sábado, 5 de março de 2011

1997: DOIS PARTOS E UMA PARTE DE MIM QUE FALTAVA

O ano de 1997 foi especial para mim, no dia 05 de março nasceu Ana Carolina. Claro que quatro anos antes, com a chegada do meu primeiro filho, posso também dizer a mesma coisa. Mas dessa vez era diferente. Porque também naquele ano eu via chegar ao ápice um projeto que me consumiu, positivamente, por cinco anos, e ao qual até hoje mantenho forte vínculo. Ali eu pude realizar esse sonho, fruto desse trabalho: publicar o meu livro, o primeiro, baseado nas pesquisas que desenvolvi em meu mestrado, sobre a Guerrilha do Araguaia. Seria também o primeiro livro, a partir de uma pesquisa acadêmica, sobre o tema.

Sempre se diz que a publicação de um livro é como a espera de um filho. Claro, sem as dores do parto, pois essas somente as mulheres possuem tal privilégio. Pois naquele ano, se encerrava todo um processo de adequação do livro e de revisão final, e ao mesmo tempo eu via crescer no útero de minha companheira, em outro parto, uma figurinha que transformaria aquele ano e os próximos dez que teríamos pela frente. Quiséramos nós poder dizer hoje que essa alegria se daria pelo resto de nossas vidas.

A previsão de seu nascimento era para a primeira semana de março. Torcíamos, principalmente sua mãe, para que coincidisse com o dia em que se comemora a luta das mulheres por sua emancipação, o 8 de março. Envolvida nesse movimento, e vindo a se constituir em uma liderança, essa era uma expectativa que, se não angustiava a Celma, era suficiente para criar certa ansiedade. Mas, e não se pode dizer infelizmente, pois que não se pode forçar tal coincidência, o dia escolhido foi o 5 de março.

Nascia, assim, Ana Carolina Oliveira Campos, nossa pequena Carol. Perceberíamos depois, que a diferença de três dias evitou certo simbolismo, mas não deixou de marcar nossa pequena com o jeito de quem compreendia ser esse mundo diferente para as mulheres.

Seu nascimento se deu ainda no prazo necessário para que eu pudesse incluir no início de meu livro uma dedicatória: “A Celma, minha esposa, a Iago, meu filho e a Ana Carolina, minha filha, partes de mim que faltavam”.

Aquele seria um dos anos mais importantes de minha vida. Sempre ouvi dizer, em ditos que são passados das gerações mais velhas, que um homem pode se considerar vitorioso quando planta uma árvore, tem um filho e escreve um livro. Pode-se não considerar mais isso nos dias de hoje, por não ser, digamos assim, “politicamente correto”. Mas não nego que essa frase me motivava e me fazia sentir por completo naquele ano de 1997. Pelo 05 de março, quando nascera Carol e pelo mês de maio seguinte, quando meu livro foi lançado. Toda essa satisfação completava-se, naturalmente pelo fato de eu já ter cumprido o outro requisito, plantado uma árvore. E ido mais longe, com o nascimento quatro anos antes do meu filho

A partir daquele ano já não tínhamos somente uma data para comemorar aniversário, em se tratando dos filhos, mas duas. E, isso era natural, Carol passaria a despertar todas as atenções, por ser a mais nova e por ser menina. Os cinco de marços tornaram-se, obrigatoriamente, dias de alegrias e festas. Lembro-me de uma em especial, quando contratamos uma recreacionista para animar o aniversário. Foi muito divertido, talvez tenha sido a festa que a Carol mais gostou. E aquela pessoa era fantástica. Não conseguimos relembrar o seu nome. Chegou de coletivo, carregada de apetrechos e lá pelas tantas abriu uma enorme serpente de pano que se transformava em um túnel, por onde as crianças atravessavam. Era uma desses saltimbancos, palhaços a irradiar alegria, principalmente entre as crianças. Pelo pouco que recebia pagava-se o seu trabalho com milhões de risadas e divertimentos fáceis.

Minha filha alegrava-se muito facilmente e como toda criança adorava esses momentos. E dentre tantos objetos a lhe proporcionar prazer estava o pula-pula. Ela era incansável naqueles aparelhos e era preciso quase que arrancá-la, pois se deixasse ficaria horas só pulando.

Não temos mais o cinco de março como um dia para ser lembrado com alegria. Desde dezembro de 2007, quando ela se foi aos dez anos de idade. Essa tem sido mais uma das datas a nos proporcionar profundas tristezas. Por mais que nos acostumemos agora a viver sem sua presença física, algumas datas trazem lembranças alegres de seus dez anos em vida, com tal força e um profundo sentimento de saudades por sua ausência, que nos desabamos em tristeza. Resta-nos o caminho do cemitério, para chorar sobre sua lápide.

A mim, para aplacar um pouco a dor por esse enorme vazio, além de poder olhar suas fotos e relembrar de seu sorriso e de seus beijos carinhosos, resta recorrer à blogosfera e transmitir através de cada palavra escrita um sentimento que não cabe somente dentro do peito, no coração. Precisa ser libertado, extravasado, de forma a encontrar olhares amigos com quem podemos compartilhar angústias, desesperos e uma enorme saudade. Para isso me valho do Gramática do Mundo. Em parte para isso eu o criei.

Tenho nos últimos dias me dedicado à releitura de meu trabalho sobre a Guerrilha do Araguaia. Preparo uma segunda edição, revisada e ampliada, incluindo minhas recentes viagens com o Grupo de Trabalho do Ministério da Defesa que procura os corpos dos guerrilheiros. Como já disse em outros artigos, publicados no livro DEPOIS QUE VOCÊ PARTIU, Carol vivia me pedindo exemplares para presentear suas professoras. Demonstrava, assim, o orgulho por ver o nome do pai em um livro, mas para mim era como uma representação de dois partos, vindos à luz no mesmo ano. Traria para o resto de minha vida a lembrança de um ano especial.

Espero em breve poder ter a segunda edição de meu livro pronta. Não mudarei muito as dedicatórias, mas uma frase delas necessariamente eu teria que alterar.

Será uma dedicação especial, e a frase já está saudosamente escolhida:

“Para minha filha Ana Carol, uma parte de mim que se foi”.

Beijos eternos de seu pai, neste CINCO DE MARÇO de 2011, e em todos os outros que ainda me for dado a alegria e a tristeza de poder lembrar-me da minha Carol e do ano de 1997. É o que me resta, na impossibilidade de dizer, “parabéns prá você”.

2 comentários:

  1. Ao amigo Romualdo
    O colo é um modo amigo de demonstrar afetividade, principalmente, entre as pessoas que se amam. Ao amigo Muca, frente ao mundo abstrato, cedo colo e ombro!
    Via de regra partimos primeiro, depois os filhos e, sucessivamente, geração em geração; mas quando parte um filho antecipando aos pais, quebrando a ordem natural das coisas, duas certezas se efetivam: a da corruptibilidade da natureza humana e a da transcendência espiritual, como expectativa a mais, da nossa frágil condição - com ela temos mais alguém distante a nos proteger, a vigiar os nossos passos, que se coloca em posição de acolhimento permanente. Eis que o mundo espiritual vem mais forte, quando somos submetidos à lei absoluta da mãe natureza!
    É preciso construir passo a passo as bases da superação da tristeza abrindo-se espaço para a saudade, posto se tratar de quem foi muito amado. A intensidade do amor que inspirou tanto os momentos alegres como os tristes servirá de aconchego. O ente querido que que ama intensamente deve tentar escutar e sentir - sempre que possível - os reflexos desse amor não somente naquilo que é substancial (mesmo como sendo algo imperceptivel a olho nú), mas tambem em algo transcendental. Ao amigo, minha amizade-fraternal e sinceridade.

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  2. Romuca!!!

    Licença para lhe dirigir carinhosamente com este nome. Mas quero lhe dizer dessa magia de ser pai e que compartilho contigo esse sentimento paternal. Me lembro bem de você com a Carol no IESA e do carinho que dedicava aos seus filhos, assim como eu dedico aos meus pequenos esses momentos. Acho que o sentido mais humano e mais lindo é esse amor que nos faz abrir mão de sermos nós mesmos, ou melhor, se "sermos" verdadeiramente nós mesmos com amor e fraternidade.
    Abraços fraternos a ti meu amigo. Coragem e luta para prosseguir na estrada ou nas veredas da vida

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