A partir dessa data se intensificou o discurso religioso que passou a justificar ações agressivas, não somente daqueles que professam o islamismo de forma radical, mas também por parte de setores cristãos ultraconservadores situados nos Estados Unidos. A última campanha para presidente naquele país foi sintomática desta nova situação, quando elevou-se à condição de nova liderança a candidata a vice-presidente na chapa de John McCain, pelos Republicanos, a ex-governadora do Alasca Sarah Palin.
Desde então, até mesmo como conseqüência da eleição de Barack Obama, esse discurso não somente se consolidou como se ampliou a um extremo, assumindo ares de fascismo. Tanto que levou à criação de um novo grupo político, seguindo esse discurso fundamentalista, descontente com o Partido Republicano considerado pouco eficaz no combate ao pretenso “socialismo” de Obama. Surgiu a partir daí o Tea Party, inspirado no movimento que na época colonial foi responsável pela rebelião contra a cobrança de impostos por parte do Império Britânico que culminou com a Revolução que criou os Estados Unidos da América.
Mas o Tea Party tem pouco a ver com os ideais do início da história dos EUA. Constitui-se em um movimento direitista, de caráter neofascista, que adota um discurso religioso para conseguir angariar seguidores. A base disso tudo é o medo e o resgate ao que é considerado como valores “americanos”, ameaçados pelo excessivo liberalismo presentes nas medidas do governo de Obama. Mais recentemente destaca-se outra personagem, Christine O’Donnell, com discurso ainda mais conservador.
A nova polêmica que envolve este grupo, prestes a se tornar um partido político, diz respeito à um de seus candidatos (ainda concorrendo pelo Partido Republicano) que se deixou fotografar com uniforme nazista. Mesmo com toda a reação, inclusive de judeus do Estado de Ohio por onde concorre, ele se recusou a se desculpar.
Vemos algo semelhante nas eleições brasileiras. Impossibilitados de derrotar a candidatura do governo com um discurso de oposição, em função do alto índice de popularidade do presidente Lula, a discussão em torno dos temas de campanha desviou-se perigosamente para assuntos que circundaram a sociedade brasileira no período anterior ao golpe militar de 1964.
Os velhos discursos moralistas que motivaram a famosa passeata “Marcha da Família com Deus pela Liberdade” e se constituiu em um forte incentivo ao golpe militar de 1964, retornam agora, trazendo inclusive alguns de seus personagens, como os grupos radicais católicos Tradição, Família e Propriedade (TFP) e Opus Dei. Este último claramente vinculado a setores do PSDB paulista e à família do governador eleito Geraldo Alkmin.
Mas um elemento novo é acrescentado àquele discurso ultraconservador: o aborto. Introduzido na campanha de maneira claramente oportunista, porque circulou em panfletos apócrifos através da internet este é um tema que desperta os mais indecifráveis ódios religiosos. Nos Estados Unidos, a luta que se desencadeia entre os que defendem a descriminalização do aborto e os fanáticos religiosos chegaram a situações tão radicais que motivaram assassinatos por grupos sectários e ataques a clínicas que realizam esses procedimentos, autorizados em boa parte dos Estados daquele país.
Uma rápida pesquisa sobre esse tema na internet nos levará a intervenções radicais e quase sempre com um discurso claramente conservador. Apegados a valores tradicionais e a citações anacrônicas que nos levam a mais de dois mil anos, as discussões em torno deste tema carrega muito mais do que a defesa da vida, na medida em que isso é cientificamente falso, mas a valores que envolvem o papel da mulher e à capacidade dela poder decidir sobre os destinos de seu corpo.
Quase todos os dogmas na maioria das religiões submetem a mulher a um papel secundário. Historicamente as mulheres foram afastadas de todas as grandes decisões, notadamente aquelas que envolviam a propriedade e direito de herança. Submetidas propositadamente à insignificância por certo tempo elas também foram acusadas de relações satânicas, bruxaria, mas objetivamente com o intuito de mantê-las completamente dominadas. Isso para não falar da culpa que a mulher carrega em função dos mitos bíblicos que as acusam de seduzir maleficamente o homem e ser responsável por seus desvios de condutas. Adão teria sido sua primeira vítima, segundo conta a lenda.
Ironias à parte existem muito mais irracionalidade nessa discussão do que seria possível imaginar. De tal forma que torna praticamente impossível discutir a questão. Em períodos eleitorais o tema torna-se instrumento nas mãos dos oportunistas, mas assume um caráter perigosamente direitista, porque carrega uma forte carga de irracionalidade e fecha os olhos às questões sociais que envolvem esse problema.
Nas últimas eleições dos EUA esse foi um tema muito explorado e Barack Obama defenestrado raivosamente por grupos cristãos radicais conservadores. De lá para cá esse tem sido um assunto transformado em instrumento eleitoral e junto ao Tea Party fortaleceu o discurso fascista incorporado principalmente no Partido Republicano, mas a exigir um comportamento bem mais conservador daqueles que sempre estiveram à frente desse partido. Obama tornou-se, para esses grupos, a incorporação de satã.
Aqui no Brasil percebe-se que as discussões em torno da questão do aborto, utilizado como arma de campanha, abre as portas para que alguns setores fascistas retornem à vida política e tramem nos subterrâneos bem além do que instiga essa discussão. Evidentemente por traz de tudo isso encontramos a velha luta de classes, aquela mesma dita por alguns sociólogos e cientistas políticos como desaparecida nos anos 90 em decorrência da “crise do socialismo”.
Faz-se do discurso moralista um instrumento de tergiversação, retirando do debate político a condição de o país poder resolver seus problemas sociais e garantir às camadas mais pobres melhorias econômicas e sociais significativas, como vem acontecendo nos últimos anos e demonstrados em dados impossíveis de serem contestados.
Dessa forma, as pessoas são motivadas às escolhas instrumentalizadas por discursos fantasmagóricos e faz do medo, do dogma religioso, a arma a ser utilizada na escolha do voto, incapacitando o eleitor ao uso da crítica social como principal elemento para essa definição. Isso que poderia tornar esse voto mais solidário, coletivo e preocupado com as questões sociais. Os desvios para a abordagem em valores religiosos e tradição conservadora constitui-se no principal mecanismo dos setores reacionários para retomar o poder e realizar suas ações de governos mediante interesses que atendem a esses grupos conservadores e aos que controlam a riqueza no país.
A tentativa de submeter o povo através desses mecanismos não é novidade, tem sido utilizado há milênios. No momento atual, para contrapor a isso somente uma discussão intensa sobre os problemas sociais e a necessidade de garantir às pessoas melhores condições de vida e acesso às riquezas que o país produz. E para isso, necessariamente, é preciso saber comparar não somente as melhores propostas através do discurso, mas na prática que foi aplicada por governos anteriores. Reanimar a memória e comparar, por exemplo, o Brasil dos anos FHC e o Brasil dos anos Lula, e poder descobrir entre Serra e Dilma as razões para se escolher um lado.
Romper esse terrorismo moralista e fazer as pessoas abrirem os olhos às armadilhas que os grupos conservadores estão armando é o desafio que está posto para quem tem uma consciência crítica e defende os verdadeiros valores baseados na justiça social e de resgate da cidadania do povo brasileiro. Inegavelmente isso que O Brasil passou com governo Lula só se consolida com a eleição de Dilma Roussef. O risco da eleição de Serra representa um atraso enorme no caminho de desenvolvimento que o nosso país está trilhando.
Para finalizar cito uma frase do escritor e poeta Eduardo Galeano, para reforçar esse alerta: “A história é um profeta com o olhar voltado para trás, pelo que foi, e contra o que foi, anuncia o que será”.
Saiu no o Globo, aquele jornal do PiG, que o PT e Dilma Rousseff vão assinar cartas de compromissos com os evangélicos prometendo vetarem o aborto e o casamento gay. Se isso for verdade, e parece que infelizmente o PIG não está mentindo, será a demonstração não só da traição do PT às minorias que o apóiam, mas o endosso da idéia de que os religiosos tem um grande poder nas decisões políticas, o afastamento do Estado enquanto instituição e laica e a imposição de valores religiosos aos grupos que neles não acreditam.
ResponderExcluirFrase bem dita. A propaganda que se vê na mídia é o retrato fiel de um passado que não queremos mais.
ResponderExcluirÓtimo texto, você sempre se supera.
Bj