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segunda-feira, 6 de junho de 2016

AS VÍSCERAS DA CORRUPÇÃO E O MÍTO DE SÍSIFO

Fonte: o Globo
Quando dizemos que está havendo desequilíbrio na maneira que as notícias sobre corrupção são veiculadas, muitas vezes somos criticados por estarmos fazendo defesa dos mal feitos dos últimos governos. Essa planilha,[1] com base na delação de Nestor Cerveró confirma o que dizemos. Enfim, torna-se difícil encobrir tudo o tempo todo. Primeiro deve-se fazer uma crítica contundente à corrupção, sistêmica e endêmica. Sistêmica porque está no DNA do capitalismo, movido à ganância e usura, e endêmica porque ela está encrustrada na estrutura do Estado brasileiro e nos Estados federativos.
Mas os meios de comunicação sempre foram dóceis com governos que lhes beneficiavam, ou com aqueles cujas políticas eram direcionadas somente para os interesses da elite econômica. Eventualmente denunciavam alguma coisa, quando o governo se enfraquecia ou deixava de atender suas pressões por vultosas verbas de propaganda.
Atentem para essa planilha e vejam que a venda de uma refinaria na Argentina gerou seis vezes mais propinas do que a venda da refinaria em Pasadena, nos EUA. Dois crimes de corrupção que devem ser punidos, seguramente, mas quantas vezes a mídia falou dessa venda da refinaria da Argentina, feita no Governo do PSDB-PMDB-DEM? Eu, que lido com análises da política, tinha pouca informação disso. Pois ela representa mais da metade dos recursos destinados pelas mãos do operador Cerveró. Então... dois pesos, duas medidas.
Creio que devemos dar apoio a que essas investigações cheguem até o final, se é que isso vai acontecer. Mas que não se prenda a delações, e busquem formas concretas de punir os que efetivamente se beneficiaram de toda essa maracutaia. E que se estenda aos mesmos mecanismos utilizados para bancar as eleições de parlamentares e governadores em cada Estado. O Caixa 2, funciona aqui nesse país faz muito tempo. Muitas empresas públicas e bancos estatais já foram à falência por desvios de recursos para essas campanhas, com os devidos repasses para as contas particulares de muitos desses agentes.
Enquanto isso a educação vai de mal a pior, com professores mal pagos e escolas pessimamente cuidadas nos Estados e municípios. E a saúde enfrenta um caos no atendimento, gerado pelas dificuldades em manter unidades de saúde com tecnologias modernas, ampliação de seus espaços e melhores salários para os trabalhadores.
Tenho minhas dúvidas se isso chegará até o fim. O golpe patrocinado aqui no país teve como objetivo explícito acobertar uma quadrilha de corruptos, muito embora ela já estivesse agindo sob as barbas do governo anterior, que tem envolvidos muitos nomes que faziam parte da estrutura partidária que lhe dava apoio.
Isso torna mais grave a situação, mas não pode desanimar aqueles que lutam por uma sociedade mais justa e menos desigual.
De qualquer maneira, já sabíamos como esses esquemas funcionavam, já que esse sistema político está falido faz tempos. Contudo, não devemos também ser complacente com os erros daqueles que porventura apoiamos em algum momento. E repito uma frase que ouvi de Ciro Gomes. "O erro do pecador pode ser admissível, mas do pregador é inaceitável". Em todos os casos, contudo, devem ser punidos. Mas o que escandaliza mais?
O Brasil melhorou, não há dúvidas e isso foi fruto de medidas corretas de inclusão social e investimentos na economia mediante ações do governo. Houve equívocos quando se pretendeu garantir subsídios para setores industriais e grandes produtores, ao invés de se prosseguir investindo com mais vigor em iniciativas de economias solidárias e pequenas cooperativas. E, principalmente por o governo não ter conseguido proteger o país da grave crise econômica mundial. Essa seguramente a tarefa mais difícil, pela dependência nas importações de commodities.
Mas, pelos números que surgem sobre os desvios de recursos públicos, e sabemos que esses montantes podem ser infinitamente maiores se investigações semelhantes forem feitas nos Estados, vamos compreendendo melhor a dimensão do atraso que existe em nosso país, comparando-se com o restante dos países do mundo. Muito embora devamos reconhecer que nunca se teve tanta liberdade para se investigar como nos últimos anos, apesar da leniência do judiciário e da seletividade de algumas operações policiais e do Ministério Público.
A corrupção é uma gangrena que tem impedido o “paciente” de se desenvolver a níveis adequados e a garantir melhores ritmos de inclusão social e do fim das desigualdades. Este paciente é o Brasil, mas a vítima fatal é o povo brasileiro, notadamente os mais pobres, a imensa maioria da população, imersa em uma estrutura social perversa, violenta e desigual.
É preciso romper com essa estrutura, que advém da dominação colonial e criou um caldo de cultura que flerta com esses desvios e faz da corrupção também uma patologia social, a desafiar as pessoas a comportarem-se com dignidade, levando as que agem assim a serem vistas como heróis em um mundo de desonestos. Quando a manifestação de honestidade deve ser uma característica permanente e normal na sociedade.
Vivemos nesses tempos turbulentos como no dilema de Sísifo[2]. Na mitologia grega Sísifo seria um rei de uma pequena província que, espertamente, ousou desafiar os deuses em uma trama que nos lembra os bastidores da nossa política, sofrendo punição por isso. Sua pena foi ter que, para o resto da vida, empurrar uma enorme pedra montanha acima. Ao chegar lá cansado ele não conseguia impedir que a pedra rolasse montanha abaixo, fazendo com que ele tivesse que recomeçar o seu calvário, eternamente.
Acabar com isso que nos escandaliza, requer muito mais do que combater e punir os corruptos. Mas passa também por reeducar a sociedade brasileira a ter a capacidade de discernimento sobre esse mal que acomete o Estado brasileiro há séculos. E que, para corrigir isso se exige um fortalecimento da educação, da capacidade de reflexão crítica, do fim da impunidade e na crença de que somente com medidas altruístas, solidárias, mais coletivas e menos individualistas, e por comportamentos marcados pelo respeito ao outro, é que conseguiremos adquirir uma nova cultura de rompimento com essa estrutura política perversa.
Daí o mito de Sísifo. Quando imaginamos ter encontrado a direção para isso, um revés nos empurra montanha abaixo, e precisamos recomeçar a luta para recompormos uma sociedade fragmentada e mais intolerante, onde se destacam os oportunistas que se aproveitam da desesperança que se dissemina entre o povo.
Persistir na luta, num ambiente de descrédito, não é tarefa fácil. Mas não há outro caminho. É preciso que a sociedade não internalize a crença de que nada pode mudar. Porque a mudança é permanente, só que ela se dará na direção em que as forças políticas apontarem. Tomar a condução desse processo é a condição para fugirmos da punição imposta a Sísifo. Se outras sociedades conseguiram, porque nós não haveremos?
E, para começar, reforcemos a luta pela necessária antecipação das eleições gerais. Para presidente, deputados e senadores. Que isso possa ser decidido em plebiscito juntamente com as eleições de prefeito para dessa maneira se estabelecer um pacto político que garanta ao país corrigir esses desatinos.
Mas, sem jamais esquecer que a nossa sociedade é marcada por uma luta de classes, e que, portanto, as camadas mais pobres devem estar protegidas por meio de suas organizações e sindicatos, e lutarem para que nas próximas representações parlamentares possam estar mais presentes no Senado e na Câmara dos Deputados. No entanto, não se pode esquecer, que não é só lutando contra o Estado que se obterá sucesso, mas entendendo que a crise é gerada por uma situação estrutural, de um sistema comandado por uma minoria de ricos que controla os meios de produção e que gera essas crises recorrentes. A revolta deve ser também contra isso, pois o Estado é somente um instrumento para manter a situação sobre o controle desses senhores que dominam a economia e os faz cada vez mais ricos.
O povo não pode ficar condenado a eternamente rolar rochas montanhas acima e a correr desembestado montanha abaixo, em crises permanentes que só afetam os mais fracos economicamente. É preciso romper com essa lógica perversa.

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