sexta-feira, 18 de setembro de 2020

IMPERTINÊNCIAS, REMINISCÊNCIAS E DEVANEIOS – E A VIDA, ELA É MARAVILHA OU É SOFRIMENTO?

Minha crônica dessa vez será diferente. O momento exige isso. Embora esteja somente atualizada. O tempo segue no ritmo de tartaruga, de repente ele se transforma num coelho. Vai ser assim. Vou falar muito por metáforas. Prestem atenção, atentamente.

Estamos numa encruzilhada. Que caminho devemos seguir? Onde está a felicidade? Quem é mais ou menos feliz? O que é ser feliz? Gostaríamos de seguir, cada um de nós, para a beira do rio, pescar, e ver o tempo passar... Ou para a beira do mar, numa praia... Quem sabe seguindo uma vida de diletantismo, de reflexões sobre a beleza das estrelas, cantamos a música de Louis Armstrong e enfatizamos para nós mesmos que este é um mundo maravilhoso... Passávamos numa livraria com ar condicionado ou nas novas temakerias que se espalhavam, para reforçar nossa vaidade intelectual... Às vezes decidíamos meter o pé na jaca para saber como o povo lida com "aquela felicidade", aquele jeito de sorrir em meio aos infortúnios. Isso, naturalmente, antes dessa situação inusitada.

Quem é mais ou menos feliz nesse mundo de tantos deuses injustos que insistem em manter o mundo desigual?

Às vezes alguns me chamam de católico enrustido, ou de ateu pra inglês ver. Vou falar claramente, e sei que muitos dos que me ouvem, ou leem, “creem”! Eu não consigo acreditar em algo que não seja perceptível, visível, real. O nome que se dá a isso é ATEU. Mas o fato de ser ateu, cristão, muçulmano, budista, adventista, macumbeiro... e etc, etc, etc, não tem nada a ver com caráter, sensibilidade, bondade... o que seja. Cada um pode ser o que é à sua maneira, o que vai definir seu caráter é o caminho que escolher. Gosto muito desta frase, do filósofo Heráclito de Éfeso: “o caminho de um indivíduo é o seu caráter”. Ela transmite um sentido dúbio. E pode ser lida também assim: “o caráter de um indivíduo é o seu caminho”. Nem sei bem como é o original. Bom, mas é em grego, então vai numa tradução livre, mantendo o sentido.

E não há somente as pessoas de bom caráter e as de mau caráter. A não ser que sejamos maniqueus, e não consigamos enxergar outras possibilidades para definir a maneira como nos portamos diante do mundo. Porque nós erramos e acertamos permanentemente. Somos capazes de gestos de enorme grandeza moral, mas podemos também cometer canalhices. Orar, rezar, não apaga o que fizemos, só nos deixa tranquilos para “pecar” novamente. Claro, não é bem assim. Quis ser irônico.

Não é o mundo que é metafísico, são as ideias dominantes e a maneira de enxerga-lo tornada verdade dogmatizada pela religião. O mundo tal como existe foi criado pelo ser humano e está impregnado de visões metafísicas, pois esta é a melhor condição para deixar as pessoas inertes, passivas, dominadas, entregues às fantasias que elas imaginam ser delas, mas que são oferecidas por aqueles que constroem este mundo seguindo seus objetivos. Sim, porque este mundo, que não é metafísico, é real, e material, adquiriu esta condição por ter sido arquitetado e edificado segundo determinados interesses.

O que se constrói daí, metafisicamente ou não, decorre de tudo isso. Fantasias, sonhos, deuses, demônios, mitos, celebridades. Nossa formação está umbilicalmente ligada a tudo isso. A um mundo que incorpora as suas próprias contradições e transforma tudo em mercadorias.

Um brinde à Baco, Deus do vinho. Baco carrega os prazeres humanos. Já que meio homem, meio Deus. Quer saber a origem da expressão “feito nas coxas?” Então conheça como se deu a gestação de Baco, numa iniciativa de Zeus para protegê-lo, visto ser ele oriundo de uma escapadela com uma mortal. Mas isso é outra história. E o prazer que Baco transmite é por essa bebida mágica.

***

Falemos dos prazeres bucólico. Isso que é a felicidade para alguns, quem já a viveu, e para mim, que mesmo interiorano nunca fui roceiro, infelizmente. Todo esse prazer, que queremos ter algum dia, essa fantasia de nos reencontrarmos com a natureza, também virou negócio. O que antes era natural virou artificial. Como dizia Milton Santos, não há mais natureza natural. E se fosse vivo ele estaria dizendo que o que era natural está sendo devastado pelo ser humano, e pelo fogo. Ou, pelo fogo espalhado pelo ser humano. Imaginem quando não houver água para apagá-los.

Quanto às certezas, não as temos. Embora tentemos sempre transmitir a impressão de que o que falamos é o definitivo. Bom, é definitivo... até que alguém prove o contrário. E isso, inevitavelmente, sempre termina acontecendo. Porque o que dizemos, o que sentimos, é condicionado pelo momento, o lugar e as circunstâncias. Quando me refiro à noção de felicidade quero dizer exatamente isso, cada um vai se sentir feliz sob determinada circunstância, mas sabemos que isso não é definitivo.

Existem os ditos populares que falam: "depois da tempestade vem a bonança", ou de que "quando a coisa tá boa demais é sinal de que alguma desgraça vai acontecer". Ou seja, as condições objetivas de cada momento é que vão definir o que significa sentir-se feliz, está satisfeito com a condição dada pelo mundo não somente para si, mas para sua família.

Minha filha, Carol: Saudades!

Eu não sou feliz, mas já fui feliz. Sou uma pessoa alegre, animada, enturmada, às vezes mal humorada, já sofri na vida dores profundas, mas não mais do que milhares de outras pessoas. Amo as pessoas que me amam, ignoro as que não gostam de mim. Sei que devo aproveitar, sempre, o momento que nós vivemos da melhor maneira possível. Procuro adotar a filosofia do “carpe diem” (Aproveite o dia, confia o mínimo no amanhã), mas não sou egoísta.

Meus momentos alegres são entrecortados com visões terríveis das condições em que vivem milhares de pessoas. Olhando para elas posso me considerar uma pessoa feliz? Mas não vou fazer voto de pobreza, e deixar de sonhar com meu sitiozinho confortável, com internet e wireless para ler o que eu quiser deitado numa rede. Algum dia, quem sabe? materializo isso.

Isso não são certezas. São convicções. E se há algum amargor no que falo, isso vem da impossibilidade, como D. Quixote de La Mancha, de encontrar mecanismos verdadeiramente adequados para lutar por tudo isso, ou contra tudo isso que está aí e nos atormenta. Daí, às vezes a amargura, a angústia... mas sei que nada do que está aí é eterno. Ou, como diz o poeta, “é eterno enquanto dure”. Inclusive nós mesmos.

Cabe a cada um a iniciativa de buscar esses caminhos, ou seguir com a construção adequada aos vários significados que vamos dando, de acordo com a escolha de vida que fazemos, ou das direções que na encruzilhada optamos por seguir. Ou – o que não é uma escolha – como lidamos com as tragédias que o acaso produz e fazem com que, independente dos caminhos que existam à nossa frente, tenhamos que superar as adversidades. Isso termina por se tornar parte do cotidiano da vida. Assim é o que acontece, vivemos para superar adversidades.

Por falar em deuses, ou em Deus... A minha verdade, já que estamos numa época da pós-verdade, onde cada um acredita no que deseja acreditar. Que seja assim. Temos Deus dentro de nós. Ele está no coração de cada um. Ou melhor, pode estar. É dele, do coração, que emanam todos os sentimentos, numa íntima e dialética relação com o cérebro. E o que temos não nos foi dado, foi construído... Ou, às vezes, conquistado, tomado, arrancado.

E o coração pulsa, acelera seus batimentos no ritmo da intensidade emotiva: ódio, amor, inveja, raiva... saudades! Sigamos no ritmo da música: “Bate, bate, coração, dentro desse velho peito, você já está acostumado a ser maltratado a não ter direito”.

Na vida são muitas as impertinências. Mas ser impertinente é meio chato. O que escrevo aqui, diferente de outras crônicas, é como um desabafo, uma contrariedade com a vida e na aversão a como os deuses que criamos constroem um mundo desigual e acomodado. E de como nos desiludimos no caminhar dessa vida com as perdas que arrancam pedaços no coração. É nele que se encontra o poder da divindade, o sentimento do mundo, a frustração da dor, a angústia da impotência humana diante da irreversibilidade da morte. É dele que em alguns momentos extraímos um pouco da nossa impertinência.

“Mesmo que o tempo e a distância digam não, mesmo esquecendo a canção, o que importa é ouvir a voz que vem do coração”! E seguimos no ritmo da música, para ouvir o coração.

Será que é ele quem comanda nosso cérebro? Quem sabe?

“As águas deságuam para o mar, meus olhos vivem cheios d´água, chorando, molhando o meu rosto de tanto desgosto, me causando mágoa. Mas meu coração só tem amor, e amor tivera mesmo pra valer, por isso a gente pena, sofre e chora coração... E morre todo dia sem saber.”

Às vezes, em alguns momentos, cada um de nós se torna um pouco (ou muito) impertinente.

Me sinto assim neste momento. Mas...

“Bate, bate, bate coração, não ligue deixe quem quiser falar. Porque o que se leva dessa vida coração, é o amor que a gente tem pra dar”.

E a vida segue, dialeticamente. Às vezes maravilha. Noutras vezes, sofrimento.

Mas, como dizia Louis Armstrong, com sua voz tonitruante, “este é um mundo maravilhoso”. O problema é o que nós estamos fazendo com ele.

Perdoem-me as minhas impertinências, as reminiscências e os meus devaneios. 


Quem gosta de poesia e MPB deve ter percebido que usei frases aqui de várias músicas. Vamos lá. Bora dar os créditos a quem de direito, merece:

 

Soneto da Fidelidade – Vinícius de Moraes

Bate Coração – Antonio Barros e Cecéu – Elba Ramalho

Canção da América – Milton Nascimento e Fernando Brandt

O que é o que é? - Gonzaguinha

What a Wonderful World – Louis Armstrong

 

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