Mas não estava longe o bastante que me tirasse do mundo real, daquele em que as teias que nos envolvem nos mantém permanentemente atentos e sempre dispostos a procurar intervir de alguma maneira. Devemos ser, na medida em que adquirimos a capacidade de entender as contradições e ver a vida sempre criticamente, agentes ativos que não só compreendem, mas que tornam-se partícipes em momentos cruciais a determinarem transformações radicais no ambiente em que vivemos. Neste mundo real.
E é dele que quero falar e o que direi será impactante, porque não é usual. E certamente desta vez eu irei de encontro a valores tradicionais, motivado pelo embuste que se tornou o processo eleitoral brasileiro. Pela onda de hipocrisia, comportamentos medievais e pela reação de uma multidão de mentes anestesiadas por aquilo que Richard Dawkins denomina de “o vírus da fé”, que “infecta geração após geração e torna-se uma arma mortal de intolerância em todo o mundo” (http://www.youtube.com/watch?v=LzXAaY9TWek).
No meu texto anterior, a que eu denominei de “o novo fundamentalismo” eu abordei em parte esta questão. Foi interessante perceber como no decorrer da semana o assunto entrou de vez em discussão tanto pelos meios de comunicação tradicionais, como pela internet, via emails e blogs.
Fico feliz em ter me antecipado e perceber que a leitura que faço, através daquilo que denominei Gramática do Mundo, se demonstra correta. Não é suficiente olhar o mundo tal como ele nos é mostrado, seja pelas belezas que ele possui ou pelas desgraças que acontecem. É preciso descer ao limite de suas contradições para entender quais os mecanismos que o movem e de que são feitos as emoções, atitudes e escolhas do ser humano.
Não quero desrespeitar os que têm suas crenças, fé e seguem uma religião. Apenas manifesto uma outra posição, dos que não crêem em divindades e não professam nenhuma religião.
Já de há muito tempo venho me batendo contra o crescente domínio das visões fantasmagóricas de mundo, e abertamente me escandalizado com o aumento do número de pessoas que se submetem cotidianamente a uma absurda lavagem cerebral. Nunca o mundo foi tão dominado pelo medo. Este passou a se constituir o principal mecanismo de controle e de determinação de modos e estilos de vida das pessoas.
Os anos 90 foram responsáveis por trazer à tona, juntamente com as novas idéias (neo)liberais dois elementos que definiram a maneira como dali em diante faríamos uma leitura dos nossos comportamentos. O crescente individualismo, em contraposição a uma derrota que se propunha coletivista, e a isso se completava o crescimento de uma enorme quantidade de lixo literário denominado de “auto-ajuda” (que vem a ser a maneira mais idiota de se acreditar que se está superando algo sozinho quando se está lendo sugestões de um indivíduo e sendo acompanhado por milhares de outros pobres solitários a enriquecer alguns experts em dar conselhos para desesperados cidadãos consumistas, estressados ou sem-dinheiro).
O outro, vem na esteira deste, porque está fundamentado no individualismo, e numa auto-ajuda fortemente inspirada em uma mãozinha que deva ser dada por deus. Você irá vencer por si próprio, mas se você não acreditar em deus, de nada lhe adiantará. Devo assim dizer que é uma auto-ajuda divina. Segue-se assim a velha lógica protestante, calvinista, segundo a qual você não deve se preocupar se enriquecer mais do que os outros. Deus definiu o seu futuro assim, não se envergonhe. A não ser que você não “creia”. É de bom grado não se esquecer de se esforçar para ser merecedor de tamanha confiança. Tu, porque o outro, ao seu lado (a maioria, aliás), não foi merecedor e “só deus sabe porque”. Tal qual aquele jogador que faz um gol e ergue os braços aos céus admitindo: “sou um abençoado, obrigado, meu deus”. Ora, e os demais, porque não foram também?
Tudo isso são perguntas tolas para crenças fantásticas e absurdas, em nome das quais se praticam todos os tipos de crimes e guerras, desde que um indivíduo mais esperto do que os demais percebeu o quanto seria importante e lhe garantiria poder controlar as pessoas por suas consciências. Fazê-las temerosas de fatos e coisas difíceis de serem compreendidas e, acima de tudo, temerosas da morte.
Se contabilizados, os genocídios e guerras na história da humanidade se deram em sua ampla maioria em nome de crenças, criadas, tanto quanto seus deuses, por indivíduos obcecados por riqueza e poder, não necessariamente nesta ordem. E assim, manipulando os indivíduos pela consciência e os paralisando pelo medo, principalmente pelo medo das punições a serem dadas ironicamente por seus deuses, o ser humano tornou-se extremamente vulnerável e facilmente sujeito a manipulações, principalmente quando este recurso é utilizado com o objetivo de conduzir, induzir e controlar multidões.
No final da Idade Média uma revolução opôs o domínio das mentes perpetrado pela Igreja e prometeu um mundo onde o centro do universo não seria mais deus, e sim o ser humano. O iluminismo foi esse movimento que resgatou da antiguidade o discurso da materialidade e do valor do ser humano, opondo às crenças fantásticas o conhecimento, o saber e a cientificidade do mundo.
Contudo, a elevação do ser humano à condição de centro de tudo, alterou no limite a capacidade do “homo sapiens-sapiens” de produzir deuses e os tornarem seus servos no objetivo de concentrar poder e riqueza. Invertendo-se a lógica, o homem se externalizou à natureza em si e pôde com autoridade continuar a criar seus deuses. E o pior de tudo, suas religiões.
Ora, como pode o ser humano ser causa e conseqüência de um mundo conduzido por idéias absurdas e governado pelo fundamentalismo religioso? Sendo ele o criador e a criatura. O homem fez de deus um instrumento de seus mais perversos desejos, da ambição, da ganância e da usura. E transformou o mundo em um espetáculo de beleza e maldade, de imagens odientas e bondades, de valores invertidos pretensamente explicados por uma predestinação divina. E assim manteve sob controle uma multidão de incautos, conformados com a miséria e esperançosos de se verem atendidos pelos céus em algum momento. Senão, será deles esse reino para além da morte. Pois que não seja aqui, será em outras improváveis vidas.
Mas hipocritamente, enquanto muitos morrem segundo a lógica construída a partir desse raciocínio que move o mundo, a gritaria se dá em torno de fetos, alçados à condição de seres vivos. São tanto quanto as milhões de células que habitam nosso corpo.
Enquanto isso, nas ruas, favelas, morros, nos campos de batalhas, nos miseráveis casebres infestados de ratos e baratas, nas aldeias abandonadas pelos deuses na África de tantos deuses, crianças mal ultrapassam os cinco anos de idade e sucumbem diante dessas desgraças. Muitas que sobrevivem a essas idades tornam-se reféns das drogas, ou são seqüestradas para tornarem-se escravos e escravas do sexo, a infestar o submundo do crime e a satisfazer os gozos de crentes e descrentes. E morrem aos milhares a cada dia.
Do alto de seus pedestais bem sucedidos executivos, filhos(as) de “boas famílias”, enriquecidos em um sistema cuja lógica consiste em assaltar o futuro dos mais pobres, clamam em nome de deus contra a morte de “criancinhas”, adjetivo dado a um óvulo que mal recebeu um espermatozóide e em pouco tempo de fecundação já tem seu futuro garantido por esses obsequiosos reverendos da moral hipócrita.
Forçados ou não, feitos com intenção ou decorrente de situações mal-resolvidas, o fato é que as igrejas, todas elas, são ocupadas por várias mulheres que já se viram nesta situação. Isso não as fazem diferentes, ou sequer criminosas. Mas correm elas os mesmos riscos de serem apedrejadas, tal qual se diz de Maria Madalena, aquela mesma riscada da história do cristianismo, seguramente para retirar da mulher qualquer papel decisivo na formulação de valores e da vida, elementos que ela por natureza carrega com muito mais autoridade do que o homem. E, por isso, naturalmente, deveria ser a primeira a definir o que fazer com o seu próprio corpo, e a condição que ela teria de garantir ou não a existência de um novo ser a preservar sua espécie, e se está devidamente apta para tal.
E seguimos nossa bela cultura ocidental, a mirar nossos dedos sujos em direção ao oriente, acusando de fanatismo os islâmicos que defendem a submissão do Estado aos interesses de seu livro sagrado,o Alcorão. E nos vemos diante do que? Como a seguir a velha e hipócrita democracia, elegem-se os crentes e carismáticos, a representarem o “povo de deus” e a escrever na constituição brasileira os valores que são passados por outro livro sagrado, a Biblia, escrito há milênios em um mundo completamente diferente do que se vive atualmente, mas cujas frases são repetidas ad nausean, a guiar o Estado em seus costumes e tradições eternamente. Como a confirmar as palavras de Engels, que dizia: “a tradição é uma força freadora do progresso”.
Isso difere apenas na forma, daquilo implementado por países teocráticos. Na essência é o mesmo mecanismo de impor através das leis do Estado valores que são criados seguindo dogmas que dizem respeito apenas a uma parcela da população. E ao tornarem-se leis, elas impõem que a parcela restante respeite o que passa a ser constitucional como um dever, desrespeitando-se o direito de escolha de se ter ou não ter religião.
Diante do vendaval de moralismos e de comportamentos hipócritas que tomou a sociedade brasileira como resultado do oportunismo eleitoral me coloco diante do tribunal inquisitório e me declaro ateu. E afirmo, que não é necessário professar nenhuma religião, ou acreditar em deuses, santos, budas, gnomos, duendes, bruxas, elfos, saci-pererê ou o que quer que seja, para adotar uma vida honesta, baseada em virtudes que aprendemos também com algumas religiões, mas que podem ser professadas independentes delas.
Basta abstrair o ódio, o rancor, o desejo de se impor perante o outro, a usura, a ganância, o individualismo, e simplesmente acreditar que “é preciso amar as pessoas como se não houvesse amanhã” (Legião Urbana).
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