
Mas o Oriente desde há muito vive o mistério das belezas milenares com o inferno que a geografia lhe proporcionou. As riquezas em seu subsolo, de onde se extrai o principal componente da energia que movimenta o mundo capitalista, é também a sua desgraça. Pelo menos para a maioria de sua população, submetida a controles monárquicos, religiosos e imperialistas.
O que se sabe do Oriente Médio, pelas (contra)informações passadas pela grande imprensa, fazem daquela parte do mundo um verdadeiro mosaico de loucos fundamentalistas a explodirem-se em nome de Alá, sob a certeza de deliciarem-se com o paraíso pós-morte com várias virgens a lhes esperarem. Transformam a exceção em regra.
As belezas da cultura árabe, bem como a importância histórica de um conhecimento milenar, são desprezados tanto mais quanto os governos daqueles países sejam nacionalistas. Monarquias e tiranos pró-ocidentes, melhor dizendo, pró-EUA, compõem a galeria de chefes de Estados “democratas”. Mas, mesmo assim, a visão que se transmite dos valores daquela gente mantém-se numa linha de desdém e menosprezo. Valores, hábitos e cultura ocidentais são impostos na medida em que se busca desvalorizar todo um arcabouço de riquezas que contam a história de importantes civilizações.
Os líderes que despontam são destacados segundo as medidas de suas cumplicidades com o imperialismo. Tornam-se “democratas” em monarquias seculares ou em regimes tirânicos monocráticos e ditatoriais, características que são omitidas pela imprensa internacional. Ou não compactuam com o imperialismo, caso em que caem em desgraças e seus perfis passam a virem acompanhados da alcunha de ditadores e a serem considerados aparentados de lúcifer. Diabólicos e criminosos genocidas a arquitetarem planos para destruir o mundo civilizado com suas “armas de destruição em massa”. Repete-se isso ad nauseam, e o mundo todo acredita, não tendo a menor conseqüência se tudo é negado depois.
Mas, há um tempo em que as contradições empurram as coisas na direção das mudanças. Crises sejam políticas ou econômicas impõem a necessidade de transformações sociais. E como dito na velha canção de Geraldo Vandré, as pessoas despertam do domínio tirânico, e aos poucos vão “...escrevendo numa conta, pra junto a gente cobrar, no dia que já vem vindo, que esse mundo vai virar. (...)Madeira de dar em doido, vai descer até quebrar, é a volta do cipó de aroeira no lombo de quem mandou dar”.
Eis que chega a vez daqueles países que se situam na condição de marionetes dos EUA, da mesma forma como tempos atrás ocorreu na América Latina. Segue agora a crise econômica que se iniciou em 2008 e tem desde então começado um processo de alteração da ordem geopolítica mundial, com a decadência do poder que os EUA exerciam no mundo.
O efeito dominó que ameaça o Oriente Médio nada mais é do que a extensão dessa crise e o fracasso do modelo Neoliberal, com estagnação econômica, concentração de riqueza e ampliação da pobreza.
Estados Unidos, Europa, Oriente Médio... esgotamento de um modelo que sucumbe com a ajuda de instrumentos (ou ferramentas) criados, paradoxalmente, para fazer acelerar esse processo de domínio global do capitalismo.
Ironicamente, para desmoralização dos meios de comunicação tradicionais, o Egito silenciou-se nesta segunda-feira pela internet. Antes, a rede de TV Al-Jazeera já havia sido bloqueada. Para quem por muito tempo ignorou esses regimes ditatoriais, porque aliados neoliberais do Ocidente e EUA, deve ter sido uma enorme decepção ter que noticiar fatos por tanto tempo escondidos.
Somente quanto o assunto é América Latina (Cuba, Bolívia, Venezuela, Brasil...) os setores conservadores e seus órgãos oficiais, incluindo-se aí a matilha de comentaristas que desfilam horrores quando analisam as “ditaduras” latino-americanas (mesmo que seus líderes tenham sido eleitos democraticamente) e rangem seus dentes quando o assunto é o controle de uma mídia corrupta e mentirosa.
Para o cidadão pouco informado (e o “pouco informado” refere-se àquele indivíduo que se limita a ouvir noticiários da mídia tradicional), os países em questão nesse momento, submetidos a uma crise sem proporção e a manifestações populares nunca vistas, representavam o lado “civilizado” do Oriente. Ao contrário de Iraque, Afeganistão, Líbano, Palestina, sempre mostrados como territórios dominados por terroristas, fundamentalistas religiosos, dispostos a iniciarem uma carnificina numa guerra sem fim contra os ocidentais.
Ocorre que até há pouco tempo esses eram os países mais democráticos e laicos daquela região. O Iraque por muito tempo foi modelo de saúde para os países do Oriente Médio, e tradicionalmente um país com farto histórico no campo do conhecimento. Da mesma maneira o Afeganistão, que por muito tempo possibilitou o convívio entre pessoas com crenças religiosas díspares e com valores culturais marcados pela tolerância. O Líbano sempre conviveu com cristãos e muçulmanos, inclusive na composição de seus governos, tanto quanto Iraque que tinha um vice-presidente católico; e os Palestinos já de há muito realizam eleições livres.
O que os fazem diferentes dos demais? Primeiro sentiram as conseqüências da guerra fria, e a invasão do Afeganistão pelos soviéticos precipitou a decadência daquele país, e a partir daí uma completa inversão de valores conduziu a sua política, com os EUA apoiando uma contra-revolução escorada naqueles elementos que algumas décadas depois seriam tratados por eles como terroristas.
No Iraque da mesma maneira, só que mais do que a localização geográfica, sua geologia o fez cair em desgraça. A riqueza do petróleo tornou-o objeto de cobiça em um tabuleiro de enorme interesse dos países imperialistas. Entremeado com o Irã, já completamente demonizado pela mídia ocidental e Arábia Saudita, outra monarquia ditatorial pró-EUA. Neste caso, a confirmar a hipocrisia nas relações internacionais, pouco se cobra de democracia e direitos humanos.
Aliás, quase todos esses países que agora passam por um efeito dominó e vêem suas ditaduras balançarem, inclusive a Arábia Saudita e Egito, usaram de suas forças policiais truculentas para prenderem suspeitos de terrorismo e os entregarem à CIA para serem torturados em navios especialmente planejados para isso, longe das fronteiras territoriais e das legislações internacionais que punem os crimes de tortura.
Seguramente a única coisa que une historicamente esses diferentes governos nesses países é a forte corrupção. Seja a fragilidade democrática por um lado, ou o apoio explícito à um banditismo institucional lhes dado pelos EUA, compõem elementos que facilitam o controle da riqueza por famílias tradicionais, ditas monárquicas, ou ditadores que se perpetuam no poder e ao se afastarem nomeiam filhos ou parentes próximos. Uma região riquíssima, em termos de recursos naturais (leia-se petróleo), desperta a cobiça em meio à frágil organização popular, submetida ao controle de suas consciências pelo forte domínio islâmico.
No entanto, a juventude, impulsionada pelas novas ferramentas tecnológicas que a internet proporciona, encontrou um meio espetacular para aglutinar insatisfeitos e a explodir revoltas por muito tempo contidas. Claro que por trás de tudo isso se encontra também setores organizados, partidos de esquerda e mesmo aqueles ligados ao fundamentalismo religioso.
O que pode resultar dessas revoltas é imprevisível. Democracia, nos moldes ocidentais, é muito difícil de imaginar, pelas características culturais. Tanto esses ditadores podem ser “sacrificados” pelo Ocidente para em seu lugar colocar alguém que lhes seja confiável, como pode também emergir um poder escorado no fundamentalismo islâmico anti-ocidente, possibilitando um choque com Israel e fazendo eclodir um conflito de grandes proporções.
Algo que em meio à crise capitalista afeta grandes economias, viria a servir como uma alternativa para a recuperação econômica. Não nos esqueçamos que as duas grandes guerras se iniciaram logo após conflitos regionais e na sequência de crises econômicas e de disputas hegemônicas entre grandes potências. O capitalismo se encontra diante de uma grave crise, e as guerras constituem-se em momentos importantes para a retomada de lucros em meio às desgraças. Não importando as vidas humanas. Isso serve também para as tragédias que a natureza proporciona.
Fica aqui um alerta. O mundo pode entrar em convulsão para uma recomposição geopolítica. Portanto, ao ouvir alguma notícia sobre instabilidades políticas em algum país nos noticiários e jornais da mídia tradicional, corra à procura da informação verdadeira.