domingo, 14 de outubro de 2012

O STF, AS BRUXAS DE SALÉM E O VEREDICTO DA MÍDIA

Côrte suprema brasileira
Tenho lido muito a respeito do julgamento no Supremo Tribunal Federal, do chamado “mensalão”, e naturalmente a minha análise será incorporada de inúmeras outras opiniões já expressas em revistas, jornais e blogs. Mas certamente terão essas opiniões não simplesmente me influenciado, mas tão somente somaram-se às ideias que já tenho formulado a respeito desse tema. Não vou nesse artigo, no entanto, entrar no mérito das condenações, mas do rito e da sua excepcionalidade. Até porque entendo que a acusação de Caixa 2, como formei a minha convicção, para mim caracterizaria um crime da mesma maneira

Mas, como direi adiante, parece que o STF e outras instituições do Estado brasileiro, inclusive o Congresso Nacional, recusam-se a atacar a origem de todos esses problemas, o sistema eleitoral brasileiro, e um histórico de “democracia” consolidada nos grotões e currais eleitorais. A venda de votos prossegue, legalizada pela modernização do sistema. Milhares de pessoas assalariadas e a venda de espaços para colocações de painéis nas residências e de “citrus” (película adesiva perfurada) nos veículos com propagandas eleitorais. Além dos vales-combustíveis. Mas pulemos essa parte, voltarei a ela depois.
Toda a discussão que tem sido feita em torno desse julgamento me leva à história de Abigail. Personagem de uma peça, transformada em filme, ambienta-se na aldeia de Salém, na colônia de Massachussetts, nos EUA do século XVII. O fato ocorreu verdadeiramente, mas foi transformado em peça teatral por Arthur Miller, teatrólogo estadunidense, que a adaptou em 1950 com o intuito de criticar os processos políticos em curso, no âmbito da guerra fria, denominado “macartismo”, numa referência à uma comissão criada pelo senador Joseph McCarthy para perseguir todos os suspeitos de simpatizarem com o governo soviético e o socialismo.
Peça de Arthur Miller: uma crítica
ao macartismo.
Da histeria coletiva, criada pelas denúncias de Abigail, àquela gerada pelos processos do marcartismo, o sentido da obra era demonstrar como as pessoas podem ser influenciadas por acusações feitas aleatoriamente, seja baseando-se em denúncias improváveis ou forjando-se evidências que reforcem fortes suposições difíceis de serem negadas porque baseadas em depoimentos que, pelas circunstâncias, são apontados como irrefutáveis. Mesmo se vierem de fontes nada confiáveis.
Em ambas as situações as condenações obedecem a desejos disfarçados, mas com a massificação das acusações firma-se uma opinião coletiva que já não somente tende a aceitar como verdadeiras, mas leva a que cidadãos comuns, alguns alheios aos fatos, constituam-se em juízes e carrascos, impulsionados pelas convicções criadas pela repetição.
Julgamento de Salém
Como em Salém, tanto durante o macartismo, como no julgamento do “mensalão”, desafetos dos acusados, ou aqueles que eventualmente possam tirar proveitos de suas condenações, aproveitam-se do ambiente criado para reforçarem as culpas e demonizar os que são julgados. Vendem, pelo ódio, a falsa ideia de que a moralidade depende de tais condenações. Ensandecida a multidão, a depender da situação – como de fato ocorreu em Salém – é capaz de defender até mesmo a morte, radicalizando ao extremo na onda dos discursos condenatórios.
Mas a multidão desconhece, porque maquiavelicamente construído, que se está julgando muito mais do que indivíduos – embora não o sistema – mas projetos, e a consolidação de uma política que se choca com interesses poderosos. Tal qual as situações anteriormente descritas, há por trás de todos esses fatos outras moralidades, ou intenções políticas, e em nenhuma delas o que se pretende é corrigir, na essência, os problemas que tenham gerado os desvios apontados.
E nesse caso, são muitas as evidências que apontam para uma articulação com viés nitidamente conservador, cujas culpas foram construídas ao longo de anos de repetição dos fatos e da criação de uma espécie de logomarca do delito. Expressão essa construída por um dos acusadores, e ao mesmo tempo réu confesso da participação do esquema de repasse de recursos ilícitos, fruto de acordos políticos entre partidos de uma mesma base aliada. O que se apresentou inicialmente como acertos para sanar dívidas de caixa de campanha eleitoral, culminou com acusação de repasse de valores para pagamento de votação no Congresso Nacional. Algo difícil de ser demonstrado por provas, e praticamente impossível de ter acontecido na forma da acusação.
Como um julgamento pode
ser manipulado
Eu sempre fui apaixonado por filmes cujos enredos se desenvolviam em tribunais de júris. Quase sempre eles têm suas tramas muito bem articuladas levando a que o confronto entre acusação e defesa nos faça construir conjecturas e firmar opiniões sobre os resultados dos julgamentos. Mas em qualquer um deles, o grande embate se dá em torno da necessidade de a acusação construir as provas que demonstrem a culpabilidade do acusado. E cabe a defesa destruir essas provas, buscando-se no contraditório os elementos necessários para livrar seu cliente das culpas que lhes são atribuídas. Esses são os pilares do sistema democrático, não meramente capitalista, mas construído desde a Roma antiga, de onde se origina boa parte das leis que estruturam o judiciário brasileiro.
Uso exemplo de filmes porque não sou da área jurídica. Mas qualquer um estudante de direito sabe que jamais um juiz levará adiante uma acusação que não esteja devidamente fundamentada em provas consistentes e/ou em testemunhos que sejam dados por personagens insuspeitas, e que não tenham nenhum histórico de atrito com quem está sendo acusado.
Mas é possível que em alguns casos as condenações sejam baseadas em suposições, em conjecturas, em denúncias feitas por desafetos, ou porque o júri é estabelecido para um fim específico. São os julgamentos que acontecem nos chamados “tribunais de exceção”, direcionados por interesses políticos já com um fim previsível, uma vez que a sua convocação tem por pressuposto a condenação de crimes já consolidados do ponto de vista da opinião pública e daqueles que comandam o aparato político e jurídico, até mesmo internacionalmente.
Nesses casos, o condenado perde a possibilidade de ser julgado por instâncias inferiores, o que lhe permitiria recorrer às superiores, até se chegar à suprema corte, em nosso caso, o STF. Também nessas situações o tribunal do júri não precisa ser necessariamente, composto por juristas, cabendo a uma pessoa comum eventualmente participar do julgamento.
Essas características do tribunal de exceção estão todas presentes no julgamento do chamado “mensalão”, incluindo aí os discursos proferidos pelos ministros, nitidamente de cunho político e presumíveis, onde algumas das frases por eles ditas, aproximam-se do linguajar de pessoas comuns. Como, “não vamos ser ingênuos a ponto de acharmos que o Delúbio Soares agia à revelia dos que comandavam o partido”. Isso é senso comum puro, suposição, já que uma afirmação que dispensa prova, pois essa é julgada desnecessária. Procurá-la seria exercício de ingenuidade.
Julgamento dos criminosos
de guerra nazista
É evidente que não é preciso ser um tribunal de exceção para que haja manipulação, ou para que o seu resultado final esteja definido à priori. E isso pode acontecer para o bem ou para o mal. Há situações de júris para condenação de crimes de guerras, cujo objetivo é apenas exemplar. Ou seja, evitar que situações semelhantes, em casos de crimes contra a humanidade, possam se repetir. Ou em situações, como de regimes totalitários, quando se condena um indivíduo por delito de opinião, e por divergir políticamente. Aqui no Brasil isso funcionou com a chamada Lei de Segurança Nacional, e o julgamento sendo realizado por um tribunal militar. Nessas situações as condenações são certas. Mas também há julgamentos em que a manipulação decorre do poder econômico, exercido por quem está sendo julgado, e do aparato jurídico utilizado para prolongar um processo, muitas vezes até o seu limite, quando excede o prazo possível dele acontecer.
Então não se espere imparcialidade em todos os julgamentos. E, no caso de uma corte ser composta em sua maior parte por ministros conservadores, e em sua maioria sempre o são, pela própria tradição do direito (não importando quem os indiquem), os elementos ideológicos serão sempre um forte componente no discurso condenatório. Contraditoriamente, o princípio da moralidade se sobrepõe à política, mas com justificativas de votos claramente políticas.
Em várias edições a revista Carta
Capítal expôs provas contra o esquema
de Daniel Dantas
Estranhamente esse julgamento é ímpar, quando por diversas vezes o mesmo Supremo poderia ter atuado no sentido de punir grandes esquemas de corrupção, mas preferiu anular provas claríssimas de verdadeiros roubos bilionários de recursos públicos, como no escândalo do Banco Oportunitty, do banqueiro Daniel Dantas, beneficiado com dois habeas corpus em um único dia, pelo ministro Gilmar Mendes. Que era advogado da União na época em que os ilícitos foram cometidos e envolveram muitos personagens do governo federal no escandaloso processo de privatização das teles.
Vários argumentos já foram utilizados, e com muita competência, para caracterizar este como um julgamento de exceção. Não quero prosseguir nessa direção. Mas eu destacaria o que se apresenta como o ato mais vergonhoso da suprema corte brasileira. A submissão à pressão da mídia para que o julgamento coincidisse com o processo eleitoral, de forma a ser utilizado como uma peça política.
Além disso, a afirmativa presente na leitura de vários votos, de que esse tipo de crime não deixa rastro, e que portanto não se encontrariam provas capazes de condenar os culpados. Para tanto as peças condenatórias basearam-se em depoimentos dados em sua maioria à CPI do Congresso Nacional, de caráter nitidamente político e espetacularizado pela mídia.
Ora, eu com o meu humilde conhecimento de um leigo, compreendo que cabe ao Ministério Público ir atrás de provas que possam dar consistências às condenações. Se isso não foi feito decorre primeiro da incompetência do Procurador Geral da República, e segundo, porque já se sabia o resultado com base no perfil dos julgadores. E, portanto as provas tornavam-se irrelevantes. Mas qualquer um sabe, que quando há crime contra as finanças públicas ou contra o sistema financeiro a regra é clara, para repetir o bordão de um antigo juiz de futebol, basta seguir o rastro do dinheiro. E se isso não for suficiente para chegar a todos os culpados, não pode ser feito por meio de suposições, já que se está condenando a prisão pessoas que não possuem antecedentes criminais.
"Mensalão": a origem
É vergonhoso constatar que caso esse rastro fosse seguido, se chegaria à origem desse esquema, ou a essa prática de manipular recursos públicos e privados a fim de custear despesas político-eleitorais, construído em Minas Gerais, em arrecadação de campanha para o candidato a governador do PSDB, Eduardo Azeredo. E tudo isso já está nas mãos da Procuradoria, que, ao invés de priorizar o seu julgamento, já que se trata da origem do esquema, fez pior, fatiou o processo encaminhando para serem julgados em varas de instâncias inferiores, seguindo-se o rito jurídico normal a qualquer processo judicial. O que dará aos seus acusados, à exceção dos parlamentares, entre eles o ex-governador e agora senador mineiro, o direito de recorrer por tempo indeterminado por várias instâncias, até chegar ao supremo. Como se diz no linguajar popular: “dois pesos, duas medidas”.
Mas o que esse julgamento não faz é exatamente privar o ambiente político da repetição desses crimes. Porque não se discute as questões essenciais para se chegar ao diagnóstico do problema. E quanto a isso eu quero concluir as minhas críticas no que para mim é o fundamento da hipocrisia que está por detrás dos discursos.
Não basta condenar as pessoas, ou crucificá-las para atender às pressões da mídia conservadora, entregando a cabeça de desafetos da elite ao estilo dos desejos de Salomé, que teria exigido a cabeça de João Batista. Porque o problema encontra-se no funcionamento do sistema eleitoral e, claro, a forma como funciona a dita democracia capitalista. O STF recusa-se a reconhecer que são as fissuras desse sistema, dirigido por seus próprios ministros, que possibilitam o surgimento de tantos casos de corrupção.
Denúncia contra a compra de votos
durante votação da emenda que
garantiu a reeleição de FHC
Porque esse sistema de gerar dinheiro para pagar dívidas de campanhas e assim assegurar apoio político funciona abertamente. E, se não como no mecanismo utilizado pelo chamado “mensalão”, acontece com a distribuição de cargos concedidos pelos governos com o intuito de facilitar aprovação de projetos, em parlamentos onde o chefe do executivo não disponha de maioria parlamentar. Como acontecia na administração de Furnas, que possibilitou o desvio de milhões de reais que abasteceram o “mensalão” mineiro de Eduardo Azeredo, segundo as denúncias. Por isso alguns grandes partidos da base política do governo não aparecem nesse julgamento, porque tinham outros esquemas, pelo controle de ministérios e estatais poderosas. Isso acontece em qualquer governo, infelizmente. É assim que o sistema funciona.
Mas acontece também com segmentos do crime organizado. Todo o esquema desvendado com a prisão de Carlos Cachoeira demonstra isso, é visível a qualquer leigo mais esperto. Mas também todas essas provas correm o risco de serem tornadas ilegais, assim como foram as provas que condenariam o banqueiro Daniel Dantas, et caterva. São incontáveis os casos descobertos, mas não há condenados, embora nesses casos existam provas.
Ora, o STF deslegitima provas cabais, de grandes golpes que movimentam valores em dinheiro bem maiores, e condenam sem provas, nesse processo em curso. Isso, a meu ver, atinge em cheio a credibilidade da suprema corte. Ao mesmo tempo em que mantém atuante os esquemas que são favorecidos por um sistema nitidamente corrupto, por essência.
Mais um bom filme sobre
o macartismo
Está evidente no comportamento da maior corte penal brasileira, ao sucumbir à pressão midiática e ao estabelecer regras diferentes para crimes semelhantes, que o seu perfil levará a livrar de condenações os que são ungidos pela grande midia, os que controlam a riqueza e aqueles políticos que representam esses interesses conservadores.
Dessa forma, se consolidará um mecanismo que atenda a preocupação explicitada, num discurso político visível, pelo presidente do STF, quando condenou o processo eleitoral brasileiro que possibilita as coligações políticas. Certamente defendendo uma bipolaridade, tal qual funciona nos Estados Unidos, com uma disputa entre dois grandes partidos, sendo um conservador e outro liberal. Melhor funcionaria esse sistema dos sonhos de muitos da elite política brasileira, expresso nas ideias do presidente do supremo, se o grande partido político que mais se identifica com as camadas mais pobres ficasse manchado por práticas só permitidas aos partidos conservadores.
Imagina-se assim uma disputa futura que possa ficar entre PSDB e PMDB ou PSB, disfarçados de direita e esquerda, mas assemelhando-se no essencial, assim como os Republicanos e os Democratas estadunidenses.
Não se pretende, com o julgamento em curso atacar na essência, no estômago, o sistema político brasileiro. Mas “purificá-lo”, a fim de pelo discurso da moralidade, e perversamente contra ela, adequá-lo a consolidação de um verdadeiro estado liberal, que possa se ver livre da ameaça de um possível socialismo bolivariano do século XXI. Enfim, o que se vê por trás dos discursos proferidos pelos ministros do Supremo pode não ser uma expressão da luta de classes, mas é nitidamente uma luta pela retomada do poder político pela elite conservadora a fim de blindar o Brasil da ameaça chavista.
Algo semelhante ocorreu no Brasil em 1964, por um golpe militar. Mas no século XXI, vide o exemplo de Honduras e Paraguai, os golpes estão sendo tramados e executados em parlamentos e em tribunais de exceção de côrtes judiciais. Por isso a democracia deve sempre ser vista como um valor histórico, e não como um valor universal. Ela incorpora valores de um tempo, e serve sempre aos interesses da classe dominante.

SINOPSES DE ALGUNS FILMES QUE NOS AJUDAM A ENTENDER JULGAMENTOS POLÍTICOS:
1. CULPADO POR SUSPEITA
Anos 50. Umas das mais aterrorizantes épocas da história americana, onde a sociedade, mergulhada no terror, vive seus dias de medo. Na caça de comunistas, o governo americano impõem a lei da denúncia. Uma mera suspeita é suficiente para implicar, em alguém, a culpa. Vivendo nesse meio, está David Merril (Robert De Niro), um famoso diretor de cinema que se nega a denunciar colegas comunistas. Incluído na "lista negra", tem sua promissora carreira interrompida.  Abandonado pelos amigos, passa a contar somente com a ajuda de sua ex-esposa Ruth (Annette Bening). Ao lado dela, enfrentará o Comitê do Governo.
DIREÇÃO: Irwin Winkler

2.  AS BRUXAS DE SALÉM
Em Salem, Massachusetts, 1692, algumas jovens fazem "feitiços". Uma delas, Abigail Williams (Winona Ryder), tinha se envolvido com John Proctor (Daniel Day-Lewis), um fazendeiro casado, quando trabalhou para ele, mas após o fim do caso foi despedida. Assim, desejava a morte de Elizabeth Proctor (Joan Allen), a esposa deste. Elas são descobertas no seu "ritual" e, acusadas de bruxaria, provocam uma histeria coletiva que atinge várias pessoas, sendo que Abby, a jovem desprezada por John, faz várias acusações até ver Elizabeth ser atingida.
COM: Daniel Day-Lewis e Winona Ryder
DIREÇÃO: Nicholas Hytner

3. BOA NOITE E BOA SORTE
Os embates entre o âncordrede CBS Edward R. Murrow e o polêmico senador Joseph McCarthy ajudaram a derrubar o político. Ele foi responsável pelinfame operação de “caçàs bruxas”, que acabou acusando, sem provas, vários cidadãos americanos de serem comunistas, nos anos 50.
COM: George Clooney, Robert Downey Jr., Jeff Daniels, Frank Langela
DIREÇÃO: George Clooney

Um comentário:

  1. Gostei do termo estadunidense o qual é rigorosamente acertado para esse povo.Posto isto, entendo que a palavra AMERICANO destina-se a todos os povos natos nas AMÉRICAS(norte, central e do sul). Apesar dos norte americanos terem usurpado este termo,nós não devemos deixar de reinvidica-lo, haja vista sermos! AMERICANOS BRASILEIROS!...
    Acho que ëles" entendem que Estadunidense é feio, e então se auto denominaram os donos das AMÉRICAS. Precisamos acabar com isso!!!!!!!!!!
    Antonio C. Campos

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