quarta-feira, 24 de junho de 2015

PARA SEMPRE NA MEMÓRIA (RELEMBRANÇAS)

 24 de junho de 2015. Completaram-se 14 anos da morte de meu pai (2001). Foi em seu velório, em meio à dor que eu sentia, que fiquei sabendo da morte de outro baiano ilustre, na mesma data. Este um conhecido cidadão do mundo: Milton Santos. Com esse artigo homenageio Milton Santos, por sua dimensão histórica-geográfica mundial, e por extensão, meu pai, cujo papel político se restringiu ao seu Estado e a sua sempre querida cidade natal, Alagoinhas, onde foi vereador por quatro mandatos(*).

Meu pai, Romualdo, com minha
mãe, Maura. Foto de 1991
Meu pai faleceu no mesmo dia que meu Milton Santos. Romualdo Pessoa Campos, também baiano, vereador por 16 anos pelo PTB, na cidade de Alagoinhas, e por várias vezes secretário  da mesa diretora do legislativo daquela cidade, até ser preso em 1964 e ter desistido da política, tornando-se funcionário público do DNER até se aposentar. A altivez e o orgulho pelo seu trabalho alimentavam uma esperança de que o nosso país desse certo pelo esforço de cada um, como ele fazia.
24 de junho, dia de São João, tão lembrado pelos nordestinos. Um dia para ficar para sempre guardado na minha memória.
Um, cidadão do lugar, incorporado na força dos lentos, baiano do interior, embora quase anônimo me alimentou o orgulho de ser seu homônimo. O outro, também baiano, cidadão do mundo (embora ele não gostasse dessa expressão), esgrimindo na força de seus argumentos, de suas criações e elaborações intelectuais a esperança de um outro mundo, de uma outra globalização. E a morte, a igualá-los na eternidade do meu pensamento, na afinidade dos meus sonhos, na consolidação das minhas crenças, e na afirmação das certezas de que embora curta a nossa vida nessa imensidão de tempo que gesta e desenvolve a humanidade, vale a pena lutar, mesmo sendo ela, a morte, a única certeza do porvir. Mas ela não deve nos desanimar, e sim nos reconfortar, na medida em que escapemos da nossa individualidade e possamos transferir nossos sentimentos humanistas para a construção de uma utopia, sem a qual a nossa existência não teria sentido.

MILTON SANTOS: DA BAHIA PARA O MUNDO
CIDADÃO DO MUNDO
Conheci Milton Santos, em 1996 no Simpósio realizado na USP em sua homenagem: “O mundo do cidadão - cidadão do mundo”. Tempo suficiente para aprender a respeitá-lo e admirá-lo, e a me tornar leitor ardoroso de seus textos e livros.
Também baiano, como ele, formado em História, com pós-graduação nessa mesma área, entrei na Universidade Federal de Goiás em um concurso realizado no curso de Geografia, em 1995 para ministrar aulas de Formação Econômica e Social, também dentro da minha área de formação. Ao final do primeiro ano eu tinha uma firme convicção da importância dessa disciplina, por ser ela fundamental para o entendimento da relação tempo-espaço. Afinal, nada se dá fora do tempo, nem ocorre no vazio, senão num determinado espaço. Além da fundamental compreensão de que nada acontece isoladamente, somente este ou aquele fato podendo ser explicado dentro de um processo que aponte as causas e nos dê a dimensão de um presente que nada mais é do que a somatória de tempos passados. A junção e conjunção de espaços que se transformam num acumulo incessante de novos objetos, gerados por outros, que, outrora novos, foram envelhecidos pelo tempo.
Milton Santos passou a ser um referencial para um redirecionamento das minhas dimensões intelectuais. Primeiro, por uma iniciativa própria, senti a necessidade de buscar nas leituras da Geografia a condição necessária para me dar a compreensão de que eu estava ali para ajudar na formação de Geógrafos. Nada mais justo, e coerente, que procurasse aliar os meus conhecimentos historiográficos, à noção e dimensão do pensar geográfico. Senão me perderia num emaranhado de conceitos e categorias, vendo-os de maneira formal, como se vê habitualmente no senso comum, e banalizando a importância do conhecimento geográfico para o entendimento das relações humanas. É preciso bem mais do que uma mera análise da superfície terrestre; dos cursos dos rios; dos afluentes das margens esquerdas e das margens direitas; da localização cartográfica; das capitais e de seus estados; dos tipos de solo e da qualidade da água. Questões importantíssimas para entender o todo que abrange o nosso planeta, mas insuficientes se desconsiderarmos o principal elemento de ligação: o ser humano, razão primeira e última da existência de todo conhecimento, pois é por ele que todo o saber é gerado.
GEOGRAFANDO O HUMANO
O viés humano da Geografia transportava-a, do sentido estrategicamente imposto por séculos, desde os seus primórdios, que visava facilitar (e guardar) a localização de fronteiras dos nascentes Estados absolutistas, ou desde já o desenvolvimento cartográfico para tal fim, objetivando encontrar mercadorias e mercados, para uma visão mais ampla e racional, no entendimento de que era preciso inseri-la como uma ciência humana.
O lugar, o território, o espaço, a paisagem, as cidades, o urbano e o rural; a cultura, as tradições, enfim a busca de conhecimentos não mecanicamente estabelecidos, mas numa interação dialética que aponta claramente as relações entre o planeta e a sociedade, visualizando as “heranças sociais materiais e o presente social”[1]. Sem se limitar, contudo, à simples constatação de uma determinada realidade, mas procurando soluções que dêem conta de resolver os problemas da imensa maioria da população.
A Geografia mudou, num percurso oposto àquele tomado pela História. Enquanto aquela buscava abranger o todo numa abordagem dialética, encontrando no marxismo os elementos basilares para o entendimento da racionalidade e das contradições que moviam as sociedades humanas, o conhecimento histórico tomava outro rumo, caracterizando-se pela fragmentação. A História fragmentara-se e aprofundara-se no localismo, no cotidiano e nas mentalidades, e à medida que aprofundava-se em suas especificidades, afastava-se do presente e da noção de totalidade, mesmo procurando evitar os riscos do anacronismo.
Apesar de Braudel, que soube trabalhar brilhantemente as noções de espaço e espacialidade, e via tempo-espaço como inseparável, o enfoque dialético que ligará os restos do passado à inexorabilidade das explicações do presente, transfere-se para a Geografia, aproximando-a cada vez mais da sociologia, da filosofia, da economia e da própria história.
E ninguém melhor do que Milton Santos soube compreender o momento da Geografia, direcionando seus olhares para o fazer, na maneira como o homem no presente constrói o seu futuro sobre os restos do passado. Vendo nas técnicas, e em seus usos, as respostas para o entendimento das complexas relações sociais, como “um dado fundamental da explicação histórica, já que a técnica invadiu todos os aspectos da vida humana, em todos os lugares”.[2] Mas, mesmo com tais considerações, ele via a vida “não como um produto da técnica, mas da política, a ação que dá sentido à materialidade”[3]
Surpreendentemente, se considerarmos os direcionamentos dos fatos históricos das duas últimas décadas do Século XX, a produção intelectual do professor Milton Santos avançou na contramão de idéias hegemônicas que procuravam colocar-se como esclarecedoras e definidoras de um fatalismo, que nos impunha a crença em um fim do qual não poderíamos escapar. A “globalização” colocava-se como inevitável, e a sociedade futura como um deslumbramento da vitória do “livre-mercado” sobre o “leviatã”, inoperante máquina do Estado a entravar o progresso. Não somente o neoliberalismo despontava como o ápice das liberdades, como o pós-modernismo surgia para por fim à uma época que se caracterizou pela consolidação dos Estados-Nações e que alcançou seu auge, e também os limites de suas contradições, com o Welfare-State. A crise do socialismo dava um ar de déjà-vu, de estancamento de uma utopia cujo “fracasso” só confirmava a convicção de ser o capitalismo e a economia de livre-mercado o futuro incontestável da humanidade.
Não foi essa a análise que fez Milton Santos em 1993, momento máximo da euforia neoliberal, no 3° Simpósio Nacional de Geografia Urbana, realizada no Rio de Janeiro, quando apontava as principais tendências dos anos 90:
“Na hora atual, e para a maior parte da humanidade a globalização é sobretudo fábula e perversidade: fábula porque os gigantescos recursos de uma informação globalizada são utilizados mais para confundir do que para esclarecer: a transferência não passa de uma promessa. (...) Perversidade, porque as formas concretas dominantes de realização da globalidade são o vício, a violência, o empobrecimento material, cultural e moral, possibilitados pelo discurso e pela prática da competitividade em todos os níveis. O que se tem buscado não é a união, mas antes a unificação”.[4]
Contudo, apesar da acidez das suas críticas quanto ao processo da globalização, da destruição de valores e do encolhimento do indivíduo à superficialidade de suas relações, gerado pelo enorme poder da massificação midiática, Milton Santos apontava na contradição de ser este mundo três em um só, o elemento motivador da crença de que a globalização não passa de uma percepção enganosa onde se impõe a informação, alicerçada na produção de imagens e do imaginário. “O primeiro é o mundo tal como nos fazem vê-lo: a globalização como fábula; o segundo seria o mundo tal como ele é: a globalização como perversidade; e o terceiro, o mundo como ele pode ser: uma outra globalização”[5].
Assim, direcionou seus últimos escritos na contraposição do discurso hegemônico, caracterizado como “Consenso de Washington”, e se tornou uma das vozes mais importantes na abordagem do processo que atravessa a humanidade nas últimas duas décadas do século passado. “Ao contrário do que se disse antes, a história não acabou; ela apenas começa. Antes o que havia era uma história de lugares, regiões, países. (...) O que até então se chamava de história universal era a visão pretensiosa de um país ou continente sobre os outros, considerados bárbaros ou irrelevantes”.[6]
Acreditando na força do pobre e do lugar, Milton Santos enfatizava, utilizando-se de uma expressão da professora Maria Adélia de Souza, que “todos os lugares são virtualmente mundiais”,[7] o próprio sentido da globalidade corresponderia a uma maior individualidade, e nessa relação unicidade-totalidade acreditava que tornava-se necessário encontrar os novos significados do mundo atual redescobrindo o lugar.
Aos pobres ele concedia a primazia de situar-se num ponto de intersecção com o futuro. Acreditava que o distanciamento ao totalitarismo da racionalidade transformava as imagens do conforto, da modernidade tecnológica, em miragens para aqueles que por não estarem inseridos nessa aceleração contemporânea, nesse mundo da profusão de sempre novos objetos, eram por ele caracterizados como “homens lentos”. E por assim ser, por escaparem dessa ventura vedada aos ricos e às classes médias, é que os pobres podem esquadrinhar as cidades e ver na diversidade a necessidade de transformação.
FILOSÓFO DA GEOGRAFIA
“Trata-se, para eles, da busca do futuro sonhado com carência a satisfazer -carência de todos os tipos de consumo, consumo material e imaterial, também carência do consumo político, carência de participação e de cidadania. Esse futuro é imaginado ou entrevisto na abundância do outro e entrevisto, como contrapartida, nas possibilidades apresentadas pelo Mundo e percebidas no lugar”.[8]
Como afirmou o geógrafo e ex-presidente da SBPC, Aziz  Ab’Saber, Milton Santos foi um filósofo da Geografia. Procurou incorporar a crítica aos seus estudos geográficos num crescente resgate da concepção humanista, fundamentada na dialética marxista e no existencialismo sartriano. E assim, ele se impôs perante a Geografia mundial, e no Brasil se tornou um dos mais citados intelectuais das três últimas décadas. Para confirmar a exceção, numa regra caracterizada pela formação cultural dominada por uma elite branca e “estrangeirizada”, a sua cor negra não foi barreira para que se consolidasse como uma das vozes altissonantes da universidade brasileira, e de nossa cultura de uma maneira geral. Autoridade que lhe permitia, inclusive, cobrar coerência de seus colegas de Academia, e a ser duro nas críticas à apatia em que vivia a universidade.
No seu último escrito, um artigo publicado pelo jornal Correio Braziliense, afirma que “por definição, vida intelectual e recusa a assumir idéias não combinam. Esse, aliás, é um traço distintivo entre os verdadeiros intelectuais e aqueles letrados que não precisam, não podem ou não querem mostrar, à luz do dia, o que pensam. (...) A apatia ainda está presente na maior parte do corpo professoral e estudantil, o que é sinal nada animador do estado de saúde cívico dessa camada social cuja primeira obrigação é constituir, como porta-voz, a vanguarda de uma atitude de inconformismo com os rumos atuais da vida pública”[9].
***
Quando escrevi esse artigo minha filha ainda estava viva. Em 2007 ela também se foi, para ficar para sempre na memória. Certamente a palavra que usei no parágrafo anterior – reconfortar - passou a ter um peso maior com a morte dela. Sigo tentando, mas é muito difícil, afinal, embora seja mais fácil nos conformarmos com a morte de nossos pais, pela ordem natural quando chegada a velhice - assim imaginamos – é diferente quando perdemos um filho ou uma filha. Mas, sim, a morte não pode desanimar aqueles que ainda não sucumbiram a ela e que carregam consigo a utopia de um outro mundo, mais justo e solidário. Apesar das evidências apontarem para o contrário, no coração da maioria prevalece esse sentimento que embalou a vida dos que aqui homenageamos. Inclusive minha filha, que como canta Gonzaguinha, carregava essa certeza na pureza de ser criança. A vida, ela segue, a não ser para aqueles que já passaram por ela e nos esperam em algum lugar.

(*) Este artigo foi escrito no mês de junho de 2001, duas semanas após a morte de meu pai e de Milton Santos, um ano de perdas pessoais e de abalos geopolíticos mundiais com o ataque terrorista ao World Trade Center. Foi publicado nesse mesmo ano no Jornal Opção, de Goiânia, no Jornal A Tarde, de Salvador em um suplemento cultural especial sobre Milton Santos. Depois inseri o texto, com alguns reparos no Boletim Goiano de Geografia, Vol. 21, n. 1. Em 2010 postei um resumo dele neste Blog. Agora resolvi publicá-lo na íntegra para lembrar os 10 anos da morte desses dois baianos que de maneiras diferentes foram personagens importantes em minha vida. Um me fez gente como sou, o outro me aproximou da Geografia para sempre. 
(**) 24 de junho de 2015. Volto a publicar este artigo, quatorze anos depois da morte de meu pai, e de Milton Santos. O que está dito  aí não pode ser apagado. Eu relembrarei sempre nesta data.

[1] Santos, Milton. Território e Sociedade. São Paulo: Ed. Fund. Perseu Abramo, 2000. Pág. 26
[2] Santos, Milton. Técnica, espaço, tempo. São Paulo: Ed. Hucitec, 1994. Pág. 67
[3] Idem, Pág. 39
[4] Idem, Pág. 56
[5] Santos, Milton. Por uma outra globalização. São Paulo: Record, 2000. Pág. 18
[6] Idem, Pág. 172
[7] Santos, Milton. A natureza do espaço. São Paulo: Hucitec, 1996. Pág. 252
[8] Idem, Pág. 261
[9] Correio Braziliense, 03 de junho de 2001
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Postado por Romualdo Pessoa às 10:19 

terça-feira, 2 de junho de 2015

GEOPOLÍTICA, ESPIONAGEM E CONTRAESPIONAGEM

A Geopolítica foi por muito tempo discriminada na geografia. As consequências da difusão das estratégias geopolíticas de Haushofer e sua assimilação por Hitler, e o expansionismo nazista inspirado em seus ensinamentos, a manteve afastada da academia, só sendo resgatada com a obra de Yves Lacoste, “A Geografia, isso serve em primeiro lugar para fazer a guerra”. Prevaleceu por todo esse tempo, em especial aqui no Brasil que recebeu forte influência da escola geográfica francesa, as idéias de Vidal de La Blache. O estudo da região se impôs sobre o território. Com isso, a visão de estratégia, elemento essencial para compreender as decisões dos Estados-Nações, bem como a maneira como olhamos o mundo e as decisões políticas, ficaram reféns dos aparelhos de Estado. Enquanto isso, nas universidades, pouco se utilizava da geopolítica. O advento da Geografia Crítica possibilitou que essa situação se revertesse, trazendo a necessidade da reinserção da política nas abordagens da Geografia, como forma de entendimento do processo de ocupação do espaço.
A “Globalização” e as transformações pelas quais o mundo passou a partir da década de 1990 impôs mais ainda, com muita força, a importância da análise geopolítica para compreender toda a dinâmica de um mundo que se movia conectado, e a virtualidade das novas tecnologias, via internet, acelerava a importância de se compreendermos essas mudanças, acompanhá-las e nos adequarmos a elas. Nunca a necessidade do conhecimento estratégico se tornou tão importante, não somente para os estados maiores, como falava Lacoste. Nos negócios, nos embates cada vez mais corriqueiros de um mundo multipolar, nas alterações das alianças globais e dos surgimentos dos blocos regionais, nas guerras travadas não somente pelos métodos tradicionais, mas até mesmo no âmbito da Organização Mundial do Comércio. Planejamento, estratégia, habilidades políticas, domínio do terreno em que se está atuando, capacidade de conhecer o seu adversário, oponente ou concorrente, por tudo isso, e muito mais, o milenar livro de Sun Tsu, “A Arte da Guerra”, constituiu-se em um best-seller. E, assim, no âmbito da Geografia, das Relações Internacionais e da Ciência Política, o entendimento da Geopolítica e das teorias clássicas dos mais importantes geopolíticos, teóricos ou estrategistas, se tornou nos dias atuais essencial.
Por tudo isso, o conhecimento se tornou uma arma vital no mundo contemporâneo. Seguindo-se os ensinamentos de Sun Tsu, se perceberá a importância disso. É preciso conhecer-se a si mesmo, mas isso não será suficiente se não conheceres teu oponente. Isso se aplica nos mundos dos negócios, e, principalmente, na guerra. Por isso, nos últimos anos se têm valorizado tanto aqueles que se destacam com capacidades cognitivas e raciocínios rápidos. Assim, para se destacar uma liderança política, jovens que frequentam escolas com perfis de excelência são visados para serem cooptados com esse objetivo, bem como aqueles que possuem qualidades destacadas na relação com as tecnologias modernas, sejam bons matemáticos e lidem com facilidades com o mundo cibernético. São alvos potenciais de agências de inteligência, mas também do mundo dos negócios, por meio das mais destacadas corretoras que atuam no sistema financeiro.
Vemos hoje que não se busca identificar jovens com capacidade crítica, o conhecimento que se deseja é aquele que se pode adequar aos objetivos estratégicos, devidamente planejado, desses setores listados. Essa é uma nova face do capitalismo, do mundo globalizado, e das disputas no mundo cibernético. Na política, na guerra, nos negócios.
O mundo passou a ser, portanto, um campo de disputa global. E, como numa guerra, e é uma guerra, no entanto, os mesmos mecanismos adotados nos confrontos bélicos, são utilizados no mundo dos negócios e das finanças. E, na arte da guerra, estratégia e tática são fundamentais, mas, especialmente, o conhecimento do seu oponente. E para isso se acentuou no pós-guerra fria, por incrível que pareça, o número de espiões e ações de espionagem, tanto estatais, como terceirizadas, por meio de empresas sofisticadas que agem a serviço de grandes corporações e de países. Vamos abordar alguns elementos do crescimento da espionagem no mundo.
Nunca se espionou tanto no mundo quanto nos dias atuais. Essa característica, da espionagem, se intensificou mais durante a guerra fria, pela própria característica desse tempo, em que duas grandes superpotências disputavam a hegemonia mundial agressivamente, mas sem jamais chegarem a um confronto direto. A espionagem tornou-se o elemento mais forte nessa disputa e levou a embates espetaculares, gerando a partir disso uma literatura farta e amplamente lida. Os maiores Best Sellers tem em suas listas as presenças frequentes de ex-agentes que se dedicaram a relatar em romances eletrizantes o mundo da espionagem. Dentre estes se destacam John Le Carré e Ian Fleming.
A globalização amplia isso em proporções inimagináveis. Não somente em ações que visam obter informações dos Estados Nações, mas tanto nos embates entre as grandes corporações, pela busca de segredos e dados sobre novos produtos em disputas hercúleas pelo mercado, como também na chamada guerra contra o terror, de todos os lados, mesmo dos grupos terroristas, que agem nos dois aspectos, tanto fisicamente quanto por meio de ações cibernéticas. É possível imaginar uma ação como o ataque ao World Trade Center, sem uma ação de espionagem desenvolvida por vários anos de preparação, com informações detalhadas dos alvos e a sistematização de todos os passos a serem dados nos sequestros dos aviões?
Esse é apenas um exemplo, de um mundo que cada vez mais se caracteriza pela obsessão em atingir a privacidade alheia. Em todas as dimensões, somos permanentemente vigiados, e, seguramente, o advento da internet, e a espetacular transformação tecnológica incessante com a criação de aparelhos sofisticados, que se tornam cada vez mais minúsculos, essa bisbilhotagem passou a se constituir em um forte investimento econômico, possibilitando o surgimento de uma verdadeira indústria da espionagem. O ciberespaço, usado cada vez mais por um número crescente de pessoas, com o aumento do numero de usuários das redes sociais, passou a ser também o ambiente de uma verdadeira guerra, não tão fria como no passado, mas que envolve cada vez mais jovens especializados em invadir ambientes virtuais alheios. Sequer as próprias agências de espionagem escapam dessas investidas.
A contraespionagem, por outro lado, também sempre se fez presente, desde tempos milenares. Infiltrar espiões em meio às tropas inimigas sempre foi uma tática adotada desde os enfrentamentos no mundo antigo. Em uma época em que a comunicação era limitada, somente com a presença de elementos que pudessem repassar informações sobre o poder do inimigo era possível se ter o conhecimento da capacidade do oponente. Mas, quando esse espião era descoberto, nem sempre era eliminado. Procurava-se cooptá-lo, oferecendo-lhe não somente a vida, que seria poupada, como se cobria os valores que ele recebia. Assim, esse espião repassava informações falsas para o seu país, ou seus comandantes, e entregava as medidas adotadas para atacar o adversário, para o qual então ele passava a espionar. O que muda nos tempos atuais são os instrumentos pelos quais esse tipo de guerra nas sombras se desenvolve, com o desenvolvimento de tecnologias que possibilita uma outra guerra ser travada, agora no mundo virtual, cujo objetivo é decifrar códigos e mensagens criptografadas para se conhecer os segredos inimigos.
Tanto quanto a contraespionagem, a contra-inteligência tem o objetivo de atingir o adversário naquilo que se torna fundamental nos dias atuais: o segredo.  E impedir que o inimigo tenha acesso a informações estratégicas importantes. Por isso a adoção de códigos e mensagens criptografada. Contudo, nos dias de hoje, com a disseminação de jovens que se dedicam a uma verdadeira guerrilha virtual, os hackers, boa parte das agencias de espionagem buscam também cooptá-los. Alguns dos hackers mais procurados do mundo, terminaram por se constituírem em elementos chaves na área de contra-inteligência.
As descobertas tecnológicas são irrefreáveis. E, por mais paradoxal que possa parecer, os avanços de novas tecnologias estão diretamente ligadas à indústria da guerra. O que mais alimentou a Guerra Fria foi exatamente a corrida armamentista e a corrida espacial. Ambas propulsoras das sofisticações tecnológicas. Se não no campo dos embates diretos, como numa guerra, acontece também na procura por descobertas que se tornem instrumentos de dominação e de controle. De domínio no âmbito das inovações tecnológicas. A inteligência artificial é uma espécie de caminho natural da sequência do processo de robotização da sociedade, uma eterna jogada de deus que acomete sempre os seres humanos, principalmente quando motivados por questões relacionadas ao Poder.
Os Drones representam uma nova estratégia de combater rebeldes em toda parte do mundo, os inimigos externos, identificados como perigosos ao Estado conforme a Doutrina de Segurança Nacional, na qual Bush se baseou para criar o Patriot Act, derrotado esta semana no Congresso dos EUA devido aos escândalos de espionagem denunciado por Edward Snowden. São utilizados na eliminação direta, ou na espionagem para identificar esses inimigos e eliminá-los de forma menos visível. Mas quase sempre os efeitos colaterais são extremamente perversos, com a morte em larga escala de civis.
Drones chineses
Essas novas descobertas tecnológicas militares, terminam por se tornarem instrumentos de negociação com os Estados e são também adotados em outras áreas, seja na pesquisa, agricultura, etc. Constituem-se em mercadorias sofisticadas disputadas e copiadas por todos os países que possuem condições para tal. Cada vez mais um número maior de países irá adquirindo condições de avançar na criação de novas tecnologias de guerras. O Estado de Israel é um dos mais bem preparados para isso. Além do compartilhamento de tecnologias com os EUA, Israel é um dos países com maior capacidade bélica e com uma estrutura moderna desse campo, além de possuir um dos mais temidos sistemas de espionagem do mundo. O Irã também já consegue produzir drones. Mas, como em quaisquer outras circunstâncias, a cada um fabricado dezenas de outros modelos já estão em processo de pesquisa para serem produzidos de forma mais sofisticada. É uma corrida armamentista disfarçada de “uma enorme revolução tecnológica”. Recentemente um drone palestino, sob controle do Hamas, foi derrubado por armas israelenses(**). Indicando que esse tipo de tecnologia de guerra já se encontra ao alcance de estados menores, e até mesmo de grupos ou organizações que não tem vinculação com Estados. O Irã, por exemplo, começou a produzir drones, a partir de cópia feita após interceptação e apreensão de um modelo estadunidense. Inserem-se também na lista de armas possíveis de serem contrabandeadas pelo comércio clandestino de material bélico. Mas, é preciso ressaltar, as ações dos drones são antecedidas pelas atividades de agentes espiões, que identificam o potencial inimigo e apresentam as condições pelas quais ele possa ser abatido.
Drone da Embrapa
Mas os drones serão usados cada vez mais em todos os tipos de atividades e de missão. Na Universidade Federal de Goiás, no Laboratório de Processamento de Imagens e Geoprocessamento, ele já é usado para mapeamento de solo E tem sido usado no combate às drogas pela Polícia Federal, como também por empresas agrícolas no combate de pragas e monitoramento da produção. Como dito anteriormente, as tecnologias avançam a partir da indústria da guerra.
É possível ver essas situações em muitos filmes escritos por roteiristas que se baseiam em livros elaborados por ex-espiões. Os mais bem sucedidos filmes de ação, com foco na espionagem, ou tem espiões como consultores, ou são escritos por quem já esteve exercendo essas funções, como já citei, Yan Fleming e John Le Carré são bons exemplos. Claro que a ficção sempre amplia na espetacularização dos fatos, bem como dão uma dimensão de super-herói a alguns espiões. O que esses filmes nos mostram, no entanto, é a  capacidade que o Estado tem de agir nas sombras, de perseguir e vigiar permanentemente qualquer cidadão, que, por meio das tecnologias atuais, são facilmente identificados e localizados. Bem como a forma como o poder geoestratégico de alguns recursos e de alguns territórios, tornam as políticas externas verdadeiras jogadas de desconstrução e destruição dos inimigos, ou de governantes que se recusem a jogar o jogo das grandes potências.
A corrida espacial sempre foi vista como um dos alimentos da guerra fria, por onde campeavam espiões em busca de informações que pudessem fazer uma potência superar a outra, ir mais longe na conquista do espaço e assim demonstrar sua superioridade. Mas é mais do que isso, as experiências dessas incursões à lua, ou em outros planetas tem também o objetivo de identificar outros tipos de minérios, comprovar experimentos, e encontrar recursos, principalmente água. Representa, também, é claro, o poderio de um país no âmbito da disputa tecnológica. Mas, seguramente, é no campo da pesquisa que tem o seu maior foco e resultado.


(*) Artigo adaptado de uma entrevista concedida para um trabalho de pesquisa e produção de um livro sobre Espionagem, Inteligência Cibernética e Artificial. 
Fontes:
Para ler:
LACOSTE, Yves. A Geografia: isso serve em primeiro lugar para fazer a guerra. São Paulo: Papirus, 2001
TSU, Sun. A Arte da Guerra. Várias edições e editoras
PERKINS, John. Confissões de um assassino econômico. São Paulo: Cultrix, 2004

WOLOSZIN, André Luis. Guerra nas sombras. Os bastidores dos serviços secretos  internacionais. São Paulo: Contexto, 2013