terça-feira, 31 de maio de 2011

DINHO, CHICO MENDES E A LUTA DE CLASSES

Parte do que vai escrito aqui foi uma resposta a uma mensagem de email que recebi, onde o remetente faz uma vinculação entre a morte de Adelino Ramos, o Dinho, militante do PCdoB, e a polêmica em torno do Código Eleitoral. Percebi o quanto o calor de determinados debates define certos comportamentos sectários, e leva algumas pessoas a adotarem um comportamento frio, insensível, irresponsável quando tentam responsabilizar indiretamente certas ações em função de medidas que por ora estejam sendo debatidas.
Há certo oportunismo por trás disso, até mesmo quando se atribui os desmatamentos de agora à uma possível anistia a esses criminosos. Insiste-se nisso, muito embora seja uma absurda mentira. Tanto os desmatamentos, quanto os assassinatos, são conseqüências de uma luta histórica em nosso país. E nem sempre os contrabandos de madeiras estão diretamente ligados aos latifúndios. E a impunidade sempre foi o resultado desse conflito.
O maniqueísmo carrega um elemento espantoso. Os valores mudam de lado quando se chega ao Poder. Isso se dá também dentro das disputas nas diversas organizações sociais, de direita ou de esquerda. Maniqueísmo e oportunismo. Mesmo o MST, talvez a mais forte e organizada entidade de classe brasileira, também se utiliza disso, muda o seu discurso, adota o ambientalismo até mesmo em função da redução do número de seus seguidores, tanto em função do aumento dos assentamentos e investimentos à agricultura familiar, como pela redução do número de desempregados nas cidades. Muito embora mantenha, corretamente, o seu foco no latifúndio, como responsável pelos desequílbrios no campo.
Em minha pesquisa sobre a guerrilha do Araguaia descobri que alguns fazendeiros foram presos e torturados por darem suporte à luta dos guerilheiros. Por outro lado, camponeses tornaram-se guias dos militares, e se tornaram assassinos e alguns deles cumpriram o tétrico papel de degolarem guerrilheiros. Osvaldão foi morto por um desses guias, Arlindo Piauí. Então, não se pode generalizar, nem de um lado, nem do outro. E é preciso ter muito cuidado com o estereótipo que se cria, pois ele pode ser definitivo.
A cultura cristã ocidental é responsável por esses elementos, que foram carregados para dentro da luta revolucionária no século XX e foi a pauta da guerra fria. Bastava estar ligado à União Soviética e era do bem. Bom, isso do lado da esquerda naturalmente. Depois muitos se disseram decepcionados, mudaram de comportamento, mas não o maniqueísmo. Assim, enxergam demônios por trás de todas as iniciativas que não sejam suas. Típico dessa cultura.
Vejo dois elementos responsáveis pelo caos e pela lógica que comanda o mundo capitalista (isso, primeiro é preciso criticar os sistema): as grandes corporações e o sistema de grandes latifúndios no Brasil e América Latina. Recuso-me a trocar essa luta por bandeiras ambientalistas, oportunizadas por inúmeras ONGs que estão atrás de financiamentos. Muito mais fácil de ser conseguido, por exemplo, do que encontrar quem financie uma luta imediata que impeça o assassinato social de milhares de crianças, jovens e adolescentes que se amontoam como trapos nas cidades brasileiras consumidas pelo crack e oxi. Não se vê uma campanha para salvar essas pessoas, exceto por iniciativas de algumas igrejas (salva-se o corpo, aprisiona-se a “alma”). A lógica em um caso e outro é a mesma, é a maneira como as grandes corporações se assenhorearam desse mundo e o que restou para os pobres.
Já o movimento ambientalista virou moda. E como tudo que dentro da cultura atual torna-se modismo, virou uma praga celeremente potencializada pelas redes sociais, onde uma maioria de psitacídeos limita-se a repetir o que ouvem, por estar na ordem do dia, sem nenhuma base que o fundamente. Não há nenhum tipo de aprofundamento na questão, ou de busca pelo que é fato, real. Simplesmente transforma-se em uma corrente a percorrer as caixas de correios e ser repassada adiante sem qualquer reflexão, algo comum na internet. Para combater tais lendas criou-se um site, Lendas e Folclore na Internet: as pulhas virtuais (http://www.quatrocantos.com/LENDAS/index.htm)
Segunda-feira, (30/05) na novela das oitos (pude assistir porque estou acamado por uma gripe, mas de vez em quando gosto de ver), num diálogo com o banqueiro-bandido e o marginalzinho da novela o autor colocou um assunto que é de extrema pertinencia e se encontra no documentário CORPORATION. Ele disse algo parecido com, "essa luta ambiental essa discussão de aquecimento global, pode nos ajudar a investir em outros tipos de energias alternativas, esse é o momento". O que os dois crápulas propunham não é nenhuma novidade, a ENRON já fez isso, faliu, arrebentou com a vida de milhares de famílias, mas seus altos gerentes e investidores saíram por cima (já fiz referência a esses dois documentários aqui no blog).
Essa é a minha opinião. Essa é a minha angústia quando vejo palavras de ordens transformarem-se numa falsa luta, aparentemente progressista, por um futuro que está se perdendo nas ruas, nas cidades, nas neuroses urbanas. Na enorme quantidade de veículos nas cidades, nas drogas que consomem a juventude, no banditismo que afetam os jovens porque eles desejam consumir dentro da lógica imposta pelo sistema capitalista, pelas milhares de crianças seqüestradas cotidianamente para prostituição e para o comércio de órgãos humanos.
Espero que não queiram transformar o Dinho em um mártir ambientalista. Dinho lutava por uma causa, o que ele defendia era o mesmo que fez de Chico Mendes também uma vítima. Nem um nem outro eram ambientalistas. Eram sindicalistas, lutavam pela manutenção da floresta em pé, porque é para eles a condição de sobrevivência da população daquele lugar. Espero que não façam com Dinho o que fizeram com Chico Mendes, alteraram por completo o sentido de sua luta. Ele era seringueiro e lutava para impedir que os seringuais desaparecessem pois era deles que o sustento de seu povo era retirado. Sua preocupação pelo futuro era tão somente uma consequência da necessidade de lutar para que no presente eles não fossem privados daquilo que garantia a mercadoria com a qual eles trabalhavam.
Assim também foi o Dinho. Um líder sindicalista, como toda a família Canuto, boa parte dizimada pelo Latifundio. É uma covardia confundir essas lutas. O modelo latifundiário é e sempre foi o alvo na lógica de combate ao sistema capitalista, mas o contrabandista de madeira não necessariamente é um latifundiário, embora possa estar a serviço desses. Mas ele também é parte da estrutura pervertida do sistema capitalista.
Melhor seria então, abandonar o maniqueísmo e procurar entender a lógica que move o capitalismo e por onde ele deve ser combatido. É ilusão imaginar que essa bandeira ambientalista é suficiente para combater esse sistema. Ele incorpora todos esses elementos e transforma palavras de ordem em mercadorias. Como aconteceu com o movimento Hippie, para quem a bandeira da paz era algo descolado de todos seus sentidos ideológicos. Tudo aquilo pelo qual se lutou na década de 60 do século XX, e representava uma contestação ao sistema, foi depois incorporado aos valores capitalistas, completamente manipulados, bem como aqueles que tanto gritaram por uma nova ordem enquadraram-se à lógica do sistema com outra denominação: yuppies.
Iniciamos o século XXI com todos os elementos que nos indicam estarmos caminhando para uma racionalidade medida não mais pela preocupação com as pessoas, mas com natureza. Os chamados créditos de carbonos já indicam o caminho que isso trilharia. Os países ricos se incumbiriam de fazer com que aqueles em desenvolvimento mantivessem áreas verdes, sendo compensados financeiramente, para que dessa forma eles continuassem o seu ritmo de produção industrial, e até crescessem. A crise de 2008 modificou momentaneamente isso, mas toma agora outro efeito. Situamos-nos numa conjuntura em que os países hegemônicos passam por dificuldades financeiras, a quebradeira atinge Estados Unidos e Europa, e eles se vêem diante do dilema de terem que aceitar o crescimento econômico de países que eram por eles explorados economicamente.
A estratégia muda, as táticas são diferentes, mas o sentido de tudo esconde-se por trás da dominação global nas mãos das grandes corporações. Não é preciso ser muito esperto para ver que enquanto a luta popular for direcionada para esse discurso ecológico, o controle que as grandes corporações exercem, e eles se concentram no seu alvo principal, as grandes cidades, se manterá inabalável. Elas se deslocarão dos países em crise, para aqueles com maiores potenciais de crescimento, e seguirá firme a concentração de riquezas e a manutenção de toda a estrutura capitalista. Os mesmos de sempre seguirão dando as cartas, enquanto alteram-se o sentido da luta de antigos setores revolucionários, que esquecem a luta de classes e entregam-se à luta ambiental. Porque isso também lhes garantem um abrigo profissional.
Leio em notícia recente, que o presidente Lula participa de uma campanha para uma ONG global de combate à fome, a Oxfam, na verdade uma confederação que reúne 15 organizações em 98 países. Essa é, para mim, a luta prioritária. E já se sabe que os mais pobres se encontrarão nos próximos anos com um grande dilema, a dificuldade de acesso a alimentos, pois para os ricos o preço não é problema. Mas só isso não é o bastante, ameniza mas não representa o questionamento de uma realidade desigual causada pelo capitalismo.
Dinho, sobrevivente do massacre de Corumbiara, como Chico Mendes, estavam integrados em um movimento de contestação à lógica sistêmica. Defendiam seus direitos, compreendidos pela necessidade de terem a liberdade de explorar as riquezas que as florestas lhes garantiam. Preocupavam-se com a defesa das vidas, e em superar as dificuldades que enfrentavam. Melhorar de vida no presente, para que dessa forma pudessem ter a certeza de que teriam, de fato, um futuro.
São vítimas, os dois, e milhares de tantos outros, da perversidade de um mundo onde para uma minoria tudo é possível, e isso lhe é garantido aqui, agora, neste momento. Enquanto que para milhões de despossuídos, o que lhes é oferecido é a permanente luta por um futuro melhor, enquanto o presente lhe é destruído.

Por fim, é preciso dar um basta a esses assassinatos. É inadimissível que depois de nove anos de dois governos, tidos como dos trabalhadores, tenhamos que assistir uma ministra dizer que não pode garantir a segurança das lideranças ameaçadas de morte. Claro que é possível, basta ter vontade política, criar batalhões específicos em todas as polícias, colocar pistoleiros e mandantes na cadeia e eliminar de vez o ambiente medieval que domina o campo brasileiro, principalmente na região norte do país.



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