Minha crônica
dessa vez será diferente. O momento exige isso. Embora esteja somente
atualizada. O tempo segue no ritmo de tartaruga, de repente ele se transforma
num coelho. Vai ser assim. Vou falar muito por metáforas. Prestem atenção,
atentamente.
Estamos numa encruzilhada.
Que caminho devemos seguir? Onde está a felicidade? Quem é mais ou menos feliz?
O que é ser feliz? Gostaríamos de seguir, cada um de nós, para a beira do rio,
pescar, e ver o tempo passar... Ou para a beira do mar, numa praia... Quem sabe seguindo uma vida de diletantismo, de
reflexões sobre a beleza das estrelas, cantamos a música de Louis Armstrong e
enfatizamos para nós mesmos que este é um mundo maravilhoso... Passávamos numa
livraria com ar condicionado ou nas novas temakerias que se espalhavam, para
reforçar nossa vaidade intelectual... Às vezes decidíamos meter o pé na jaca
para saber como o povo lida com "aquela felicidade", aquele jeito de
sorrir em meio aos infortúnios. Isso, naturalmente, antes dessa situação inusitada.
Quem é mais ou
menos feliz nesse mundo de tantos deuses injustos que insistem em manter o
mundo desigual?
Às vezes alguns me
chamam de católico enrustido, ou de ateu pra inglês ver. Vou falar claramente,
e sei que muitos dos que me ouvem, ou leem, “creem”! Eu não consigo acreditar
em algo que não seja perceptível, visível, real. O nome que se dá a isso é
ATEU. Mas o fato de ser ateu, cristão, muçulmano, budista, adventista,
macumbeiro... e etc, etc, etc, não tem nada a ver com caráter, sensibilidade,
bondade... o que seja. Cada um pode ser o que é à sua maneira, o que vai
definir seu caráter é o caminho que escolher. Gosto muito desta frase, do filósofo
Heráclito de Éfeso: “o caminho de um indivíduo é o seu caráter”. Ela transmite
um sentido dúbio. E pode ser lida também assim: “o caráter de um indivíduo é o
seu caminho”. Nem sei bem como é o original. Bom, mas é em grego, então vai
numa tradução livre, mantendo o sentido.
E não há somente
as pessoas de bom caráter e as de mau caráter. A não ser que sejamos maniqueus,
e não consigamos enxergar outras possibilidades para definir a maneira como nos
portamos diante do mundo. Porque nós erramos e acertamos permanentemente. Somos
capazes de gestos de enorme grandeza moral, mas podemos também cometer
canalhices. Orar, rezar, não apaga o que fizemos, só nos deixa tranquilos para
“pecar” novamente. Claro, não é bem assim. Quis ser irônico.
Não é o mundo que
é metafísico, são as ideias dominantes e a maneira de enxerga-lo tornada
verdade dogmatizada pela religião. O mundo tal como existe foi criado pelo ser
humano e está impregnado de visões metafísicas, pois esta é a melhor condição
para deixar as pessoas inertes, passivas, dominadas, entregues às fantasias que
elas imaginam ser delas, mas que são oferecidas por aqueles que constroem este
mundo seguindo seus objetivos. Sim, porque este mundo, que não é metafísico, é
real, e material, adquiriu esta condição por ter sido arquitetado e edificado
segundo determinados interesses.
O que se constrói
daí, metafisicamente ou não, decorre de tudo isso. Fantasias, sonhos, deuses,
demônios, mitos, celebridades. Nossa formação está umbilicalmente ligada a tudo
isso. A um mundo que incorpora as suas próprias contradições e transforma tudo
em mercadorias.
Um brinde à Baco,
Deus do vinho. Baco carrega os prazeres humanos. Já que meio homem, meio Deus.
Quer saber a origem da expressão “feito nas coxas?” Então conheça como se deu a
gestação de Baco, numa iniciativa de Zeus para protegê-lo, visto ser ele
oriundo de uma escapadela com uma mortal. Mas isso é outra história. E o prazer
que Baco transmite é por essa bebida mágica.
***
Falemos dos
prazeres bucólico. Isso que é a felicidade para alguns, quem já a viveu, e para
mim, que mesmo interiorano nunca fui roceiro, infelizmente. Todo esse prazer,
que queremos ter algum dia, essa fantasia de nos reencontrarmos com a natureza,
também virou negócio. O que antes era natural virou artificial. Como dizia
Milton Santos, não há mais natureza natural. E se fosse vivo ele estaria
dizendo que o que era natural está sendo devastado pelo ser humano, e pelo
fogo. Ou, pelo fogo espalhado pelo ser humano. Imaginem quando não houver água
para apagá-los.
Quanto às
certezas, não as temos. Embora tentemos sempre transmitir a impressão de que o
que falamos é o definitivo. Bom, é definitivo... até que alguém prove o
contrário. E isso, inevitavelmente, sempre termina acontecendo. Porque o que
dizemos, o que sentimos, é condicionado pelo momento, o lugar e as
circunstâncias. Quando me refiro à noção de felicidade quero dizer exatamente
isso, cada um vai se sentir feliz sob determinada circunstância, mas sabemos
que isso não é definitivo.
Existem os ditos
populares que falam: "depois da tempestade vem a bonança", ou de que
"quando a coisa tá boa demais é sinal de que alguma desgraça vai
acontecer". Ou seja, as condições objetivas de cada momento é que vão
definir o que significa sentir-se feliz, está satisfeito com a condição dada
pelo mundo não somente para si, mas para sua família.
Minha filha, Carol: Saudades! |
Eu não sou feliz,
mas já fui feliz. Sou uma pessoa alegre, animada, enturmada, às vezes mal
humorada, já sofri na vida dores profundas, mas não mais do que milhares de
outras pessoas. Amo as pessoas que me amam, ignoro as que não gostam de mim.
Sei que devo aproveitar, sempre, o momento que nós vivemos da melhor maneira
possível. Procuro adotar a filosofia do “carpe diem” (Aproveite o dia, confia o
mínimo no amanhã), mas não sou egoísta.
Meus momentos
alegres são entrecortados com visões terríveis das condições em que vivem
milhares de pessoas. Olhando para elas posso me considerar uma pessoa feliz?
Mas não vou fazer voto de pobreza, e deixar de sonhar com meu sitiozinho
confortável, com internet e wireless para ler o que eu quiser deitado numa
rede. Algum dia, quem sabe? materializo isso.
Isso não são
certezas. São convicções. E se há algum amargor no que falo, isso vem da
impossibilidade, como D. Quixote de La Mancha, de encontrar mecanismos verdadeiramente
adequados para lutar por tudo isso, ou contra tudo isso que está aí e nos
atormenta. Daí, às vezes a amargura, a angústia... mas sei que nada do que está
aí é eterno. Ou, como diz o poeta, “é eterno enquanto dure”. Inclusive nós
mesmos.
Cabe a cada um a
iniciativa de buscar esses caminhos, ou seguir com a construção adequada aos
vários significados que vamos dando, de acordo com a escolha de vida que
fazemos, ou das direções que na encruzilhada optamos por seguir. Ou – o que não
é uma escolha – como lidamos com as tragédias que o acaso produz e fazem com
que, independente dos caminhos que existam à nossa frente, tenhamos que superar
as adversidades. Isso termina por se tornar parte do cotidiano da vida. Assim é
o que acontece, vivemos para superar adversidades.
Por falar em
deuses, ou em Deus... A minha verdade, já que estamos numa época da
pós-verdade, onde cada um acredita no que deseja acreditar. Que seja assim.
Temos Deus dentro de nós. Ele está no coração de cada um. Ou melhor, pode
estar. É dele, do coração, que emanam todos os sentimentos, numa íntima e
dialética relação com o cérebro. E o que temos não nos foi dado, foi
construído... Ou, às vezes, conquistado, tomado, arrancado.
E o coração pulsa,
acelera seus batimentos no ritmo da intensidade emotiva: ódio, amor, inveja,
raiva... saudades! Sigamos no ritmo da música: “Bate, bate, coração, dentro
desse velho peito, você já está acostumado a ser maltratado a não ter direito”.
Na vida são muitas
as impertinências. Mas ser impertinente é meio chato. O que escrevo aqui,
diferente de outras crônicas, é como um desabafo, uma contrariedade com a vida
e na aversão a como os deuses que criamos constroem um mundo desigual e
acomodado. E de como nos desiludimos no caminhar dessa vida com as perdas que
arrancam pedaços no coração. É nele que se encontra o poder da divindade, o
sentimento do mundo, a frustração da dor, a angústia da impotência humana
diante da irreversibilidade da morte. É dele que em alguns momentos extraímos
um pouco da nossa impertinência.
“Mesmo que o tempo
e a distância digam não, mesmo esquecendo a canção, o que importa é ouvir a voz
que vem do coração”! E seguimos no ritmo da música, para ouvir o coração.
Será que é ele
quem comanda nosso cérebro? Quem sabe?
“As águas deságuam
para o mar, meus olhos vivem cheios d´água, chorando, molhando o meu rosto de
tanto desgosto, me causando mágoa. Mas meu coração só tem amor, e amor tivera
mesmo pra valer, por isso a gente pena, sofre e chora coração... E morre todo
dia sem saber.”
Às vezes, em
alguns momentos, cada um de nós se torna um pouco (ou muito) impertinente.
Me sinto assim
neste momento. Mas...
“Bate, bate, bate coração, não ligue deixe quem quiser falar. Porque o que se leva dessa vida coração, é o amor que a gente tem pra dar”.
E a vida segue,
dialeticamente. Às vezes maravilha. Noutras vezes, sofrimento.
Mas, como dizia
Louis Armstrong, com sua voz tonitruante, “este é um mundo maravilhoso”. O
problema é o que nós estamos fazendo com ele.
Perdoem-me as
minhas impertinências, as reminiscências e os meus devaneios.
Quem gosta de
poesia e MPB deve ter percebido que usei frases aqui de várias músicas. Vamos
lá. Bora dar os créditos a quem de direito, merece:
Soneto da
Fidelidade – Vinícius de Moraes
Bate Coração –
Antonio Barros e Cecéu – Elba Ramalho
Canção da América
– Milton Nascimento e Fernando Brandt
O que é o que é? -
Gonzaguinha
What a Wonderful World – Louis Armstrong
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