terça-feira, 5 de junho de 2012

OS ESTUDANTES, A GREVE, O TEMPO E O DESEJO DE LUTAR!


Tenho acompanhado a angústia que atinge os estudantes, nesse período que antecede a decisão sobre se os professores da UFG irão ou não entrar em greve. Depois que escrevi o último texto ao meu blog, e passei a discutir a questão com o meu filho, estudante do curso de História, agora um dos coordenadores do DCE-UFG, e a ouvir os alunos em sala de aula, percebi os comportamentos extremados que percorrem suas decisões.
De um lado uma parcela está preocupada com a possibilidade de uma greve prolongada, caso ela ocorra, vir a prejudicar o semestre e atrasar suas formaturas. De outro lado, a parcela mais consciente politicamente, engajada, seja em partidos políticos ou à frente das entidades. Até mesmo alguns que não se vinculam a nenhuma dessas alternativas, os indignados, sempre presentes em manifestações. Mesmo que o sentido delas não estejam bem claros. O que lhes movem é o desejo de mudança.
Coincidiram esses momentos com um documentário que assisti no último final de semana, “Colegas, Companheiros e Camaradas”, do jornalista Ranulfo Borges. Me veio uma certa nostalgia e procurei, mesmo que incorrendo no perigo do desvio do tempo, estabelecer uma comparação entre os anos 1980 e os dias atuais. Agora não mais como ativo participante, e até mesmo bastante cético quanto as ações que desenvolvem uma parcela do movimento social, me vi diante de uma velha contradição, pois, muito embora goste de falar aos meus alunos sobre outros tempos do qual eu era destacado protagonista, mas ao mesmo tempo ter que justificar minhas ponderações acerca do movimento grevista em curso nas universidades.
Não tanto isso seria difícil, quando pior não fora o fato de meu filho agora incorporar as lutas do momento, fazendo vezes à tarefa que me dediquei durante quase oito anos, como um grande agitador e uma das principais lideranças do movimento estudantil dos anos 80 do século passado. Três décadas separam aqueles momentos da nova realidade vivida hoje pelo país, e, principalmente, por mim mesmo.
O que critico com veemência, é, não o instrumento da greve, por ser este legítimo, e uma arma natural aos trabalhadores. Mas a estratégia, por muito tempo equivocada, com a banalização de um instrumento que deve sempre ser utilizado em momentos de absoluta falta de possibilidades de negociações, e de recusa por parte do governo, ou patrão, em negociar.
Contudo me deparo com a euforia de parte dos estudantes, entre os quais meu filho, que veem na greve uma perspectiva para tirar o movimento estudantil de Goiás da letargia que se meteu nos últimos anos. E digo que não somente por possíveis erros dos seus dirigentes, embora existam, mas também pela própria conjuntura e pela cultura que se criou nas duas últimas décadas de fortalecimento de uma lógica que produz na consciência da juventude a forte tendência a preocupar-se com coisas fúteis e incomodar-se tão somente com aquilo que o “mercado” está a exigir.
Em conversas que tive com ele, calei-me diante de seus argumentos. Embora tivesse bala na agulha, para contrapor o que ele dizia, a minha nostalgia falava mais alto, e eu lembrava-me da ousadia que tínhamos e da coragem em levantarmos nossas bandeiras de luta e influenciarmos os demais estudantes a nos seguirem, fazendo com que realizássemos as maiores manifestações da história do movimento estudantil de Goiás, incluindo greves, paralisações e centenas de ônibus depredados.
O documentário de Ranulfo Borges, as conversas com meu filho e as discussões que tive ao participar da primeira reunião do Núcleo de Altos Estudos do Projeto Memórias Reveladas – Centro de Referência das Lutas Políticas no Brasil (1964-1985), do qual participo agora como membro, e vinculado ao Arquivo Nacional, quedaram-se silentes na minha consciência e afrontaram a minha memória, gerando um desconforto entre o que escrevi em minha última postagem aqui no Blog, o que vivi em meus arroubos estudantis, e os sonhos agora transpostos para a determinação de quem eu gerei. E que certamente inspirou-se em minhas histórias para definir também o seu caminho não somente pela luta estudantil, como também pelo socialismo.
Contudo, o que passou a me atormentar não foi uma mera dor na consciência pelo desabafo que externalizei. Mas o sentimento de poder ser mal compreendido pela juventude, e principalmente por ele. Cujo desejo explícito era de que havendo greve os estudantes poderiam também ser protagonista do movimento e garantir mais visibilidades para suas reivindicações.
Poder ser interpretado como um fura-greve, justo eu, que sempre me vangloriei perante meus alunos, não somente por minhas ações destacadas nos anos 80, como também pelos anos seguintes como dirigente sindical, pesou forte na reflexão sobre o momento atual e a minha posição expressa abertamente, como sempre fiz por toda a minha vida. Nunca me escondi, sempre fui atuante, mas também profundamente honesto em minhas colocações. Sincero até demais, para quem atua na política.
Por isso quis complementar com esse artigo o que eu já havia dito no anterior. Não que eu tenha mudado de opinião quanto às diatribes da Andes, e o seu rompimento com uma mesa de negociação, chamando uma greve extemporânea. A crítica permanece, e a minha insatisfação com uma estratégia equivocada para o movimento docente. Mas não para os seus interesses políticos, claro. Inclusive de tentar se reerguer de uma forte divisão do movimento docente.
Ocorre que há um sentimento natural, e justo, da maioria dos professores, quanto à situação que se arrasta há vários anos de tentativa de se corrigir as distorções em nossa carreira. E é fato que nossos salários são os piores do serviço público, e isso se agrava considerando o grau de importância que a universidade possui na sociedade, e a educação de uma maneira geral. Para o próprio país.
Essa insatisfação é que está fazendo com que as assembleias, mesmo com percentuais pequenos de participantes se comparado ao total de professores, decida pela greve e a grande maioria ausente apoie incondicionalmente, mesmo não participando jamais de qualquer atividade organizada para gerar pressão e repercutir o movimento. Restando apenas os grupos militantes.
Quando escrevi meu desabafo, o fiz com argumentos que eu sabia serem difíceis de haver fortes contraposições. Fui duro inclusive com os colegas e não somente com a direção do movimento, em função da apatia que marca nossa categoria. E não adianta culpar o sindicato. Exemplo disso foi a tentativa frustrada de organizar uma caravana à Brasília na semana passada, para articular a derrubada do item na medida provisória que baixou a taxa de insalubridade de boa parte dos professores. Mas, repito, tenho consciência das deficiências em nossa carreira e da inoperância do governo, bem como da lerda vontade política, de resolvê-las. Enquanto mantém em níveis elevados os superávits primários para agradar os parasitas do sistema financeiro.
Mantenho, então, o meu comportamento crítico e a análise que faço dos interesses políticos por trás da greve. Mas e se a mesma for fato consumado, o que nos resta? Se a insatisfação da maioria nos empurra de encontro às estultices das lideranças andesianas, o que nos sobra como alternativa? Diante dos argumentos de meu filho, quanto às perspectivas de tirar da apatia o movimento estudantil e do efeito dominó que a greve tem gerado, resta somente inverter a lógica inicial e pressionar o governo para abrir novamente as negociações, pois que senão é inevitável a deflagração da greve, mesmo na UFG. Vamos mesmo que a reboque dos desejos, talvez não pela greve em si, mas pela ânsia de ver uma proposta concreta de nova carreira docente.
Um paradoxo, pois estávamos negociando com uma mesa estabelecida entre as partes. Mas como dito, favas contadas. A política muitas vezes requer mudanças de táticas no decorrer da luta, alterando a estratégia definida anteriormente. E, se não somos adeptos do “quanto pior melhor”, cabe tomarmos também uma posição que venha a agilizar as negociações e que reduza o tempo de enrolação, pelo qual a burocracia se embrenha com o objetivo de empurrar as decisões sempre para mais adiante.
1981 - Assembléia dos estudantes
Auditório do antigo ICHL
E, em relação aos estudantes, cabe a eles estabelecerem uma estratégia que não gere desgaste e que também não parta de aspectos abstratos. Não se pode, evidentemente, imaginar que haja uma greve estudantil caso os professores paralisem. Naturalmente. Não se faz greve dentro da greve. Claro, isso pode ser dito simbolicamente, mas é possível sim, com o apoio dos estudantes, se for possível a mobilização, haver formas de pressão mais eficazes, cobrindo uma fragilidade que o movimento docente possui.
Talvez fosse também o momento, então, dos servidores tomarem a mesma decisão, juntando as forças e ampliando o poder de pressão. Embora o desgaste deles seja um elemento que pode dificultar, pelo fato de terem realizado uma greve de cerca de cem dias, sem que obtivessem nenhum resultado positivo. Mas aí sim, com a unificação dos três segmentos a possibilidade de o governo se sentir pressionado e agilizar uma resposta ao movimento seja um dado concreto.
Mas os estudantes precisam estabelecer uma pauta de reivindicação. Que em alguns pontos coincidem com o que desejam os professores, mas que são diferentes em suas especificidades.
Ressalto que, a minha nostalgia, refletida agora na atuação de meu filho, não confunde uma época por outra. Tínhamos uma situação política completamente diferente, e as dificuldades em se estabelecer diálogo com os governos eram imensas. Mas soubemos também radicalizar mesmo diante de governos eleitos democraticamente, pois assim o fizemos quando conquistamos o meio-passe estudantil, em uma luta que durou mais de seis meses em pleno governo Íris Rezende, eleito logo após o último governo estadual imposto pela ditadura, e que foi uma grande conquista democrática.
Mas o fizemos escorados em uma justa pauta de reivindicações e em estratégias muito bem elaboradas e discutidas entre todas as entidades estudantis. E naquele tempo o que fazia o DCE ser forte era haver diretorias de centros acadêmicos que participavam ativamente e conseguiam mobilizar os estudantes de seus cursos.
Assembléia dos Estudantes -
Pça Universitária - 1981
E mesmo ainda durante a ditadura militar, quando fizemos uma greve que paralisou todas as universidades brasileiras, em 1981, soubemos suspender no momento em que houve uma sinalização de diálogo, que coincidiu com a queda do então ministro da Educação Fernando Portela, e um general, Rubem Rudwig foi nomeado em seu lugar. Foi com esse general que o movimento estudantil negociou e conquistou, senão todas, pelo menos parte importante de sua pauta de reivindicação.
Se os estudantes desejam ir à greve, o devem fazer não escorados na pauta de reivindicação dos professores, mas com uma pauta própria, garantindo, logicamente, o apoio às reivindicações dos professores. E não devem alimentar ilusões de que a greve docente persista caso somente a questão da carreira seja atendida pelo governo. Por isso devem ter como estratégia a manutenção do movimento porquanto durar a greve dos professores, já que a capacidade de mobilização atualmente está longe de garantir que a maioria dos estudantes se mantenha longe das salas de aulas tão logo haja o chamamento dos professores.
Repressão - greve
em 1981
Reconheço que nos últimos anos tem sido crescente o meu ceticismo. Desde que perdi a minha filha a dificuldade em mirar o futuro, para mim uma miragem (com perdão da redundância), me ofusca e freia o meu ânimo. Confesso também que ver o meu filho participando do movimento estudantil, e começando a colocar-se como protagonista nessa luta, da qual eu participei com muita honra e dei grandes contribuições, mexe comigo no sentido oposto, e me vejo num embate psicológico que pode me ser positivo, e me ajudar a injetar ânimo e dar um novo sentido em minha vida.
Sinto-me orgulhoso agora por poder vê-lo entusiasmado com a perspectiva de um novo desafio em sua vida ainda nova, e me faz lembrar uma frase que para mim será eterna, do cantor e compositor Belchior, que embalou nossos melhores momentos e foi uma das músicas que compunham nossas trilhas sonoras em viagens insones por dezenas de congressos:

“Mas é você/ Que ama o passado/ E que não vê./ É você/ Que ama o passado/ E que não vê/ Que o novo sempre vem.../ Minha dor é perceber/ Que apesar de termos/ Feito tudo, tudo,/ Tudo o que fizemos/ Nós ainda somos/ Os mesmos e vivemos/ Ainda somos/ Os mesmos e vivemos/ Ainda somos/ Os mesmos e vivemos/ Como os nossos pais...”
Que venha então o novo, e nos injete ânimo. É o que precisamos quando perdemos parte de nosso coração. E é na força dos estudantes que me mantenho coerente com a minha história. E, embora mantendo discordância quanto à estratégia equivocada da greve, pelo momento, darei mais uma vez o meu esforço no sentido de garantir que a nossa categoria não seja menosprezada pelo governo, nem instrumentalizada por setores sectários. Mas ciente que nosso objetivo maior nesse momento é a conquista de mudanças radicais em nossa carreira docente. E quanto aos estudantes, sempre tiveram e sempre terão o meu apoio, notadamente agora cuja liderança desponta do fundo das minhas nostalgias. Mas que não é passado, nem futuro, é presente, e ainda citando Belchior, “viver é melhor que sonhar”. Que ele possa viver esse momento, e fazer história, junto com sua geração, mas com os pés no chão e com estratégias inteligentes.





2 comentários:

  1. Professor, parabéns! Seu blog é muito rico. Um oásis em meio a tanta baboseira na internet. Espero sempre acompanha-lo. Estive ontem em Brasília reunida com 5 mil pessoas, entre eles docentes, estudantes e trabalhadores. O que dá força ao movimento é a união. Temos diversas greves pela cidade, porém não se tem voz. A união entre os estudantes, os professores e os trabalhadores em geral seria a solução para o caos em que vivemos. Novamente, parabéns.
    Lilian - Ciências Ambientais IESA.

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  2. Seus comentários são muito interessantes e refletem um pouco dos meus sentimentos. Como você também militei no movimento estudantil, não tão decisivamente, mas o suficiente para me sentir hoje, tão nostálgica quanto você. Também tenho travado discussões com o meu filho e também considero inconstantes as reivindicações e o rumo que a militância, não tanto política, pois desvinculada de ideologias, tem tomado. Nossas discussões são quase sempre estéreis, porque hoje se sente e se pensa diferente e por causa da intransigência na qual ele se pauta. Vejo um movimento constante de insatisfação desenfreada, sem objetivos claros e sem coerência de idéias e vejo as pessoas se organizarem desordenadamente. Reconheço que fui cooptada pelo sistema e sinto saudades de caminhar com Vandré gritando palavras de ordem com a força de um forte sentimento no coração e sei que hoje as palavras de ordem para mim são outras. Mas não reconheço essa mobilização desordenada que vejo hoje, como a retratar, na realidade, as necessidades prementes de mudança social.

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