terça-feira, 14 de junho de 2011

A BLOGUEIRA LÉSBICA SÍRIA

Dubitando ad veritatem parvenimus
(Cícero, pensador romano, 106-43 a.C.)
O caso da “blogueira lésbica síria” deve ser um motivo para refletirmos sobre essa ferramenta importante que temos em mãos. A internet e as redes sociais tornaram-se nos dias de hoje um fenômeno irresistível e instrumento de mobilização, principalmente da juventude, em defesa de várias causas. Sem dúvida uma arma moderna a facilitar contatos e comunicações.
Mas, como diz o ditado, é uma arma de dois gumes. Sabe-se perfeitamente que pela internet cometem-se vários crimes, e tanto mais ela se popularize e alcance um número maior de pessoas, maior o número de ocorrência dos chamados “crimes cibernéticos”. E aí é extremamente diversificado, como na vida real, o tipo de delito que vai sendo inventado. O objetivo, claro, é iludir, enganar, se aproveitar da boa vontade das pessoas.
As novas gerações são praticamente dependentes dessas novas tecnologias. Mas são tão importantes para elas hoje, como foi no século XIX para aquelas outras o surgimento do telégrafo e do telefone. São instrumentos que contribuem para aproximar as pessoas, e as rápidas transformações tecnológicas aceleram as mudanças e possibilitam um incremento espetacular nas novidades, modificando e atualizando essas ferramentas, de tal forma que passam a ser praticamente imprescindíveis.
Mas pode ser uma arma para aquelas pessoas que se aproveitam das ingenuidades comuns à juventude, ou mesmo da desinformação que, paradoxalmente, atinge a maioria das pessoas, não só nessa fase da vida. Como gostava de dizer o geógrafo Milton Santos, vivemos uma época marcada pelas transformações técnico-científico-informacional, mas a mesma mídia que nos traz a notícia é ela mesma uma central de boatos e desinformações. São tanto manipulações propositadas, como falsas verdades, ditas muitas vezes no afã de se conseguir um furo jornalístico que possa elevar o “ibope” de um determinado meio de comunicação.
Mas, no caso de uma guerra, ou de disputa de interesses poderosíssimos, como vemos atualmente nos levantes que ocorrem no Oriente Médio, a internet e as redes sociais servem a esse jogo de contradições. Possibilita uma monumental mobilização popular, mas torna-se também um elemento a mais a criar confusões entre as pessoas mediante a exploração de informações falsas. Notícias retumbantes, imediatamente transportadas pelas redes sociais de forma célere, tornam-se verdades inquestionáveis, muito embora jamais sejam comprovadas, até porque em alguns casos são falsas.
Isso acontece porque nos dias de hoje a versão tornou-se mais importante do que o fato. Não há nenhuma preocupação em se averiguar se aquilo que está sendo dito, e até mesmo reproduzido, passado adiante, é real ou não. O que implica em dizer que tal prática está se constituindo em crimes com muitos inocentes cúmplices (ou inocentes úteis).
Muitas vezes as repercussões disso causam estragos nas vidas de algumas pessoas, direta ou indiretamente atingidas, sem que se possa corrigir depois, deixando traumas para o resto da vida.
Além, claro, de nos casos específicos de disputas de grandes interesses geopolíticos, servir às canalhices institucionalizadas pelas máquinas de guerras e pelas disputas rapaces por recursos minerais.
Assim é o caso da “blogueira lésbica síria”, uma espécie de heroína virtual, aclamada por dezenas de milhares de seguidores e que tinha nome e família: Amina Abdallah Arraf al Omari! 
O blog, “A Gay Girl in Damascus”, relatava as agruras de uma mulher lésbica na Síria, e passou a se constituir em um símbolo contra a ditadura naquele país, envolto em um levante popular, assim como ocorre em outros países árabes. No começo deste mês, uma prima, também virtual, relatou o seqüestro de Amina, com detalhes típicos de um roteiro holywoodiano. A propósito, Amina não passou de uma criação de um cidadão estadunidense, por nome Tom MacMaster. Pode-se acessar o link seguinte, para mais informações: http://exame.abril.com.br/tecnologia/facebook/noticias/14-000-pessoas-curtiram-falsa-blogueira-siria-no-facebook.
Os seguidores do blog no facebook, claro, foram tomados de uma profunda indignação. E contam-se às dezenas de milhares. Não se sabe se a ira decorre da ilusão por uma heroína ter-se esfumaçado, ou pelo papel de tolos a que foram submetidos. D. Quixote de La Mancha certamente estará tendo convulsões de risos em seu túmulo. Afinal, que diferença há em se acreditar que moinhos de ventos são cavaleiros gigantes?
Bem certo estava Tomé, tido como um dos apóstolos de Jesus Cristo. Duvidando da ressureião de seu mestre ele preferiu ver para crer. Segundo reza a lenda, Tomé pôde se encontrar com o Cristo ressurgido após a crucificação. Mas só acreditou depois de vê-lo e tocar nas feridas em suas mãos.
Eu sigo duvidando...
"Dubium sapientiae initium”

2 comentários:

  1. Caro Romualdo,
    Apenas para acrescentar uma pitada filosófica, eu diria que carecemos de uma construção, efetivamente, estilo de vida postura ético-universalista para aferir relações de comunicabilidade em escala de dimensão mundial (ou de maior globalidade).
    Devido o quadro de escassez de verdade, nos jogos políticos e relações de forças internacionais, não somente é preciso evitar situações em que temos que dar solidariedade, apoiar e julgar, mas também a atitude de lamentar o triste estágio a que atingiu a humanidade. Verdadeiramente, encruzilhada!
    O ambiente atual das políticas globalizadas é crivado de verdades truncadas; onde os interesses egoísticos permeiam e, até prova em contrário, aparecem como os únicos dispositivos modeladores.
    No quadro cibernético as verdades chegam depois de entrecruzamentos e muitos recortes; pouco acessíveis por causa da natureza deste próprio canal de comunicação centrada na plasticidade. O que salta aos olhos é apenas o antes de tudo, na maioria das vezes, reconstruído; fica sempre algo, o escondido, que deve ser captado por poucos. Cada vez mais somos convidados a pensar o cenário desta complexidade, e entender o quão complexo é o caminhar da condição humana na atualidade.
    Revoltante ou não, é preciso “ousar lutar, ousar vencer” a miséria da insensatez! Ainda há formas lúcidas e historicamente determinadas de atuação para a emancipação política do Homem!
    Abraços,
    Wilame

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  2. Prof. Mumuca,
    o excesso de informação e a rapidez que isto demanda, já que tudo já está velho a cada minuto, leva as pessoas a se envolverem (embora superficialmente) com quase qualquer coisa. Mas, é apenas um envolvimento simbólico e fugaz, já que logo depois saem daquela informação e se envolvem com uma nova, às vezes diametralmente oposta e totalmente incoerente.
    Criam-se ondas, que rapidamente se dissipam. Aparecem novas.
    Como as noções e paradigmas morais, éticos, legais e religiosos estão em profunda crise (embora parte do processo dialético), e as redes aceitam e espalham tudo, é muito fácil criar ficções e espalhá-las como verdades rapidamente. As pessoas nao se dão, e nem querem se dar, ao trabalho de averiguar. São assim, influenciadas facilmente, aderindo a verdadeiras ondas.
    Nisto uma coisa é muito preocupante ainda: tenho notado que ultimamente (dadas as novas condições materiais da "nova classe média brasileira") tem recrudescido as simpatias e movimentos a ideias de extrema-direita. Diante da "ineficiência pensada" do Estado, os que agora têm algo, nao pensam antes de aderir cegamente às ações xenófobas, homófobas, de penas de morte sem julgamento, enfim, de ações neomalthusianas. Talvez a decepção com uma esquerda hoje no poder, que perdeu até seu discurso, tem levado muitos ao outro extremo.

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