sexta-feira, 18 de novembro de 2016

APESAR DE TERMOS FEITO TUDO, TUDO O QUE FIZEMOS, AINDA SOMOS OS MESMOS E VIVEMOS COMO NOSSOS PAIS

“Eu não vivo do passado. O passado vive em mim”
Paulinho da Viola
Lembro-me de ter ouvido muito de meu pai uma frase que é lapidar, porque ela mostra o quanto vivemos no passado, presos a situações que se passaram em épocas diferentes, mas que insistimos em analisar com o olhar do presente. Ele costumava sempre fazer referência às minhas lutas, ou seja, à minha participação política, iniciando-se com a expressão, “no meu tempo...”.
Meu pai foi vereador na cidade de Alagoinhas (BA), teve uma participação política destacada naquela cidade. Antes de ser parlamentar era atuante no sindicato dos trabalhadores em curtumes. E, em abril de 1964, foi detido em nossa casa por soldados fortemente armados, preso e levado para uma prisão em Salvador onde ficou por cerca de 30 dias. Ele pouco nos falou sobre esse tempo em que ficou preso. Depois de solto, retornou à Alagoinhas, cassado, e abandonou a política. Embora acusado de “comunista”, ele passou ao largo dessa ideologia, e fazia parte do mesmo partido de João Goulart, o PTB de outrora, não esse de hoje.
Evidente que ele tinha uma experiência histórica, que nos orgulhava ao ouvi-lo falar a respeito. Mas que não guardava similaridade com a situação em que eu me encontrava, na década de 1980. Quase vinte anos e muita mudança na conjuntura nacional e internacional, além de alterações no comportamento da sociedade, indicava que os tempos eram diferentes. E de fato era. Vivíamos um período de intensa rebeldia, principalmente entre a juventude, e uma situação de fragilidade da ditadura militar. Era um período de exceção e de dificuldade para a atuação política e o ambiente era de crescimento das forças de esquerda e dos comunistas, embora em meio a uma divisão crescente dessas forças. O movimento estudantil reorganizava-se com muita força e participação, assim como as demais entidades sindicais e sociais de uma maneira geral. Não nos parecíamos em nada com a juventude da década de 1960, embora carregasse parte de insatisfações ainda comuns. Havia uma forte luta pelas liberdades individuais que se espalhara pelo mundo, em decorrência da reação à guerra do Vietnã e às ditaduras militares que cerceavam a liberdade em boa parte do continente americano e também na África. Vivíamos intensamente os tempos da guerra fria.
Outra diferença entre nós era do posicionamento político. Enquanto meu pai enveredou por um pensamento conservador, eu entrei e não saí do espectro da esquerda, e me mantive por todo esse tempo ligado à ideologia marxista, que se tornou base da construção de minhas ideias e formulações políticas.
Mais de vinte anos depois, me deparo com uma situação inversa, eu agora na condição de pai. Permanentemente sentido, pela perda de uma filha, logo aos dez anos de idade, e com um único filho que me restou. Ao contrário de meu pai que conviveu com seis, sendo cinco homens e uma mulher.
Mas que não se imagine isso ser suficiente para que a frase lapidar usada por meu pai, tivesse sido abandonada ou esquecida por mim. Eis que mesmo trilhando um caminho diferente de meu pai, de mentalidade mais progressista, me deparo cometendo o mesmo erro do anacronismo que sempre critiquei nele. Como tive uma atuação intensa no movimento estudantil, imagino sempre poder passar para o meu filho um pouco da minha experiência. Ora, mas já se passaram mais de 30 anos, e de um tempo acelerado e com transformações impressionantes na forma de se organizar e de viver em sociedade, principalmente devido ao forte aparato tecnológico que se desenvolveu de lá para os dias de hoje. Claro que isso não significa necessariamente que os tempos atuais sejam melhores, mas que inegavelmente é profundamente diferente.
“No meu tempo...”! Essa frase nos acompanha. Talvez porque nos espelhemos naquilo que fomos no passado, e porque desejamos que nossos filhos também nos vejam como referências. Quando temos boas referências a lhes passar. Ou porque, como diz Belchior em uma belíssima e clássica música que me aproprio aqui de uma frase que uso como título, “minha dor é perceber que apesar de termos feito tudo, tudo o que fizemos, ainda somos os mesmos e vivemos como nossos pais”.
Mas, tudo bem que de minha história de luta progressista eu pouco tenha pelo que me arrepender. E meu filho trilha um caminho, parecido com o meu, mas em uma situação bem distinta, quase que completamente diferente, pelo aspecto conjuntural. Não pode caber, nesse caso, a comparação nos exemplos com os fatos presentes. Porque o mundo mudou, e muda sempre. A juventude, que carrega fortemente esse sentimento de rebeldia e de mudança, guia-se por outros valores e comportamentos. E, portanto, suas lutas diferem substancialmente da nossa, principalmente na forma, embora nem tanto no conteúdo. Contudo, insistimos em olhar o presente com as experiências do passado.
Alto lá! Não se trata de negar o passado, nem a experiência vivida, o que é uma condição para evitarmos erros e nos mirar nos acertos. Mas, se a conjuntura é completamente diferente, se os valores da sociedade são outros, se a juventude age com um comportamento bem distinto daquele do passado, provavelmente nossa forma de agir há décadas não se enquadre na maneira como eles veem o mundo e com as influências que direcionam suas ações atualmente.
Foi preciso dias, ruminando entre conflitos internos e interpretações das lutas em curso que se chocam com a radicalidade com que essa juventude está agindo, para que meus olhos se abrissem: embora com mentalidade progressista, me prendo ainda, conforme a música do Belchior, em formas conservadoras que me moldaram no passado. Um passado progressista, mas ao trazê-lo para o presente, ele se torna conservador, pois eu pretendo negar a própria realidade atual.
Travo, portanto, uma desgastante luta intestina, angustiantemente dialética, em meu próprio âmago, para me desvencilhar do olhar do passado. Isso não é fácil. Porque a vida, naturalmente, vai nos tornando conservadores. Envelhecemos, e quanto mais perto do limite de nossas vidas, mais racionalizamos nossas atitudes e nos batemos de frente com comportamentos impulsivos. Ou seja, queremos sugerir racionalidade no presente, em atos e atitudes semelhantes às que nos formaram no passado. Alguns, não. Permanecem ainda com impulsos juvenis, mas creio que muitos desses não passaram pelo processo intensivo da luta estudantil, como eu passei por seis anos. E agem na meia idade como se fossem recompor tempos não vividos. Demoram a amadurecer.
Posto isso, no entanto, não posso abdicar de tecer considerações e formular uma análise sobre esse tempo, e não sobre o comportamento radicalizado de uma juventude em luta. Porque, nesse caso, carrego um acumulo de experiência do passado que me permite uma análise do presente pelas formas de movimento com que as estratégias são estabelecidas. Além do olhar da história, do historiador.
Não vou me escandalizar com a intolerância como se ela fosse fruto apenas deste tempo. Não, ela sempre esteve presente nas sociedades, e mesmo desde os tempos iniciais das civilizações, fundadas em valores religiosos que eram impostos por quem exercia o controle do poder político. Pelos grupos, ou classes que por seu tempo, tornavam-se dominantes.
Mas não há como negar, que na medida em que uma crise de proporções mundiais se acentua, e quando há um evidente declínio do modo de produção absolutamente hegemônico mundialmente, os valores construídos a partir dele, e que constrói toda uma superestrutura fundamentada nos valores por ele disseminados, e portanto determina a cultura de uma maneira geral, se chocam com contradições saídas de seu próprio interior. De uma crise sistêmica, que abala as estruturas da sociedade, passamos a crises de valores, e, principalmente, da aceitação dos valores dominantes incapazes de justificar a degradação da sociedade construída sobre eles. Logicamente os setores dominantes, e as camadas que se situam no topo da pirâmide social, tendem nessas crises a lutarem desesperadamente para assegurarem não perder o que construíram. E passam a exigir mais ações repressivas contra possíveis medidas que lhes causem temores.
Isso foge ao controle. A radicalização no combate ao que se possa sugerir de novidade para confrontar esses valores arcaicos e em crise é combatida ferrenhamente, e os que defendem ardorosamente seus privilégios construídos e tentado ser mantidos em meio aos escombros dessa sociedade, passam a agir com comportamentos intolerantes, que somente espalham mais ódio e destempero a uma situação de crise intensa.
Como lidar com esse tempo, de uma transição que não aponta em direção a nenhum novo sistema que possa substituir o capitalismo? Como entender as novas formas de atuação e manifestação da juventude, em alguns casos absolutamente refratária aos mecanismos tradicionais de organização política?
Como combater a intolerância que se dissemina aceleradamente e não somente destrói relações de amizades, como também implode as famílias a ponto de gerar tragédias de ódio inominável, carnal, um filicídio? O que faz o pai matar seu único filho e se suicidar em seguida, por alimentar um rancor de anos, mas explodido numa confrontação de escolhas de caminhos, de liberdade, de necessidade de se romper o cordão umbilical, algo comum a qualquer adolescente? E, neste caso, uma escolha que se choca com o estilo de vida usual permitido pelos valores do sistema. Um comportamento anarquista que deseja confrontar toda e qualquer autoridade e ser livre das amarras institucionais que nos obrigam a viver em “ordem”, e mirando no “progresso”.
A estupidez e a idiotização das pessoas é absolutamente visível em seus comportamentos, nas opiniões que compartilham por redes sociais que se tornaram propagadores de um ódio insano. Os ataques pessoais, ofensas, injúrias, racismos, homofobia, todos os tipos de preconceitos são destilados raivosamente, temendo a nós, historiadores, que algo semelhante aconteça como nos exemplos perversos do monstruoso genocídio de Ruanda e da guerra cruenta e intolerante ocorrida na região dos Balcãs, que fragmentou a antiga Iugoslávia.
Mas, finalizo me dirigindo aos que defendem outro mundo, marcado pela tolerância e o respeito à diversidade, às crenças e às opiniões. Um mundo onde as desigualdades sociais sejam reduzidas a um limite aceitável. Combater a intolerância, com um comportamento igualmente intolerante, trará pouco sucesso à causa de construção desse novo mundo. A radicalização usada por determinados grupos que se dispõe a ir à luta, mas desconhece os limites dos desejos dos outros, mesmo que esses outros possam vir a ser convencidos da importância de suas lutas, representa igualmente uma estupidez radical estéril. Não soma, não agrega pelo convencimento, e afasta pela rispidez das formas adotadas inconsequentemente. Se o que desejamos é justiça, ela jamais se fará com irracionalidade, pois a base para que a justiça prevaleça é a razão.
Por outro lado, a forma radical expressa na intolerância da aceitação do outro, desperta o outro extremo, que ao reagir com semelhante intolerância transforma a luta geral, numa luta específica, entre extremos, que só pode despertar comportamentos fascistas, ao se fechar em suas verdades, na defesa veemente de suas opiniões como definitivas, e na violência como forma de se impor e de se sagrar vencedor nessa luta. Mas essa pode ser muitas vezes uma vitória de Pirro, e aí não há como não olhar para o passado, pois tem sido sempre assim na história.
Mas, para além das elucubrações políticas e ideológicas que eu possa fazer, existe uma realidade que se consolida, não só no Brasil, como em boa parte do mundo desde que se iniciou este século. 1. A constituição de uma diversidade de movimentos que aglutinam seus componentes organizando-se horizontalmente; 2. a negação da política;  e, 3. a aversão aos partidos políticos e a quaisquer formas de organização que represente a luta pela tomada do poder.
O primeiro item advém de concepções do século XIX, pelo anarquismo, e mais recentemente tomando a forma de movimentos autogestionários, mas que combatem os mecanismos de controle do Estado e se opõem a todas formas repressivas. Combatem, portanto, as formas tradicionais, muito embora ajam também com comportamentos intolerantes, ao não definir objetivamente seu alvo principal e rejeitar outros pensamentos que possam somar no processo de desconstrução do tipo de sociedade por eles criticada. Temem ser engolidos na sequencia de construção de outras alternativas, que para eles não devem seguir nenhum modelo e se organizar horizontalmente. Mas a questão que fica é, como chegar a isso em meio a força de um Estado e de formas de controle consolidadas e difíceis de serem desestruturadas?
Os outros dois não são novidades, mas as formas geradas pelas situações causadas por essas orientações, em circunstâncias diversas, embora parecidas, culminaram nas primeiras décadas do século XX, em regimes totalitários, expressas principalmente no fortalecimento do fascismo, e de sua face mais cruel, o nazismo. O que significa que temos em pleno século XXI, e depois de terem sido combatidos por muitas décadas, pelos dois lados da guerra fria, numa situação de intensificação de uma grave crise econômica mundial, a volta daqueles elementos que jogaram a humanidade em uma guerra estúpida, movida pelo preconceito e intolerância.
Não tenho dúvidas que a maneira de lidar com uma crise que se dissemina por todos os poros da sociedade, e radicaliza todas as formas de luta e de combate, em meio a uma intolerância crescente, é usar de formas radicais de enfrentamento, mas procurando, de todas as formas, atrair para o lado da racionalidade, com a construção de um movimento que se oponha ardentemente à perversão dessa sociedade capitalista, aqueles que nos últimos anos foram seduzidos pela deformação da notícia, pela dissimulação política e pela inversão dos valores que sempre foram defendidos pelos setores progressistas da sociedade. É inadimissível que a radicalidade se volte na forma de “fogo amigo”, e o foco do combate seja desviado, acentuando uma divisão que, lamentavelmente, sempre esteve presente nesses setores.
A juventude tem suas lutas, radicais pela forma, mas também consciente pelos objetivos a serem atingidos. Mas há uma diversidade de atuações movidas por questões ideológicas sectárias, que muitas vezes levam a embates entre si, ao invés de concentrar forças no inimigo maior e mais forte, aqueles que usurparam o poder, disseminam ódio e alimentam as forças de um setor egoísta socialmente, que se aproxima dos jovens como nunca aconteceu.
Saber lidar com essa situação, podendo cada um defender suas posições, mas visando o objetivo comum, é condição sine qua non, para que um novo tipo de democracia possa ser construído, impedindo que a intolerância se dissemine mais do que já está acontecendo. 
Por meios ainda que indefinidos, a juventude de hoje estará construindo no presente o que será o seu momento de amadurecimento pelas décadas que virão. E quiçá isso se dê, futuramente, em uma sociedade menos desigual, mais racional e tolerante do que esta em que estamos vivendo. Mas, certamente, estará convivendo com o mesmo dilema que hoje vive a minha geração, e quem sabe ainda ouvindo a canção de Belchior. Se isso for certo, que cada um e cada uma saibam lidar com seus filhos, compreendendo o tempo deles, e não o seu.

segunda-feira, 7 de novembro de 2016

MAIS UMA VEZ A GREVE. EXISTIRÃO OUTRAS ALTERNATIVAS? A UNIVERSIDADE E A LUTA CONTRA A PEC 241/55

Estamos vivendo momentos tensos, de definições políticas e de decisões tomadas por um governo que assumiu o poder por meio de manobras constitucionais. Essa condição faz com que as medidas implementadas não tenham sido submetidas ao crivo da aprovação popular. Nessas circunstâncias, as reformas propostas não objetivam agradar a maioria da população brasileira, mas dar respostas àqueles setores que controlam a riqueza do país, os meios de produção e, por conseguinte, influenciam nas decisões tomadas por parlamentares que foram eleitos sendo financiados por esses segmentos.
As propostas apresentadas pelo governo de Michel Temer, visam corrigir os problemas da crise brasileira com medidas que afetam setores que são cruciais para o desenvolvimento nacional e social do nosso país. Em especial, a saúde, educação, investimentos em programas sociais, questões ambientais e da defesa de nosso território. A partir de um projeto de emenda constitucional, transitada na Câmara dos Deputados sob o número 241, e agora no Senado identificada como PEC-55, esse governo deixa bem claro para que veio, e as razões de impor o impedimento a uma presidenta legitimamente eleita.
O controle dos gastos, feito de forma indistinta, como se estivesse gerenciando uma empresa, demonstra o grau de insensibilidade com setores que são estrategicamente importantes para o nosso crescimento enquanto Nação. Por outro lado, demonstra o quanto está sendo feito para agradar o setor empresarial, principalmente por abrir o Estado, mais do que já está ocorrendo, para a atuação de empresas privadas, terceirizando uma quantidade cada vez maior de atividades aos interesses da ganância privatista.
Esses pressupostos, acrescentando-se o fato de atingir de forma crucial a educação, tem gerado uma onda de revoltas que fez os segmentos que atuam diretamente nessa área, ou que são beneficiários dela, se mobilizarem para combater tais medidas. Como sempre, a juventude tem demonstrado não ter perdido seu espírito de rebeldia, e radicalizaram a luta, entendendo que há uma força coesa no parlamento, dominado pelos conservadores, que garantem o apoio à essas reformas, como um rolo compressor, em troca de benesses, cargos e apoio às suas reeleições. As ocupações de escolas, institutos tecnológicos e faculdades, tomaram uma proporção que não era esperada pelo governo, e tende a se ampliar, muito embora o cerco efetuado pelo ministério público e justiça federal estejam atuando para por fim a essas ocupações.
Por outro lado, os servidores técnico-administrativos já deflagraram em âmbito nacional, um movimento grevista, paralisando por tempo indeterminado suas atividades, e somando-se às lutas de outros setores da sociedade, também pressionam para conter a sangria que está sendo feita nos direitos trabalhistas e sociais.
São movimentos que guardam suas especificidades e lidam com as formas de lutas que lhes são mais adequadas e possíveis de serem levadas adiante de acordo com suas próprias características. Ressalto como importante a intensidade da luta estudantil, pelo vigor que ela possui e pelo receio que todos os governos sentem de ter que encarar grandes mobilizações da juventude nas ruas. Essa juventude carrega a esperança de poder ampliar as reações a medidas que são nocivas à maioria da população brasileira.
Como resposta ao movimento grevista dos técnicos, e os que também já foram aprovados por professores em diversas universidades e institutos federais, o Supremo Tribunal Federal cumpre o papel de guardião das reformas conservadoras em curso. Decidir pelo direito que os governos tem, de imediato solicitar o corte dos pontos dos grevistas, sinaliza, na prática, pelo impedimento dos servidores públicos poderem decidir livremente um direito que historicamente sempre foi crucial nas lutas dos trabalhadores, do Brasil e do mundo, de deflagrar greves quando julgarem que suas reivindicações não encontram canais de negociações, e, de forma impositiva estabelecem-se mudanças que lhes serão prejudiciais.
O direito de greve dos servidores públicos é legitimado pela Constituição brasileira, e somente não foi regulamentado em alguns aspectos porque foge do interesse de uma maioria conservadora, que protela discussões que são do interesse dos trabalhadores. No entanto, concordemos ou não, isso impõe aos professores a necessidade de a deflagração de uma greve ter que contar com o apoio da ampla maioria dos professores, caso contrário será um movimento de apenas uma parcela, somente sendo possível parar em sua totalidade por meio de formas coercitivas e impedimento de acesso á universidade. O que imporia uma realidade de confronto entre nós mesmos.
Mas, em que pese esses questionamentos, e a tentativa de cercear o direito de greve, é preciso analisar se entre os professores universitários, esse instrumento se faz necessário neste momento, e até que ponto ele não dificulta ainda mais as possibilidades de mantermos a universidade em movimento, em condições de debater e discutir as questões postas que irão nos afetar diretamente pelos próximos anos. Aliás, pelos longos vinte anos que estabelece a famigerada PEC.
Como eu disse anteriormente, a greve é um instrumento de pressão que tem por intuito forçar a abertura de diálogo e de negociação, a fim de termos nossas demandas atendidas. Mas, contra quem estamos lutando neste momento? Não se trata de reivindicações pontuais, salariais ou diretamente relacionadas à nossa categoria, especificamente. Essas medidas afetam um leque de setores muito amplos e estão sedimentadas pela formação de uma ampla maioria constituída a partir do golpe parlamentar-judiciário que destituiu a presidenta Dilma. Portanto, não temos interlocutores a nos atender em um movimento grevista, que foge das características tradicionais, quais sejam, a luta contra o arrocho salarial e em defesa de melhorias em nossas carreiras, a partir de pautas de reivindicações construídas com esse objetivo. Assim, a greve deixa de ter um foco específico, e passa a acontecer em cima de reivindicações gerais, que extrapolam a nossa própria categoria e até mesmo os limites da comunidade universitária e da educação. As reformas em curso são bem mais abrangentes, e além de nos atingir afetam milhões de brasileiros por diversos setores em que atuam ou que por algum programa é beneficiado.
Assim, problematizo a questão: qual o objetivo da greve? O que seria possível fazer para combater as reformas do governo Temer, neste momento inseridas na PEC-55, num movimento grevista, que não seja possível de fazer com a universidade aberta e apta a discutir essas e outras questões que se tornarão cruciais para nós nos próximos anos? Valerá a pena diante dessas circunstâncias parar a universidade, e vermos a maioria de nossos colegas distantes de um ambiente que deveria ser instigado a debater com mais frequência esses e outros problemas que nos cercam? Não somente a nós, comunidade universitária, mas a toda a sociedade?
Técnicos-administrativos da UFG
decidem pela greve
Não estou querendo questionar o movimento dos técnicos-administrativos, que possuem outras demandas e tem características distintas dos professores e, principalmente, porque eles não tiveram cumpridos acordos firmados em paralisações recentes. A greve dos técnicos afeta sobremaneira a universidade, as atividades que eles desenvolvem são cruciais para um bom desempenho da instituição, mas efetivamente não leva a um esvaziamento do nosso espaço, e nos força até mesmo a ter a compreensão de suas importâncias em nosso cotidiano.
Mas uma greve de professores, como tem sido nos últimos movimentos grevistas, esvazia a universidade, não atrai os professores para as atividades desenvolvidas e não causam repercussão na sociedade. Muito menos irá sensibilizar um governo que tem no questionamento ao ensino público um de seus objetivos já definidos. E, afinal, até onde o movimento iria? Seria uma greve por tempo indeterminado ou tendo em vista a votação da PEC no Senado? Se porventura houver aprovação dessa proposta (algo previsível, pela ampla maioria que o governo tem no Congresso) como o movimento encararia essa questão? Sabendo-se que mais adiante virão outras medidas que irão nos afetar mais uma vez, e sempre. Deflagraremos uma greve a cada proposta de reforma apresentada pelo governo? Isso significa a mais pura banalização da greve, sem objetivo específico, por meio de combates a medidas amplas e que nos levará ao enfraquecimento do movimento, a uma divisão entre os professores e a uma situação de instabilidade em nossa instituição, o que provocará mais ainda o seu enfraquecimento.
Erguer a bandeira da greve neste momento não significa, necessariamente, a mais revolucionária das posições a ser adotada. Mesmo que consideremos que setores conservadores, existentes na universidade, posicionam-se sempre contra essas paralisações. Mas há de se considerar também, que muitos que não aceitam sob hipótese alguma, a PEC-55, também não consideram a greve o instrumento adequado a este momento. Eu me incluo nesse segmento.
Na década de 1980 foi criado o Fórum
em defesa da UFG. Na foto o reitor
Joel Ulhoa dirige assembléia
Para além dos possíveis maniqueísmos que se queiram criar, não é possível encarar essa situação como numa escolha entre o oito e o oitenta. É possível construir mecanismos internos à nossa instituição para levarmos de forma aprofundada a discussão sobre as consequências que essas medidas trarão. Mas também construirmos outra agenda, não só interna, mas que possa levar para a sociedade essa discussão, por meio de associações, entidades representativas dos diversos segmentos públicos ou privados, e a necessidade de criarmos um movimento a partir da universidade, como já o fizemos em outros momentos de crises, quando criamos os Fóruns em Defesa da Universidade Pública, Gratuita e de Qualidade.
Os movimentos em curso, cada qual com suas características e formas de lutas, podem ser incorporados em uma iniciativa que envolva os sindicatos e entidades, para construir uma agenda permanente de debates, discussões e formas de organização para barrarmos a sequencia de medidas restritivas á educação superior pública que virão pela frente. Também não pode se esconder dessa luta e responsabilidade, a reitoria e seus órgãos complementares. É preciso que haja coragem de se bater de frente com atitudes que ferem a autonomia da universidade e que visam cercear nossa liberdade de ação, de movimento e de discussão. O dirigente da universidade, assim como os das demais entidades que representam as nossas categorias, devem se postar de forma corajosa à frente dessas atividades e demonstrar cabalmente sua postura em defesa da nossa instituição, das nossas condições de trabalhos, na garantia de recursos suficientes para que o ensino e a pesquisa prossigam com qualidade, sem redução dos quantitativos financeiros que são necessários a esse bom desempenho.
Por essa razão, imagino que a deflagração de uma greve manterá somente um pequeno número de pessoas envolvidas, como tradicionalmente acontece, enquanto as demais se limitam a definir a data em que irá retornar a assembleia para votar pelo fim da greve. Isso esvazia nossa universidade e não cumpre o objetivo de garantir que haja uma mudança de comportamento internamente, que nos leve a um interesse maior para as questões que vão além do nosso laboratório de pesquisa, de nossa sala de aula, ou da burocracia que nos amarra.
Neste momento, a comunidade universitária deve ser chamada à responsabilidade de defender o que foi conquistado com muito esforço nos últimos anos. E, se porventura, existir (e existe) quem queira defender as medidas restritivas do governo federal, que esses colegas possam se manifestar e vir abertamente para o debate, se posicionar com seus argumentos. Duvido que tenham condições de negar que tais medidas irão afetar perversamente nossas instituições, afinal, se as estatísticas são manipuláveis, os números não mentem. E as ideias que estão por trás das medidas construídas na elaboração dessa PEC, nitidamente demonstram um caráter de perversão sobre a necessidade de o Estado brasileiro assegurar o ensino público, gratuito e de qualidade.
Professores da UFG aprovam paralisação
nos dias 11 e 25 de novembro contra a
PEC 241/55 e FORA TEMER!
Ademais, conforme já aprovado em assembleia, devemos paralisar nossas atividades nos dias 11 e 25 de novembro, aderindo a uma greve geral nacional nessas datas, como forma de repúdio às medidas impostas pela PEC 55. Isso já é um passo importante para demonstrarmos a nossa indignação e de que não estamos parados diante desse quadro político.
Isso não contrapõe às lutas travadas pelos estudantes, que seguem suas dinâmicas próprias. Mesmo com as ocupações, ou com outras formas de manifestações, o movimento estudantil tem outro perfil. E, quanto mais formas alternativas de se contrapor a medidas indesejáveis, por parte dos estudantes, mas isso servirá para atrair a atenção para as suas demandas. Além do mais, a vida em si, da universidade, depende dos estudantes. São eles que tornam a universidade diversa, inquieta e provocativa. Se os estudantes portam-se passivamente, a universidade perde em essência, acomoda-se e tem como foco somente a formação para o mercado. Por isso, as questões que aqui coloco, não estão relacionadas aos movimentos dos estudantes, e, entendo que porquanto durar suas ocupações, muito embora isso traga como consequência uma reação jurídico-policial, devemos vê-las com respeito, sem confrontá-los, muito ao contrário, contribuindo com o que for necessário para que, mais do que ocupações, isso signifique espaços de diálogos, de defesa de uma universidade crítica e de formação de jovens que olhem para frente enxergando muito mais do que tão somente sua formação profissional, mas também como cidadãos engajados e dispostos a lutarem por transformações sociais mais justas e menos desiguais. Com isso ganha não somente a universidade, mas sociedade como um todo.
Assembléia dos estudantes (FH) decidem
por ocupação. Mas as ocupações não
acontecem em todas unidades
Mas, qualquer que seja a decisão a ser tomada, nenhuma atitude pode implicar em causar prejuízo aos estudantes, notadamente àqueles que estão à frente do movimento de ocupações. Não cabe aos professores estabelecerem uma situação de animosidade nessas situações. Da mesma forma que não devemos adotar uma atitude policialesca de identificar de forma pejorativa qualquer um que apresente opinião contrária, a fim de não criarmos um clima de beligerância entre nós, comunidade universitária. Afinal, como dizia o Cazuza em uma de suas músicas, e que serve nessas circunstâncias que envolvem nossa universidade, “meus inimigos estão no Poder”.

Se a assembleia que ocorrerá no próximo dia 09/11, no entanto, aprovar greve, devemos fazer todos os esforços possíveis para unificar a nossa categoria e desenvolver atividades em conjunto com os demais setores. É essencial que as decisões da maioria sejam respeitadas, e por isso se faz necessário uma grande presença, sempre, nessas assembleias. Devemos criar um ambiente de debate e mobilização permanente, pois o que virá para além dessa PEC tende a prejudicar sobremaneira as universidades e institutos federais de ensino e tecnológicos. Saber fazer isso, de forma a ampliar pelo convencimento as nossas forças, será essencial para garantirmos os recursos que são necessários ao bom funcionamento da universidade, a melhoria de nossos salários e a defesa da autonomia universitária.
CALENDÁRIO:
DIA 07/11 - 14 horas - Assembléia Universitária no Centro de Eventos da UFG
DIA 09/11 - 14 horas - Assembléia Geral dos Professores para decidir sobre a greve geral - Centro de Eventos da UFG
DIA 11/11 - Greve geral nacional. Ato na praça dos Bandeirantes às 9 horas
DIA 25/11 - Greve geral nacional.