa para a maioria de nós a partir do próximo ano. Se é que de certa medida já não está nos afetando e diminuindo nosso poder de compra. Principalmente àqueles professores que se encontram em início de carreira, como adjuntos, e os professores aposentados. A existência de uma cláusula no acordo, como proposto pelo governo, não é condição de repor nossas perdas, é atirar a esmo.

Por isso a greve se fazia necessária. Não podemos aceitar de braços cruzados uma proposta que sequer repõe as perdas geradas pela inflação, isso vai significar achatamento salarial e jogará por terra tudo que conquistamos em 2012.

Quanto ao fato de gerarmos, com isso, um desgaste enorme para a universidade e um prejuízo aos estudantes, eu precisaria de um espaço semelhante ao que já escrevi até aqui. Minha visão de universidade eu já expus em dois outros artigos aqui em meu blog. Na verdade a maioria dos professores se entregam a uma normalidade dentro de um ambiente que desconsidera os problemas mais gerais, e alguns procuram fugir deles. Não tenho certeza de que a greve ajude a discutir isso, penso até que não. Mas não vai ser a paralisação que trará prejuízos à universidade. Eles já existem nas concepções de universidade e na opção individual em uma competição imposta pelos critérios que valorizam mais a pós-graduação.

O nosso movimento, ao meu ver, não tem por objetivo rediscutir a universidade, nem mesmo forçar um desgaste do governo. Eu, particularmente, estarei em qualquer barricada que seja erguida para defender a normalidade democrática e contra as tentativas de golpes. Mas temos que mostrar nossa insatisfação ao governo com sua proposta risível de reajuste que nos é oferecido, e tentar forçar que nas mesas de negociações esse percentual seja aumentado. O que desejamos ainda é mostrar ao governo que um slogan não pode ser apenas um instrumento de marketing. Se esse país pretende ser, de fato, uma pátria educadora, não pode menosprezar a importância que nós professores temos nesse processo. Lutamos por nossa dignidade.




NOTAS:
[1] Canción por la unidad de Latino America.
[2] https://www.bcb.gov.br/?RP20150804

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