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quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012

O DOM DE (SE) ILUDIR

Cresceu nos últimos tempos, a partir de uma permanente campanha da mídia, uma forte aversão à política. De tal maneira isso tem sido generalizado que certamente desestimulará muitas pessoas honestas de se colocarem à disposição para uma candidatura, de forma a levar adiante lutas que são travadas no cotidiano de suas categorias e também contra as injustiças sociais. Mas, creio, esse é o objetivo de tal campanha. Criou-se, assim, um senso comum, e a política passou a ser vista como o canal por onde se esvai o dinheiro do povo, devido a inúmeros casos de corrupção
Tornou-se comum em insossos programas de humor, escolher como alvos, políticos, e os tornarem ridículos perante a sociedade. Aqueles com perfis mais conservadores, alguns cuja ascensão a política se deu mediante uma farta conta bancária, por possuir fortes doadores de campanha ou por terem se aproveitado das regalias do poder para enriquecerem escandalosamente, são os principais alvos, cuja imagem passa a ser vendida como se definisse o perfil de todos que atuam na política.
É evidente que tais personagens da política, alguns que já se tornaram folclóricos, e, como se diz popularmente, viraram “sacos de pancadas”, carregam todas essas culpas, e deveriam, se a justiça brasileira não fosse além de cega, extremamente parcimoniosa, pelo menos serem investigados e julgados pelas inúmeras suspeitas que recaem sobre eles.
Mas isso não pode ser generalizado, e muito menos servir como instrumentalização para transformar a política em um ambiente movido pela ambição onde todos, indistintamente, podem ser achincalhados e tidos, aprioristicamente, como contumazes salafrários.
Os que agem dessa forma, empunhando a espada de dâmocles prestes a ser solta sobre a cabeça de todos e todas que optam por assumir uma candidatura em algum parlamento, tornam-se instrumentos de forças conservadoras, para as quais quanto mais fragilizado for o poder legislativo melhor será ele dominado pelos poderosos interesses corporativos. A generalização torna pequenos e frágeis aqueles que movidos por questões ideológicas e preocupados com a defesa de valores humanos e comunitários, engajam-se numa luta extremamente desigual num parlamento dominado por representantes do grande capital, dos latifundiários, das corporações.
Ademais, os políticos não se constituem em uma categoria. Os parlamentos são compostos por representantes de vários setores, e tem em sua maioria empresários, advogados, médicos, engenheiros, fazendeiros, professores – em alguns casos juntam-se várias categorias em um só – e poucos, pouquíssimos, operários e camponeses. Alguns, é certo, assumem o parlamento dispostos a usarem de seu mandato em benefício próprio e/ou corporativo. Mas, nem todos, porém, podem ser condenados por desvios de caráter, mesmo os que detêm um perfil conservador que os afasta dos interesses populares. Nem essa opção os tornam marginais, ou corruptos por natureza. Assim como não faz de quem assume a posição de esquerda um santo, já que no decorrer de sua vida também pode atravessar a linha demarcatória que o difere dos chamados “políticos fisiológicos”, seduzidos pelas benesses do poder e dos dengos que lhes fazem os poderosos.
Digo isso, então, para que saibamos bem discernir o joio do trigo, como no dizer bíblico. A onda antipolítica, que segue a campanha midiática, afasta as novas gerações das atividades políticas e deixa o caminho aberto para as velhas raposas e para os seus herdeiros, que assumem a condição de sucessores de impérios construídos à custa do aproveitamento do cargo e da proximidade com o poder.
Que não se julgue muito esperto quem vive a repetir essas ladainhas, como se fosse o mais experiente eleitor da face da terra, e o indivíduo mais consciente das redes sociais. Não resistirá a um teste de ingenuidade, e se verá como um propagandista de causas conservadoras.
Isso não quer dizer que não se deva apontar as mazelas que são feitas, mas que se dê mediante a indicação que tais indivíduos servem a determinados interesses. Que se aponte quais são esses interesses e avance fundo a identificar que a democracia no capitalismo é uma ilusão, embora não se consiga encontrar um meio mais adequado à estrutura de funcionamento desse sistema e da forma de funcionamento do Estado. Sendo assim, deve-se, ao invés de campanhas negativas da política, identificar quais aquelas lideranças merecem ser consideradas honestas o suficiente para apostar em sua ascensão, e propagandear mediante a escolha de propostas que visem minimizar os problemas que causam enormes desigualdades sociais.
É possível encontrar pessoas com esses perfis. Basta observar a honestidade e o caráter, o histórico de vida, a trajetória de luta e o envolvimento em causas sociais. Alianças políticas não se incluem nessas características, pois elas fazem parte do próprio “jogo democrático” e quase uma imposição no sistema parlamentar legal. Embora nem todos estejam imunes de serem picados pela famosa “mosca azul”, não há outro mecanismo de se fortalecer as lutas populares e escolher políticos mais confiáveis.
É ingênuo também condenar somente os políticos por usufruirem de com o dinheiro do povo. Isso é feito, repetidamente, até mesmo nas redes sociais por meio de um instrumento, por exemplo, o Facebook, que recentemente aderiu ao mercado de ações e tem o seu valor bilionário que suplanta em cinco vezes o que vale uma poderosa corporação, a Ford. Essa é a incrível contradição, usamos de uma arma que facilita a luta contra as mazelas do sistema capitalista, no caso a política tal como é feita (dentre outros combates), e contribuímos para construir duas megas corporações da internet, o Google e o Facebook. Que transformam tudo isso em dinheiro... muito dinheiro. Vejam só como vivem nababescamente os criadores do site Megaupload, recentemente alvo das ações do FBI, a polícia federal dos EUA.
Celebridades e jogadores de futebol ganham fortunas. Quem paga isso tudo? Os que ficam se “divertindo”, mas pagando indiretamente esses salários milionários. Ganhos absurdos, que equivalem a centenas de vezes o que ganha um professor. E muitos dos que abrem baterias contra os políticos ficam extasiados quando se deparam com esses “ídolos”, endeusados pelo mais miserável dos indivíduos, por quem muitos dariam a vida, mas cujos parcos salários sequer é suficiente para chegar à metade do mês.
Não se deve alimentar ilusões, pagamos não somente o que os políticos ganham, mas tudo o mais que gira na sociedade capitalista. E muitos pagam, inclusive, pelas mordomias e riquezas, algumas delas ostentadas em condomínios luxuosos, de vários chefes do tráfico de droga. Que não se resume às miseráveis pedras de craks, mas, principalmente, pelas disputadas gramas de cocaínas, nas classes médias e alta burguesia. É óbvio, quem consome essas drogas, pagam esses marginais que usufruem desses luxos.
E a cultura que esse tipo de sociedade cria faz reforçar cada vez mais a alienação e a hipocrisia. Apesar da graça em piadas que “esculhambam” os políticos, elas alienam e só reforçam estigmas e preconceitos.
Sarney, por exemplo (um desses que construiu um império na política) já virou saco de pancada. Mas continua, do alto de sua experiência octogenária, a comandar o Senado da República. Um sinal de que essa campanha não atinge o objetivo que se imagina ter. Outro alvo conhecido, Jáder Barbalho, acaba de ser reentronizado no Senado, onde permanecerá por mais sete anos, apesar de ser um dos alvos da lei ficha limpa, mas que mesmo assim foi o mais votado no seu Estado.
Enquanto isso cresce o número de milionários aqui no Brasil, muito embora não representem nem mesmo 1% da população. A maioria não produz nada, explora com competência o trabalho alheio. Inclusive pastores, que acumulam enormes riquezas. Não é preciso apontar nomes. Cada um dos leitores seguramente tem um exemplo para citar e isso já foi divulgado amplamente. Mas de onde é que sai o dinheiro que tornam esses indivíduos, novos empresários, banqueiros, jogadores, todos os tipos de celebridades e negociantes da fé, milionários?
É evidente que tudo isso é pago pelo dinheiro que circula nas mãos de todos que compõem a sociedade. Não há riqueza que não tenha sido construída através da exploração, escravista, servil e capitalista, das pessoas. Elas surgem e crescem mediante negócios de várias formas, inclusive dos escusos, tráfico de drogas, contrabandos, prostituição, crimes de todo tipo, mas, principalmente sobre o trabalho alheio. O enriquecimento se dá para quem comanda esses negócios.
Recentemente criou-se uma febre de crítica sobre o BBB, nefasto programa que deveria chamar-se “zoológico humano”. Mas pouco se disse a respeito de outro desses “reality shows”, uma outra aberração que mostra o “cotidiano(?)” de ricas “peruas”: “Mulheres Ricas”. Algo que deveria agredir e indignar os que se dispõem a construir uma visão crítica. Mas porque a reação foi diferente? Porque se construiu uma cultura de que isso é normal. É aceitável. E o que torna essas pessoas ricas decorre de “trabalho duro”, dos pais e avós, etc... etc... etc... Então não incomoda. Por isso a revista Caras é uma das mais vendidas, porque vende (desculpem a redundância) as imagens de personalidades “bem sucedidas”. E que ganham dinheiro também ao se exporem. E quem paga isso?
Ora, existem políticos salafrários, que constroem riquezas às custas do poder que lhe é concedido pelo povo? É evidente que sim. Mas que não se fechem os olhos a essas outras aberrações e não transformem a política numa espécie de “Geni”. Onde a todos é permitido jogar pedras. E se esqueçam que o mal maior é a cultura criada por uma lógica sistêmica que manipula, aprisiona e aliena a todos. Os abusos gananciosos cometidos pelos grandes financistas, banqueiros e CEOs de grandes corporações, é que tem levado milhares de jovens às ruas em várias partes do mundo, ao contrário do que acontece no Brasil cujo alvo, tem sido exclusivamente, os que atuam na política.
Mesmo num momento em que acontece a maior crise no judiciário, onde o corporativismo tentava impedir as apurações de profundas irregularidades cometidas por juízes e servidores de um poder que se pretende ser inatingível. Não se viu manifestações nas ruas contra esses abusos, bem como contra muitos outros que deveriam causar indignação, mas que não geram as mesmas comoções porque são simplesmente omitidos pela mídia. Fraudes financeiras, por exemplo, que produzem rombos enormes nas finanças brasileiras.
Orgias, roubos, manipulações, ocorrem em todos os setores que formam os pilares das estruturas capitalistas. Corporações, igrejas, bancos, mídia, tem seus escândalos escondidos, mas são rotinas por todos os cantos do Brasil e de qualquer país do mundo. Recentemente um desses escândalos, envolvendo, mais uma vez, o Banco do Vaticano, sequer foi divulgado. 
Há pouco tempo o colunista da revista Carta Capital, Walter Maiorovitch,  (http://www.cartacapital.com.br/internacional/outro-escandalo-no-vaticano/), fez uma lista de crimes envolvendo pessoas que manipulavam grandes somas de dinheiro no Vaticano, inclusive assassinatos. E relata a forma como dezenas de milhões de dólares foram transferidos para bancos nos Estados Unidos e Europa, inclusive para o J. P. Morgan, muito conhecido por ser um dos centros da crise econômica de 2008 que se estende até os dias de hoje. Mas não houve repercussão, sequer foi divulgado por outros meios de comunicação. A crise, que se diz de 2008, começou a ser gestada bem antes, já tinha os sintomas claros em 2006, mas só começou a ser notícia quando o caldo entornou.
Assim, sem saber informações sobre esquemas poderosos, altos roubos e corrupção, que afetam vários outros setores, a turba revolta-se sempre contra aquilo que é massificado pela mídia. E duas razões são para mim óbvias: esconder a podridão que sustenta essas estruturas, e reforçar uma campanha contra a política, de forma a ter em mãos dos que as controlam um parlamento fraco, dócil, e submetido aos seus interesses. De boa fé, indignados levantam-se no Brasil fazendo eco com essa campanha, e não tendo a noção exata do que comanda tudo isso, agem como alienados, pois que focam numa parte, esquecendo-se que a realidade que compõem a totalidade capitalista é muito mais cruel do que aquilo pelo qual eles se mobilizam.
Não deixemos de exigir decência na política e prisão de corruptos em casos devidamente provados, mas que não se perca o foco de onde se encontram as raízes de práticas perniciosas, de como se dá a exploração da fé e da boa vontade das pessoas, e fundamentalmente, que consigamos construir uma visão crítica de mundo que permita a todos perceberem que não são somente os políticos que usufruem e enriquecem às custas do dinheiro do povo, mas todos aqueles que conseguiram de alguma maneira construir fortunas ou situar-se financeiramente acima dos outros.
Toda riqueza é construída a partir da exploração do trabalho e da fé alheios. E não há pobreza que não seja conseqüência das desigualdades surgidas como decorrência do controle dos meios de produção, do capital financeiro e das formas de conquistar e manipular o poder em benefício de uma diminuta parcela da população. A humanidade não conseguirá solucionar todos os seus problemas demonizando a política, ela é necessária para que a força não suplante a capacidade de diálogo e de permanente busca por consensos, só precisa deixar de ser um odioso instrumento para beneficiar uns poucos em detrimento da maioria das pessoas.
A luta, portanto, deve mirar também, e principalmente, nos alicerces que sustentam uma estrutura social falida. Só assim, será possível construir um outro mundo.
Foto: Meirene Souza
* A propósito, quando eu finalizava esse artigo me deparei com as notícias sobre uma ação do Ministério Público do Estado de Goiás que deflagrou, juntamente com a Polícia Civil, a Operação Biópsia. Descobriu-se o desvio de milhões de reais por alguns diretores, de uma instituição filantrópica que foi criada com o objetivo de realizar um trabalho de atendimento à pessoas que não tem recursos e precisam de tratamento no combate ao câncer. Eis um dos motivos pelo qual insisto que a questão é sistêmica e o seu combate não pode ser reduzido a apenas um setor da sociedade.

2 comentários:

  1. Uma análise muito bem construída Romualdo, me fez refletir bastante. É preciso repensar o que a mídia nos impõe. Repensar nossas verdades e refletir sobre o que defendemos sem generalizar as causas e os fatos.

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  2. Excepcional este artigo meu amigo. Parabéns.
    Um grande abraço.

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