ERIC HOBSBAWM. Meu ícone, um
exemplo, um mestre, sempre coerente com suas referências teóricas e
ideológicas. Para mim o maior historiador do século XX. E ainda viveu por mais
de uma década do século XXI, o suficiente para produzir seu último livro em
2011. Suas ideias
e produção intelectual transcendem, em muito, sua existência corpórea.
Permanecerá entre nós ainda por muito tempo, pois os livros e as ideias são
para sempre.
Fico triste por sua morte, mas ele se foi com uma
idade invejável, cumpriu seu destino com sobras. E, particularmente, fico feliz
por ter podido me inspirar em sua grande elaboração teórica e ter adquirido boa
parte de seus livros traduzidos para o português. Todos
os seus livros, indistintamente, serão sempre por mim indicados para leitura, a
todos aqueles que se interessem por conhecer a História numa visão de
totalidade, tendo a dialética e o materialismo, como metodologia a orientar as
suas pesquisas e elaborações intelectuais. Especialmente aquele em que melhor
nos conta o que foi o Século XX: “A Era dos Extremos”.
Desde quando entrei na Universidade
pude ter contato com seus escritos, e disputei seus livros com avidez, tão logo
pude ler o primeiro deles, A ERA DAS REVOLUÇÕES. Logo depois me saciei um pouco
mais com A ERA DO CAPITAL, e o entendimento do processo que transformou o mundo
e introduziu uma nova classe social a comandar um novo sistema, prosseguiria com
A ERA DOS IMPÉRIOS. Esses três livros, numa sequência de abordagem das
transformações que o mundo sofreu a partir do fim do período feudal se
completaria com a ERA DOS EXTREMOS – O breve século XX.
Seu livro de memórias, TEMPOS INTERESSANTES, mais do
que uma produção que complementa a “Era dos Extremos”, é uma lição de vida,
onde ele pontua toda sua vivência intelectual sintonizada com os fatos
históricos que marcaram intensamente o único século em que aconteceram duas
guerras mundiais. Nascido no ano da Revolução Bolchevique, e tendo que viver
sua infância e adolescência em meio a uma Europa que saíra de uma guerra
pavorosa e se preparava para entrar em uma outra guerra mais sangrenta ainda,
construiu toda a sua competência intelectual fortemente influenciado pelo
crescimento das ideias socialistas. Apesar do furacão que levou parte desses
ideais, com a sequencia de crises que envolveu os países socialistas, ele
manteve-se firme ideologicamente, e sempre foi uma voz presente nas críticas à
globalização neoliberal. Difícil encontrar alguma incoerência em seus escritos,
e qualquer contradição entre o que ele escreveu e o que efetivamente está
registrado na história.
Hobsbawm sempre me inspirou, e
carrego em quase todos os meus escritos um pouco de sua visão de mundo,
profundamente incorporada da teoria marxista, com a qual ele foi coerente até
os últimos dias de sua vida. E, talvez pressentindo seus últimos dias, publicou
um livro em que procura dar sua contribuição aos que, indignados, se batem nas
ruas contra as injustiças e contradições do sistema capitalista: COMO MUDAR O
MUNDO – MARX E O MARXISMO (2011) com textos atualizados e outros
inéditos.
Longa
vida ao grande mestre da História!! ERIC John Earnest HOBSBAWM
(Alexandria, 9 de Junho de 1917 - Londres, 01 de outubro de 2012).
O SÉCULO DE HOBSBAWM
Artigo de Vladimir Safatle, professor livre-docente do
Departamento de filosofia da Universidade de São Paulo.
Morreu ontem Eric Hobsbawm, um dos
mais influentes historiadores do século 20. Sua influência veio não apenas de
um trabalho seguro e rigoroso de pesquisa historiográfica que privilegiava
movimentos sociais dos séculos 19 e 20. Na verdade, em uma época como a nossa,
que parece abraçar de maneira entusiasmada a crítica das chamadas
"metanarrativas" com suas visões de processos globais e movimentos
teleológicos, Hobsbawm destoava por ser um dos poucos que não se contentavam em
afundar-se na micro-história.
Sem medo de procurar processos nos
quais rupturas socioeconômicas e produção de novas ideias de cunho
universalista se entrelaçam, Hobsbawm soube, como poucos, mostrar como a
história da modernidade ocidental sempre foi a história das revoluções.
Fiel à filosofia da história de
cunho hegeliano herdada pela tradição marxista, ele escreveu quatro livros
clássicos ("A Era das Revoluções", "A Era do Capital",
"A Era dos Impérios" e "Era dos Extremos") a fim de mostrar
como as exigências igualitárias de liberdade enunciadas pelos setores populares
da Revolução Francesa moldarão o curso da história como uma voz que sempre
volta. Tal voz da igualdade será o fator de inquietude de uma história que
será, cada vez mais, realmente mundial.
Adorno dizia que a fixação
positivista nos "fatos" escondia, muitas vezes, a simples
incapacidade de enxergar estruturas. Pensar é saber estabelecer relações e, se
é inegável que certas construções da historiografia marxista demonstram-se
infrutíferas e demasiado genéricas, há de se reconhecer que a rejeição em bloco
dessa tradição teve forte impacto negativo na nossa capacidade de pensar a
história.
Mas isso nunca impediu Hobsbawm de
imergir nos detalhes e encontrar, por exemplo, na voz de Billie Holiday as
marcas do sofrimento social dos esquecidos do sonho americano (conforme o livro
"História Social do Jazz") ou nas desventuras do bandido Jesse James
algo de fundamental a respeito dos descaminhos de nosso ideal de liberdade e
das debilidades do poder (conforme o livro "Bandidos"). Hobsbawm
sabia ler tais "fatos isolados" como sintomas sociais.
Alguns, como o historiador
britânico Tony Judt, insistiam que Hobsbawm não teria capacidade de compreender
as ilusões que moldaram o século 20, em especial o comunismo. Talvez seja o caso
de dizer que a compreensão da história como simples crítica das ilusões corre o
risco de perder de vista o essencial: de onde vem a força que faz com que
indivíduos consigam ir além de seus próprios interesses imediatos? O que talvez
explique porque quis o destino que o último livro de Hobsbawm se chamasse
exatamente "Como Mudar o Mundo".
HOBSBAWM EXPANDIU LIMITES
DO PENSAMENTO MARXISTA
Artigo de Jorge Grespan, professor do Departamento de
História da Universidade de São Paulo.
Eric Hobsbawm conquistou justo
prestígio entre o grande público apreciador da história e também entre seus
colegas de ofício, o que já é em si algo digno de nota. Claro e elegante,
abordou temas aparentemente tão distintos como o mundo do trabalho e o jazz,
sempre preocupando-se em relacionar as várias esferas da vida social e fugir de
explicações unilaterais, pintando quadros históricos largos, mas precisos.
Incluindo-se na geração de
historiadores do pós-Guerra que chamava de "modernizadores",
dedicou-se inicialmente à história do século 19, e o sucesso alcançado por seu
"A Era das Revoluções" levou-o a escrever "A Era do
Capital" e "A Era dos Impérios".
Não os escreveu para os colegas,
mas tornou-se referência também para eles, carentes de obras que rompessem
limites entre temas particulares e situações nacionais.
Teve nesse ponto importância
decisiva, ao criticar a historiografia acadêmica tanto por sua especialização
excessiva quanto pelos preconceitos que a impedem de se dirigir a um público
leigo.
Hobsbawm chegava a se apresentar
como "vulgarizador". Mas não nos enganemos: atingir um público amplo
significava não satisfazer a curiosidade acrítica do mercado editorial, e sim
participar de um esforço formador.
Em grau e forma própria,
compartilhava com colegas como Christopher Hill e E. P. Thompson de uma atitude
crítica em relação ao que se consideraria próprio a um historiador marxista e,
por isso, inovou nos temas e métodos, como ao escrever sobre uma de suas
paixões, o jazz.
Aqui, como na obra sobre "A
Invenção das Tradições", o interesse é iconoclasta. Trata-se de solapar
entidades caras ao neoconservadorismo militante a partir dos anos 1970,
descobrindo o lado mistificador de certos apelos ao passado legitimador.
Mais do que expressão do
inconformismo racial nos EUA, o jazz é entendido no contexto da história da
indústria, em especial a cultural. E tradições importantes da monarquia inglesa
são examinadas e diferenciadas dos "costumes" em que se baseia o
direito consuetudinário típico da ilha, para evidenciar que nelas o passado
aparece como algo justificador da resistência a mudanças perigosas para os
poderes constituídos.
Mostra assim aos críticos que o
marxismo não precisa ser economicista. Mas o mostra também aos marxistas. Esses
são seus grandes legados.
Como seria inevitável, há quem
discorde de teses expostas na sua vasta obra. Mas não quem negue que ele foi um
dos maiores historiadores marxistas de nossa era, cujos "extremos"
parece que só começaram depois de 1991.
Extraído do Jornal da
Ciência on line: http://www.jornaldaciencia.org.br/Detalhe.jsp?id=84396
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