domingo, 23 de janeiro de 2011

A REVANCHE DA NATUREZA

“...não nos regozijemos demasiadamente em face dessas vitórias humanas sobre a Natureza. A cada uma dessas vitórias, ela exerce a sua vingança”. (F. ENGELS)


Há cinco anos, quando estive na presidência da (Adufg (Associação dos docentes da UFG), na edição da Mostra Multicultural Milton Santos, simpósio que realizávamos bianualmente, sugeri que o tema fosse esse do titulo que encabeça esse artigo. Minha referência, para essa sugestão, foi exatamente a leitura da obra de Engels (segue o link abaixo ao fim do artigo)*. Mas foi também em função de vários eventos violentos, em especial o tsunami que varreu o sudeste asiático.

Como sempre acontece, essas catástrofes são acompanhadas de uma repercussão tão, ou mais, espetacular do que o próprio evento. Embora seja logo esquecido. Principalmente porque a mídia tradicional vive disso, da espetacularização da notícia, da dramatização dos acontecimentos, de forma a envolver os espectadores e elevar seus índices de audiência. Mas ela tem também seus pontos positivos e falarei deles depois.

Dentre as palestras que realizamos naquela edição da Mostra, uma foi especial. Tivemos a satisfação de contar com a presença do professor e pesquisador renomado da Geografia, Aziz Ab’Saber. Sua palestra foi tão disputada que precisamos colocar um telão do lado de fora do auditório. Tudo isso, consequência do conhecimento que se tem a respeito da excelência dos trabalhados dele, aliado à atração que o tema em si já proporcionava.

Lúcido e apresentando a competência de sempre, apesar de quase centenário, Ab’Saber discorreu com precisão sobre a temática proposta e teceu críticas à maneira como as cidades crescem desordenadamente e às razões que levam a esse tipo de situação.

De lá para cá, em meio a inúmeras tragédias que se repetiram com enormes semelhanças, outros especialistas apontaram as mesmas causas, e a convicção de que as conseqüências seriam praticamente as mesmas, em tempo e espaços diferentes.

CRÔNICA DE UM DESASTRE ANUNCIADO

Resta-nos, portanto, constatar que tudo do que se vê nessas catástrofes já tem a assinatura da incapacidade dos gestores (principalmente nos municípios) em lidarem com o planejamento urbano. Notadamente naquelas áreas menos valorizadas, em situações de riscos de ocupação, que, exatamente por essa condição terminam por ser as mais procuradas pela população pobre para construir habitações frágeis, na medida em que estão livres da especulação imobiliária. Pelo menos até começar a receber infraestruturas urbanas. Infelizmente segue uma “lógica” sistêmica.

São casos os mais variados, mas todos eles carregam em si a irresponsabilidade de se erguer habitações em lugares que, sabidamente, correm riscos de serem atingidos por fenômenos típicos de uma realidade que sempre fez da natureza uma somatória de eventos que demonstra toda a dinâmica que a envolve.

Embora essa não seja uma regra geral, na medida em que pessoas com ganhos razoáveis buscam também construir casas de veraneios, ou sítios, em regiões bucólicas. Em muitas dessas áreas também são erguidos hotéis e pousadas, que visam atrair um público saudoso de ambientes diferentes do estressante cotidiano das grandes cidades.

Mas, a região Serrana no Estado do Rio de Janeiro, embora com uma paisagem belíssima, está permanentemente sujeita a deslizamentos de terras em função da sua geologia. Naturalmente, situações como as que ocorreram esse ano, podem se repetir a qualquer momento em que as chuvas acontecerem intensamente, e não só ali, mas mesmo em outras áreas com características semelhantes. Como já aconteceu, por exemplo, no Vale do Itajaí, em Santa Catarina e que já começa a se repetir. Bem como em São Paulo, em várias cidades, Mauá, especialmente, e aqui no Estado de Goiás, na antiga cidade de Goiás. Senão deslizamentos, enchentes de graves proporções arrastam quarteirões inteiros e vitimam dezenas de pessoas.

(Veja mais informações no site: http://www.geologo.com.br/)

A Natureza não é estática, ela está em permanente mudança e sujeita a intempéries causadas pela dinâmica que a torna dialeticamente contraditória. Independente da ação humana, mas potencializada por ela. É a somatória de todos esses absurdos, entendendo-se essa palavra em seu sentido etimológico, que faz da Natureza um eterno ciclo da vida (nascer, crescer, morrer; mesmos compreendendo essas palavras metaforicamente).

O que se pode dizer, sem ser necessariamente profeta, é que esses eventos continuarão a acontecer, independente de qualquer polêmica que veja nisso efeitos de um “aquecimento global”, já que nem mesmo isso é consensual e provoca intensos debates entre cientistas do mundo todo. Pressupõe-se, inclusive, que essas tormentas nada tenham a ver com “aquecimento global”.

Mas, obviamente, entra em discussão aquilo que é da essência do texto de Engels, escrito no século XIX, e também fez parte da abordagem citada de Ab’Saber. O crescimento das cidades, hoje seguramente o principal problema que afeta a humanidade (ver também entrevista de David Harvey no site Carta Maior: http://www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=17303), acontece seguindo uma lógica do sistema capitalista, e o expansionismo urbano ocorre tanto como decorrência do forte deslocamento da população rural, como da necessidade de valorização do uso do solo, a fim de atender à especulação usurária que é a marca do modelo de sociedade em que vivemos. E, principalmente, como já disse em outros textos aqui mesmo nesse blog, é nas cidades que o capitalismo se realiza, com todas as suas contradições.

Nessa equação, apesar das exceções citadas, são os pobres as principais vítimas desse processo. Porque a procura por terrenos em áreas de riscos decorre da incapacidade dessas pessoas poderem construir habitações em lugares mais seguros, em função da especulação imobiliária. O lucro, acima de qualquer coisa, até mesmo das vidas humanas, é o elemento principal a definir tanto o expansionismo das cidades como o investimento em infraestruturas urbanas. As prioridades, quase sempre, são de aplicação da maior parte dos recursos arrecadados nos setores mais valorizados economicamente. E, lamentavelmente, essa é uma regra geral, independente de quem esteja administrando a cidade, devido aos interesses em jogo e às negociações com as “representações” parlamentares.

E o que se vê, nessa onda de hipocrisia que marca a maneira como os problemas são expostos, é ainda, uma forte campanha contra os impostos. Os que se opõem consideram-nos desnecessários, visto que são mal aplicados.

Ora, os ricos não precisam tanto da cobrança de impostos para garantir melhorias urbanas, já que buscam outras alternativas como os condomínios fechados e autosuficientes (pode-se ver, em terrenos planos, e bem localizados); ou em setores valorizados pela especulação e bem atendidos pelo poder público. Se andarmos em Goiânia, por exemplo, veremos não uma, mais várias cidades, com perfis e populações diferentes. A paisagem da cidade vai se modificando, à medida que nos deslocamos de norte a sul e é visível a diferenciação econômica dos lugares e, consequentemente, os benefícios concedidos por quem administra o seu traçado.

A população pobre, sim, precisa que esses impostos sejam cobrados de quem mais pode pagar e os investimentos devem ser feitos onde são mais necessários. Habitações seguras, construídas em terrenos planos, devem ser priorizadas e a ação do Estado, em todas as suas dimensões (municipal, estadual e federal) deve ser a garantia de que os absurdos sejam combatidos com medidas que tenham como objetivo possibilitar às pessoas condições dignas de vida. Inclusive com desapropriação de terrenos desocupados à espera de valorização, para a construção dessas moradias.

Mas há um problema na democracia (dentre tantos outros), o discurso eleitoral e o marketing são feitos para ludibriar os incautos. Pouco do que se promete é feito e o retorno só é garantido para quem financia milionariamente aqueles candidatos que, em função desses apoios, saem vitoriosos. Depois são vistos em igrejas e templos rezando e orando, e às vezes chorando lágrimas de crocodilo. Talvez o choro encubra a leniência em solucionar problemas sociais crônicos que afetam principalmente os mais pobres. Pode ser um arrependimento, quem sabe. Mas fora daquele espaço, tudo é esquecido, e volta-se a “pecar”, garantindo-se o direito de poder pedir perdão desses pecados. Mater Dei, ora pro nobis, pecattoribus. Assim se faz há milênios.

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(*) https://gramaticadomundo.blogspot.com/2011/01/dialetica-da-natureza.html

3 comentários:

  1. Caro Romualdo,

    O seu texto é profundo e demonstra sua maturidade intelectual. A contextualização que faz sobre os problemas ambientais contemporâneos, baseadas nas idéias marxistas são importantes e atuais.

    Obrigado.

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  2. Professor Romualdo,
    Gostei do texto: polêmico, fundamentado, relevante e atual. obrigado pelo "presente" de 2011 e já espero anciosamente os próximos presentes.

    George Furtado

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  3. Somado a isso, vale salientar um gravíssimo defeito moral do brasileiro: o desrespeito às leis. Parece que o brasileiro, apesar do conhecimento do legal e do não legal, sente prazer em burlar a lei e a fiscalização. Há um certo regogizo nisso. Afinal, estar acima da lei é sinal de status, de foro privilegiado, de impunidade. Infelizmente, este é um dos aspectos de nosso modelo vigente de elevação social. A lei aplica-se somente aos pobres. Os ricos são isentos.
    Não é comum em nosso país ver pessoas ricas e influentes desviando verbas públicas? Usando sua influência para beneficiar suas mansões e empreendimentos em áreas de risco e áreas de preservação, como beira de rios e encostas deslubrantes? Porque será que prefeitos, vereadores e secretários (todos sevidores públicos) asfaltaram e autorizaram as construções, eletrificação e sistemas de águas e esgotos nestas áreas? Será por voto ou desvio de verba com comissões de obras? Não sabiam eles que era proibido ou arriscado edificar nestas áreas?
    Infeliz desejo de nossa presidenta quando disse que faria do Brasil primeiro mundo. Somente quando o brasileiro souber respeitar uma simples placa, como: "proibido jogar lixo nas ruas" ou "proibido pisar na grama", e que nossos governantes pararem de gastar dinheiro público para si, como esse indecente aumento dos parlamentares, é que teremos chance de sermos um pais desenvolvido, um bom país, um país de futuro.
    Mauro Cruz

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