Gostei do convite porque me deu a oportunidade de me aprofundar em um tema que tem uma extrema relevância, mas que está carregado de simbolismo e ideologia. E, porque coincide também com a proximidade de duas eleições extremamente radicalizadas, embora em níveis diferenciados: Brasil e Venezuela.
Como expositor participou um representante do Itamaraty, especializado na área de Comércio latino-americano. Embora importante as suas observações, apontando os avanços principalmente no financiamento brasileiro em obras de infraestrutura entre o Brasil e demais países com quem temos limites fronteiriços, julguei uma intervenção exclusivamente pautada por elementos econômicos, de certa maneira excessivamente técnica.
Mas não acho esse o melhor olhar sobre a América Latina. Qualquer que seja a abordagem a se fazer sobre as transformações que esse continente vem passando nos últimos anos, ela deve partir das transformações políticas que levaram a alterações significativas nos rumos de países que por muito tempo ficaram hipertrofiados em seus desenvolvimentos, em decorrência da existência de governos ineptos e fortemente submissos aos interesses dos Estados Unidos.
O século XXI trouxe novos ventos à América Latina. Uma sucessão de governos em países como Brasil, Argentina, Bolívia, Equador, Venezuela, Nicarágua, Uruguai, Paraguai, dentre outros, passaram a adotar políticas antineoliberais e impulsionaram fortemente o Estado em direção ao estabelecimento de políticas voltadas para um novo tipo de desenvolvimento.
Além disso, a forte sinergia que passou a existir entre eles possibilitou, concretamente, a consolidação de antigas aspirações bolivarianas, da integração latino-americana. E isso avançou não somente com o Mercosul, mas com a criação da Unasul, firmando objetivos que visavam tornar esses países menos dependentes dos Estados Unidos, disparadamente a maior economia do continente americano, apesar de estar atolada em uma enorme crise econômica.
Mas avancei em outro elemento que considero crucial para explicar o sucesso da integração latino-americana. A existência de uma liderança capaz de garantir que os nossos vizinhos não nos olhem com a desconfiança costumeira, chegando-se ao ponto de em certos países o Brasil ser considerado imperialista, em função do forte desequilíbrio econômico que existe.
Acredito que o protagonismo de Luis Inácio Lula da Silva foi um elemento fundamental para o sucesso dessas mudanças que ocorrem na América Latina. É claro que devemos também ressaltar a aplicação de uma política externa extremamente competente, não somente em relação ao nosso continente, mas também ao resto do mundo. Tudo isso comprovado pela mudança da imagem do Brasil no exterior e do reconhecimento da capacidade de Lula em aglutinar em torno de si todas essas novas lideranças que despontaram por aqui nos últimos anos.
Isso se confirmou também no aumento das exportações brasileiras para praticamente todos os países, especialmente os da América Latina, bem como no papel que tem desempenhado o Banco de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e o Banco do Brasil, no financiamento de obras estruturais tanto nas fronteiras, como garantindo aportes a empresas privadas seja do Brasil ou de outros países do continente, no sentido de reforçarem suas infra-estruturas e o comércio. Isso se deu tanto através dos acordos firmados pelos blocos criados, como em negociações bilaterais, reforçando as relações políticas entre praticamente todos os países do continente, à exceção da Colômbia.
Nesta e na outra semana viveremos um momento de avaliação dessas políticas, através de duas eleições marcadas por forte radicalismo. Apesar da forma traiçoeira como essas eleições tem sido noticiadas pela mídia, tudo indica que os rumos não serão alterados, e tanto aqui quanto na Venezuela o povo votará favoravelmente à essas mudanças, mantendo na condução do governo brasileiro um braço forte de Lula, e naquele país a garantia da maioria parlamentar de apoio ao governo Chavez.
Essas eleições, e as demais que deverão acontecer noutros países, tornam-se essenciais para comprovar os acertos que esses governos tem feito, muito embora incomodem raivosamente uma elite dominante que por muito tempo manteve o controle desses estados, governando sempre a favor dos mais ricos e a serviço dos interesses das corporações estadunidenses. O resultado pode ser visto nos índices econômicos e na desigualdade social, herança perversa dos governos neoliberais, que passaram a reduzir neste século, fruto da aplicação de políticas neo-keynesianas de forte incentivo à pequena economia e ao mercado interno, naquilo que Fernand Braudel chamava de “economias inferiores”, escoradas na preponderância do papel do Estado.
Todas essas ações resumem-se em um aspecto que jamais pode ser esquecido. A necessidade de os países latinoamericanos reforçarem-se tanto econômica quanto políticamente, a fim de garantir algo que sempre foi muito caro a esses países: a soberania nacional. Isso significa manter permanentemente um olhar estratégico sobre suas riquezas e fronteiras, e jamais descuidar das políticas agressivas de outros países que sempre trataram esse continente como uma extensão de seus domínios territoriais.
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