Tenho acompanhado a angústia que
atinge os estudantes, nesse período que antecede a decisão sobre se os
professores da UFG irão ou não entrar em greve. Depois que escrevi o último
texto ao meu blog, e passei a discutir a questão com o meu filho, estudante do
curso de História, agora um dos coordenadores do DCE-UFG, e a ouvir os alunos
em sala de aula, percebi os comportamentos extremados que percorrem suas
decisões.
De um lado uma parcela está
preocupada com a possibilidade de uma greve prolongada, caso ela ocorra, vir a
prejudicar o semestre e atrasar suas formaturas. De outro lado, a parcela mais
consciente politicamente, engajada, seja em partidos políticos ou à frente das
entidades. Até mesmo alguns que não se vinculam a nenhuma dessas alternativas,
os indignados, sempre presentes em manifestações. Mesmo que o sentido delas não
estejam bem claros. O que lhes movem é o desejo de mudança.
Coincidiram esses momentos com um
documentário que assisti no último final de semana, “Colegas, Companheiros e Camaradas”, do jornalista Ranulfo Borges.
Me veio uma certa nostalgia e procurei, mesmo que incorrendo no perigo do
desvio do tempo, estabelecer uma comparação entre os anos 1980 e os dias
atuais. Agora não mais como ativo participante, e até mesmo bastante cético
quanto as ações que desenvolvem uma parcela do movimento social, me vi diante
de uma velha contradição, pois, muito embora goste de falar aos meus alunos sobre
outros tempos do qual eu era destacado protagonista, mas ao mesmo tempo ter que
justificar minhas ponderações acerca do movimento grevista em curso nas
universidades.
Não tanto isso seria difícil,
quando pior não fora o fato de meu filho agora incorporar as lutas do momento,
fazendo vezes à tarefa que me dediquei durante quase oito anos, como um grande
agitador e uma das principais lideranças do movimento estudantil dos anos 80 do
século passado. Três décadas separam aqueles momentos da nova realidade vivida
hoje pelo país, e, principalmente, por mim mesmo.
O que critico com veemência, é, não
o instrumento da greve, por ser este legítimo, e uma arma natural aos
trabalhadores. Mas a estratégia, por muito tempo equivocada, com a banalização
de um instrumento que deve sempre ser utilizado em momentos de absoluta falta
de possibilidades de negociações, e de recusa por parte do governo, ou patrão,
em negociar.
Contudo me deparo com a euforia de
parte dos estudantes, entre os quais meu filho, que veem na greve uma
perspectiva para tirar o movimento estudantil de Goiás da letargia que se meteu
nos últimos anos. E digo que não somente por possíveis erros dos seus dirigentes,
embora existam, mas também pela própria conjuntura e pela cultura que se criou
nas duas últimas décadas de fortalecimento de uma lógica que produz na
consciência da juventude a forte tendência a preocupar-se com coisas fúteis e
incomodar-se tão somente com aquilo que o “mercado” está a exigir.
Em conversas que tive com ele,
calei-me diante de seus argumentos. Embora tivesse bala na agulha, para
contrapor o que ele dizia, a minha nostalgia falava mais alto, e eu lembrava-me
da ousadia que tínhamos e da coragem em levantarmos nossas bandeiras de luta e
influenciarmos os demais estudantes a nos seguirem, fazendo com que
realizássemos as maiores manifestações da história do movimento estudantil de
Goiás, incluindo greves, paralisações e centenas de ônibus depredados.
O documentário de Ranulfo Borges,
as conversas com meu filho e as discussões que tive ao participar da primeira
reunião do Núcleo de Altos Estudos do Projeto Memórias Reveladas – Centro de
Referência das Lutas Políticas no Brasil (1964-1985), do qual participo agora
como membro, e vinculado ao Arquivo Nacional, quedaram-se silentes na minha
consciência e afrontaram a minha memória, gerando um desconforto entre o que
escrevi em minha última postagem aqui no Blog, o que vivi em meus arroubos
estudantis, e os sonhos agora transpostos para a determinação de quem eu gerei.
E que certamente inspirou-se em minhas histórias para definir também o seu
caminho não somente pela luta estudantil, como também pelo socialismo.
Contudo, o que passou a me
atormentar não foi uma mera dor na consciência pelo desabafo que externalizei.
Mas o sentimento de poder ser mal compreendido pela juventude, e principalmente
por ele. Cujo desejo explícito era de que havendo greve os estudantes poderiam
também ser protagonista do movimento e garantir mais visibilidades para suas
reivindicações.
Poder ser interpretado como um
fura-greve, justo eu, que sempre me vangloriei perante meus alunos, não somente
por minhas ações destacadas nos anos 80, como também pelos anos seguintes como
dirigente sindical, pesou forte na reflexão sobre o momento atual e a minha
posição expressa abertamente, como sempre fiz por toda a minha vida. Nunca me
escondi, sempre fui atuante, mas também profundamente honesto em minhas
colocações. Sincero até demais, para quem atua na política.
Por isso quis complementar com esse
artigo o que eu já havia dito no anterior. Não que eu tenha mudado de opinião
quanto às diatribes da Andes, e o seu rompimento com uma mesa de negociação,
chamando uma greve extemporânea. A crítica permanece, e a minha insatisfação
com uma estratégia equivocada para o movimento docente. Mas não para os seus
interesses políticos, claro. Inclusive de tentar se reerguer de uma forte
divisão do movimento docente.
Ocorre que há um sentimento
natural, e justo, da maioria dos professores, quanto à situação que se arrasta
há vários anos de tentativa de se corrigir as distorções em nossa carreira. E é
fato que nossos salários são os piores do serviço público, e isso se agrava considerando
o grau de importância que a universidade possui na sociedade, e a educação de
uma maneira geral. Para o próprio país.
Essa insatisfação é que está
fazendo com que as assembleias, mesmo com percentuais pequenos de participantes
se comparado ao total de professores, decida pela greve e a grande maioria
ausente apoie incondicionalmente, mesmo não participando jamais de qualquer
atividade organizada para gerar pressão e repercutir o movimento. Restando
apenas os grupos militantes.
Quando escrevi meu desabafo, o fiz
com argumentos que eu sabia serem difíceis de haver fortes contraposições. Fui
duro inclusive com os colegas e não somente com a direção do movimento, em
função da apatia que marca nossa categoria. E não adianta culpar o sindicato.
Exemplo disso foi a tentativa frustrada de organizar uma caravana à Brasília na
semana passada, para articular a derrubada do item na medida provisória que
baixou a taxa de insalubridade de boa parte dos professores. Mas, repito, tenho
consciência das deficiências em nossa carreira e da inoperância do governo, bem
como da lerda vontade política, de resolvê-las. Enquanto mantém em níveis
elevados os superávits primários para agradar os parasitas do sistema financeiro.
Mantenho, então, o meu
comportamento crítico e a análise que faço dos interesses políticos por trás da
greve. Mas e se a mesma for fato consumado, o que nos resta? Se a insatisfação
da maioria nos empurra de encontro às estultices das lideranças andesianas, o
que nos sobra como alternativa? Diante dos argumentos de meu filho, quanto às
perspectivas de tirar da apatia o movimento estudantil e do efeito dominó que a
greve tem gerado, resta somente inverter a lógica inicial e pressionar o governo
para abrir novamente as negociações, pois que senão é inevitável a deflagração
da greve, mesmo na UFG. Vamos mesmo que a reboque dos desejos, talvez não pela
greve em si, mas pela ânsia de ver uma proposta concreta de nova carreira
docente.
Um paradoxo, pois estávamos
negociando com uma mesa estabelecida entre as partes. Mas como dito, favas contadas.
A política muitas vezes requer mudanças de táticas no decorrer da luta,
alterando a estratégia definida anteriormente. E, se não somos adeptos do “quanto
pior melhor”, cabe tomarmos também uma posição que venha a agilizar as
negociações e que reduza o tempo de enrolação, pelo qual a burocracia se
embrenha com o objetivo de empurrar as decisões sempre para mais adiante.
1981 - Assembléia dos estudantes Auditório do antigo ICHL |
E, em relação aos estudantes, cabe
a eles estabelecerem uma estratégia que não gere desgaste e que também não
parta de aspectos abstratos. Não se pode, evidentemente, imaginar que haja uma
greve estudantil caso os professores paralisem. Naturalmente. Não se faz greve
dentro da greve. Claro, isso pode ser dito simbolicamente, mas é possível sim,
com o apoio dos estudantes, se for possível a mobilização, haver formas de
pressão mais eficazes, cobrindo uma fragilidade que o movimento docente possui.
Talvez fosse também o momento,
então, dos servidores tomarem a mesma decisão, juntando as forças e ampliando o
poder de pressão. Embora o desgaste deles seja um elemento que pode dificultar,
pelo fato de terem realizado uma greve de cerca de cem dias, sem que obtivessem
nenhum resultado positivo. Mas aí sim, com a unificação dos três segmentos a
possibilidade de o governo se sentir pressionado e agilizar uma resposta ao movimento
seja um dado concreto.
Mas os estudantes precisam
estabelecer uma pauta de reivindicação. Que em alguns pontos coincidem com o
que desejam os professores, mas que são diferentes em suas especificidades.
Ressalto que, a minha nostalgia,
refletida agora na atuação de meu filho, não confunde uma época por outra. Tínhamos
uma situação política completamente diferente, e as dificuldades em se
estabelecer diálogo com os governos eram imensas. Mas soubemos também
radicalizar mesmo diante de governos eleitos democraticamente, pois assim o
fizemos quando conquistamos o meio-passe estudantil, em uma luta que durou mais
de seis meses em pleno governo Íris Rezende, eleito logo após o último governo
estadual imposto pela ditadura, e que foi uma grande conquista democrática.
Mas o fizemos escorados em uma
justa pauta de reivindicações e em estratégias muito bem elaboradas e discutidas
entre todas as entidades estudantis. E naquele tempo o que fazia o DCE ser
forte era haver diretorias de centros acadêmicos que participavam ativamente e
conseguiam mobilizar os estudantes de seus cursos.
Assembléia dos Estudantes - Pça Universitária - 1981 |
E mesmo ainda durante a ditadura
militar, quando fizemos uma greve que paralisou todas as universidades brasileiras,
em 1981, soubemos suspender no momento em que houve uma sinalização de diálogo,
que coincidiu com a queda do então ministro da Educação Fernando Portela, e um
general, Rubem Rudwig foi nomeado em seu lugar. Foi com esse general que o
movimento estudantil negociou e conquistou, senão todas, pelo menos parte
importante de sua pauta de reivindicação.
Se os estudantes desejam ir à
greve, o devem fazer não escorados na pauta de reivindicação dos professores,
mas com uma pauta própria, garantindo, logicamente, o apoio às reivindicações
dos professores. E não devem alimentar ilusões de que a greve docente persista
caso somente a questão da carreira seja atendida pelo governo. Por isso devem
ter como estratégia a manutenção do movimento porquanto durar a greve dos
professores, já que a capacidade de mobilização atualmente está longe de
garantir que a maioria dos estudantes se mantenha longe das salas de aulas tão
logo haja o chamamento dos professores.
Repressão - greve em 1981 |
Reconheço que nos últimos anos tem
sido crescente o meu ceticismo. Desde que perdi a minha filha a dificuldade em
mirar o futuro, para mim uma miragem (com perdão da redundância), me ofusca e
freia o meu ânimo. Confesso também que ver o meu filho participando do
movimento estudantil, e começando a colocar-se como protagonista nessa luta, da
qual eu participei com muita honra e dei grandes contribuições, mexe comigo no
sentido oposto, e me vejo num embate psicológico que pode me ser positivo, e me
ajudar a injetar ânimo e dar um novo sentido em minha vida.
Sinto-me orgulhoso agora por poder vê-lo entusiasmado com a perspectiva de um novo desafio em sua vida ainda nova,
e me faz lembrar uma frase que para mim será eterna, do cantor e compositor
Belchior, que embalou nossos melhores momentos e foi uma das músicas que
compunham nossas trilhas sonoras em viagens insones por dezenas de congressos:
“Mas é você/ Que ama o passado/ E
que não vê./ É você/ Que ama o passado/ E que não vê/ Que o novo sempre vem.../
Minha dor é perceber/ Que apesar de termos/ Feito tudo, tudo,/ Tudo o que
fizemos/ Nós ainda somos/ Os mesmos e vivemos/ Ainda somos/ Os mesmos e vivemos/
Ainda somos/ Os mesmos e vivemos/ Como os nossos pais...”
Que venha então o novo, e nos
injete ânimo. É o que precisamos quando perdemos parte de nosso coração. E é na
força dos estudantes que me mantenho coerente com a minha história. E, embora
mantendo discordância quanto à estratégia equivocada da greve, pelo momento,
darei mais uma vez o meu esforço no sentido de garantir que a nossa categoria
não seja menosprezada pelo governo, nem instrumentalizada por setores
sectários. Mas ciente que nosso objetivo maior nesse momento é a conquista de
mudanças radicais em nossa carreira docente. E quanto aos estudantes, sempre
tiveram e sempre terão o meu apoio, notadamente agora cuja liderança desponta do
fundo das minhas nostalgias. Mas que não é passado, nem futuro, é presente, e
ainda citando Belchior, “viver é melhor que sonhar”. Que ele possa viver esse
momento, e fazer história, junto com sua geração, mas com os pés no chão e com
estratégias inteligentes.
“Colegas, companheiros e camaradas” -
http://tecnocibernetico.wordpress.com/2011/05/07/colegas-companheiros-e-camaradas-filme-de-ranulfo-borges/
Professor, parabéns! Seu blog é muito rico. Um oásis em meio a tanta baboseira na internet. Espero sempre acompanha-lo. Estive ontem em Brasília reunida com 5 mil pessoas, entre eles docentes, estudantes e trabalhadores. O que dá força ao movimento é a união. Temos diversas greves pela cidade, porém não se tem voz. A união entre os estudantes, os professores e os trabalhadores em geral seria a solução para o caos em que vivemos. Novamente, parabéns.
ResponderExcluirLilian - Ciências Ambientais IESA.
Seus comentários são muito interessantes e refletem um pouco dos meus sentimentos. Como você também militei no movimento estudantil, não tão decisivamente, mas o suficiente para me sentir hoje, tão nostálgica quanto você. Também tenho travado discussões com o meu filho e também considero inconstantes as reivindicações e o rumo que a militância, não tanto política, pois desvinculada de ideologias, tem tomado. Nossas discussões são quase sempre estéreis, porque hoje se sente e se pensa diferente e por causa da intransigência na qual ele se pauta. Vejo um movimento constante de insatisfação desenfreada, sem objetivos claros e sem coerência de idéias e vejo as pessoas se organizarem desordenadamente. Reconheço que fui cooptada pelo sistema e sinto saudades de caminhar com Vandré gritando palavras de ordem com a força de um forte sentimento no coração e sei que hoje as palavras de ordem para mim são outras. Mas não reconheço essa mobilização desordenada que vejo hoje, como a retratar, na realidade, as necessidades prementes de mudança social.
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