domingo, 12 de setembro de 2010

A QUESTÃO NUCLEAR E A POLÍTICA EXTERNA BRASILEIRA


Este texto foi escrito para Seminário realizado na PUC-GO, para alunos de Relações Internacionais, Sociologia e História, no dia 10.10.2010.

Talvez pela minha formação de Historiador, mas também devido à base marxista que definiu minha maneira de ver o mundo, utilizando o materialismo dialético como metodologia para compreender as transformações que se sucedem ao longo da história, sempre procuro analisar quaisquer fatos a partir de uma rede de eventos e(ou) situações que possam me dar uma visão de totalidade diante daquele problema que estou analisando.

Essa temática que estamos tratando não é nova. Na verdade ela foi definidora das estratégias adotadas pelas duas grandes potências que protagonizaram a Guerra Fria, durante mais de 40 anos. O equilíbrio entre A URSS e os EUA dependia da capacidade que um e outro apresentavam de construir armas nucleares capazes de atingir seus alvos em pequenas frações de tempo, a depender da distância. Mas não havia limites para esse alcance, na medida em que por todo o globo terrestre as disputas territoriais eram completadas com a instalação de bases militares que possibilitavam a uma ou outra potência atingir seu inimigo.

Durante todo esse tempo, em que perdurou a guerra fria, o que percebemos foi uma constante tentativa de ameaças por partes dessas potências escoradas em suas capacidades armamentistas, notadamente o poder que possuíam em termos de tecnologia militar nuclear.

O fim dessa bipolaridade, com o desmonte do bloco socialista, criou uma nova correlação de forças após um período de instabilidade, gerado pela necessidade de os novos Estados-Nações que surgiram a partir daí, se acomodarem geopolíticamente. Uma complexa e pouco noticiada engenharia política se estabeleceu com o intuito de se fazer uma repartição do aparato nuclear que existia na extinta União Soviética.

Várias negociações e acordos, somente acessíveis aos órgãos de inteligências de poucos países, foram assinados para possibilitar a transferência de inúmeros artefatos nucleares que se encontravam nas antigas Repúblicas Soviéticas para a Rússia. E, no bojo desse movimento, alguns tratados foram sendo feitos e/ou sendo acrescidos de novos protocolos, para atender agora à uma nova realidade geopolítica, caracterizada não mais por uma bipolaridade, mas por uma multipolaridade que muitas vezes se confundiu com unipolaridade, devido à enorme distância do potencial bélico e nuclear dos Estados Unidos em comparação com as demais nações. Muito embora tenha crescido de forma acelerada o poder militar da China e a recuperação da Rússia.

O ano de 2001 tornou-se paradigmático, em termos de alterações nas tensões geopolíticas mundiais. Eu diria que o atentado ao World Trade Center despertou as mais perversas sensações bélicas dos EUA, diante da necessidade de atender a duas demandas: a da energia, com o controle de regiões importantes para a obtenção e criação de rotas de deslocamentos de óleo e gás; e por outro lado, pela necessidade de se ampliar sua capacidade de comercialializar armamentos cada vez mais sofisticados em um mercado que se tornaria muito mais atrativo para esse setor, com a crescente insegurança gerada pela irresponsável “Guerra ao Terror”.

Mas pode-se também dizer que se abriu a caixa de Pandora a partir do fatídico 11 de Setembro, que completou este mês nove anos. Na medida em que o “equilíbrio” de forças foi rompido, por muitos países pipocaram uma infinidade de conflitos, potencializados pela ação de grupos treinados e armados por mercenários surgidos com o fim da “guerra-fria”, além do crescimento, paradoxalmente, da Al Qaeda, que passa a se constituir em uma franquia que espalha-se por aquelas partes do mundo mais fragilizadas, principalmente naqueles países cujo processo de descolonização deixaram feridas mais difíceis de serem cicatrizadas.

O mundo tornou-se mais vulnerável, quando a iminência de uma guerra ao terror prometia torná-lo mais seguro. Fez crescer enormemente o comércio e contrabando de armas, e a aceleração tecnológica tornavam-nas cada vez mais sofisticadas e rapidamente superadas, praticamente descartáveis. A terceirização da guerra surge como mais um novo elemento descortinado nesses novos tempos de absoluta insegurança, e ao mesmo tempo de fortalecimento da “indústria da segurança”. O medo e o terror passam a se constituírem em políticas de determinados governos, interessados em investir nesse poderoso mercado, tendo à frente os EUA e a péssima imagem do então presidente Bush Jr.

Nesse ambiente de “caos” internacional, gerado tanto pela (des)ordem mundial pós-guerra fria, como pela ineficiente mas brutal “guerra ao terror”, algumas transformações que eu chamaria de “efeito colateral” vão se destacando. A incapacidade de os EUA cumprir seus objetivos belicistas no tocante à eliminar um inimigo invisível; a instabilidade que se espalha em parte considerável da África, principalmente em uma região estratégica no golf de Aden, denominada “Chifre da África”, palco de uma série de ataques piratas a navios cargueiros importantes e adentrando na África praticamente por toda a região chamada de Sahel, uma região que corta o meio-norte da África formando um corredor desde o Oceano Atlântico até o Mar Vermelho; a radicalização da política segregacionista do governo Israelense; e as dificuldades encontradas pelo Exército mais poderoso do mundo, cercado de aliados, para eliminar milhares de focos de resistências espalhados pelo Iraque, Afeganistão e Paquistão.

No meio de tudo isso, certamente ainda como conseqüências do onze de setembro e das ações belicistas estadunidense uma grave crise econômica que surge nos EUA e irradia pela Europa e por praticamente todo o mundo. Uma bolha financeira, fruto da ganância expressa na especulação do mercado financeiro, especificamente no mercado de imóveis, apenas detona uma situação que já vinha se arrastando desde a queda do símbolo da pujança capitalista virtual, o World Trade Center.

Com a crise econômica, mais os revezes na frente de batalha, em função da infrutífera tentativa de ocupação principalmente do Afeganistão, mas também diante das dificuldades no arrasado Iraque ainda com forte insurgência, cai o frágil e desmoralizado governo Bush, abrindo-se a possibilidade para algumas correções de rumo com a eleição de Obama.

O cenário, contudo, já não dizia mais respeito às dificuldades nesse lado do mundo. Na América Latina também se descortina um novo horizonte, com eleições de governos que fogem do padrão obsequioso que marcou a presença de vários governos subservientes. O século XXI se inicia com uma mudança radical na política internacional latino-americana, que vem a somar-se ao estrepitar das fissuras que atingem o império estadunidense.

Brasil, Argentina, Venezuela, Bolívia, Equador, Paraguai, Uruguai, e tantos outros países, desde o sul até o Caribe, passam por transformações mais ou menos radicais, mas com um aspecto em comum, o desalinhamento automático com as políticas dos Estados Unidos. O destaque maior, obviamente, vai para o Brasil e a figura do presidente Luis Inácio Lula da Silva, cuja presença na política internacional tem sido fortemente marcada por uma competente ação do corpo diplomático brasileiro, que possibilitou uma forte guinada na maneira como o Brasil sempre foi visto pelo mundo afora.

Seguindo uma linha de manter-se independente das amarras costumeiras aos Estados Unidos, a política externa brasileira procurou ao longo desses últimos sete anos do Governo Lula estabelecer um forte protagonismo não somente na América Latina, como também na África, Ásia, Oriente Médio e Europa.

Um destaque deve ser dado: as ações da diplomacia brasileira, aliada à Turquia, no sentido de buscar uma solução pacífica para um problema que se arrasta há vários anos, e por que não dizer há décadas, o programa nuclear iraniano.

Sabe-se que os Estados Unidos não prima sua política externa pela concessão, e sim pela pressão extrema à submissão. São infindáveis os casos cujos resultados foram a truculência militar como forma de se impor diante de alguma Nação que eventualmente ouse fazer frente ás decisões daquele país, ou a tomar decisões soberanas em questões que possam significar riscos á hegemonia que ele ainda detém no mundo. Há aí, do ponto de vista geopolítico, uma própria necessidade de sobrevivência enquanto potência hegemônica. Chega-se a um ponto em que qualquer tentativa de algum país se impor regionalmente, contra os interesses imperialistas, passe a significar de alguma maneira uma afronta e alardeada como atos hostis e potencialmente terroristas.

Secretamente age mediante dois mecanismos conhecidos nos bastidores da espionagem. De um lado com os chamados “assassinos econômicos”, agentes que atuam disfarçados de CEO, executivos de grandes corporações, ou profissionais técnicos como engenheiros, economistas, cientistas etc, com o objetivo de criar algum tipo de crise política ou econômica, em determinado país que esteja dificultando as ações de setores que defendem os interesses estadunidenses. De outro lado, na possibilidade dessa estratégia falhar, entram em ação os chamados “chacais”, assassinos especializados em eliminar lideranças destacadas, principalmente chefes de governos, forçando por uma forma mais radical as mudanças que venham a interessar aos Estados Unidos. Assim se deu também em relação ao Irã, quando o governo de Muhammad Mossadegh adotou uma política nacionalista e estatizou as principais empresas de extração petrolífera, em sua maioria britânicas e estadunidenses. Um golpe em 1953 com a clara participação dos Estados Unidos impôs ao povo iraniano o governo autocrático do Xá Reza Pahlevi até que a revolução dos turbantes, comandada pelo Aiatolá Khomeini derrotou o regime pró-ocidente e deu uma virada na política iraniana, com o estabelecimento de um estado religioso fortemente escorado no Alcorão.

Na contramão de tudo isso, a política externa brasileira, buscou ocupar espaço através de uma ação baseada no diálogo. Além de focar na ampliação da influência econômica, abrindo novos mercados para os produtos brasileiros, outros objetivos foram fortalecidos. Um deles era, como continua sendo, garantir um assento permanente do Brasil no Conselho de Segurança da ONU. O presidente Lula mantinha em sua agenda esses dois objetivos, abrir espaços econômicos e ampliar o espaço de influência do Brasil na Organização das Nações Unidas.

Contudo, outras questões de natureza política com elementos mais complexos, fez com que a diplomacia brasileira entrasse em campo no sentido de tornar-se protagonista da tentativa de conseguir um acordo que garantisse ao Irã enriquecer urânio a fim de ser utilizado como fonte de energia, bem como na medicina. Em articulação com o primeiro-ministro turco Recep Tayyip Erdogan, e obtendo a aceitação do presidente do Irã Mahmud Ahamadinejad, firmaram o acordo que seria semelhante ao que fora tentado meses antes pela Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA).

Assim “o Irã, que deseja urânio enriquecido a 20% para o reator de pesquisa de Teerã (construído para o xá com tecnologia dos EUA) produzir isótopos de uso médico e científico, enviaria 1,2 mil quilos de seu estoque de urânio enriquecido a 3,5% para a França ou para a Rússia em troca de 120 quilos de urânio a 20%” (revista Carta Capital, nº 597, maio de 2010).

Mas a reação que se seguiu, ato contínuo, foi de tentar mundo afora descaracterizar o acordo sob vários argumentos, dependendo da caráter ideológico por trás. Os EUA, através da Secretária de Estado, Hilary Clinton, cuja aparição logo após o anúncio do acordo entre Brasil-Turquia-Irã, deixa uma clara impressão de uma noite mal-dormida. A ressaca, contudo, foi empurrada neurônios abaixos através do Conselho de Segurança, com novas propostas de sanções contra o Irã. O argumento principal para a não aceitação era que a quantidade de urânio em fase de enriquecimento existente no Irã é bem maior do que aquela que o acordo propõe deslocar para a Turquia.

Contudo, nos subterrâneos da diplomacia e na luta renhida que se trava nos bastidores da geopolítica mundial é sabido que os problemas são outros, de diversas naturezas. Em primeiro lugar, as grandes potências que compõe o restrito clube atômico, e que dominam o cenário geopolítico mundial, dificilmente aceitariam um novo protagonismo na cena internacional, transferindo para países emergentes a condição pela qual a paz e acordos internacionais seriam estabelecidos.

Em segundo lugar trata-se de manter sob controle a tecnologia nuclear, amarrando os países que estão fora desse clube através do Tratado de Não Proliferação Nuclear, e principalmente com o Protocolo Adicional, pelo qual os inspetores da AIEA poderiam fazer visitas surpresas a todos aqueles países onde existam tecnologias suficientes para realizar o enriquecimento de urânio, independente disso está sendo realizado para fins pacíficos ou não, num claro atentado à Soberania Nacional.

Naturalmente, a posição do Brasil diz respeito à defesa de sua soberania, e a doção de uma política de busca de alternativas energéticas em função de seu rápido crescimento econômico. Além do que, torna-se inconcebível o fato de um tratado que surgiu com o intuito de eliminar as armas atômicas, não tenha atingindo esse objetivo mais de quarenta anos depois. Apesar dos acordos bilaterais, entre EUA e Rússia, visando reduzir o arsenal nuclear, sabe-se que a quantidade de ogivas existentes nas mãos desses países, somando-se ao demais, China, França, Inglaterra, e correndo por fora Coréia do Norte, India, Paquistão e Israel, que não são signatários do Tratado, seria suficiente para destruir a humanidade mais de cinco vezes.

Portanto, a leitura que devemos fazer da Política Externa Brasileira e da questão nuclear, passa por uma análise criteriosa de todo o quadro geopolítico mundial. As disputas que estão em jogo no controle de territórios ricos em produtos minerais imprescindíveis para gerar energia necessária para o desenvolvimento industrial, seja petróleo, óleo ou outros minérios de importância estratégica para a indústria tecnológica e a militar em especial, determinam os interesses por trás dos acordos e sanções estabelecidas. De outro modo, a necessidade de se manter a hegemonia das políticas internacionais forçam as grandes potências a fecharem-se de tal forma a impedir que tenham acesso a um seleto grupo potências emergentes que possam ameaçar essas condições.

O jogo do poder é mais complexo do que a elaboração de acordos que envolvam atores tão díspares e que representam uma tacada de mestre nas relações políticas internacionais. Sun Tsu, há mais de dois mil anos, já escrevera sobre como determinadas estratégias podem ser minadas pela força e poder do seu oponente.

É esperar para ver qual a próxima peça do tabuleiro de xadrez será mexida.



Fotos deste post:
1. Símbolo atômico - pbrasil.wordpress
2. Mísseis nucleares da antiga URSS: pbrasil.wordpress
3. World Trade Center, 11.09.2001 - Reuters
4. Guerra no Afeganistão - 09.2001 - O Globo
5. Mapa da África - Revista Escola (web)
6. Símbolo da UNASUL - pbrasil.wordpress
7. Livro Confissões de um assassino econômico - Ed. Cultrix
8. Chefes de Estado Brasil - Turquia - Irã - Foto Uol.
9. Usinas nucleares no Irã - Defesanet
10. Logomarca da Agência Internacional de Energia Atômica - pbrasil.wordpress
11. Arsenal Nuclear no Mundo - Defesanet
12. Irã e o jogo de Xadrez nuclear - pbrasil.wordpress

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