terça-feira, 28 de janeiro de 2014

OS LOBOS DO CAPITALISMO FINANCEIRO

Sempre que me debruço sobre o teclado para escrever sobre algum filme, de imediato me vem à lembrança a trilogia de Matrix. Isso porque esse filme nos consegue levar a reflexões filosóficas sobre a realidade que vivemos, e aquela que construímos em nossos ideais. A que desejamos. Mas essa lembrança tem também a ver com o que quero dizer do filme que agora passo a analisar, “O Lobo de Wall Street”.
Eu digo, após pensar e procurar rememorar a lista de filmes que vi nos últimos anos, que este é um dos melhores que já assisti. Muito embora, e tenho convicção disso, alguns, e não são poucos, dirão que estou exagerando, e até mesmo divergirão radicalmente da minha opinião. Acho natural, tudo é uma questão de paradigma, da maneira como você vê o mundo, e de como nossos hábitos nos conduzem a escolhas bastante diversificadas. Tem até quem goste de Justin Bieber (!?). Ou os que acompanham em pay-per-view as aventuras dos(as) enjaulados(as) do BBB, cada vez mais escolhidos entre corpos “sarados” que tem por objetivo mexer com a libido e provocar os desejos sexuais de seus participantes.
Ora, mas minha referência a esse programa não destoa do que o filme de Martin Scorcese apresenta. Ganância, sexo, dinheiro, poder e drogas. Uma mistura que compõe o universo no qual os protagonistas se envolvem, e que reflete a realidade de um sistema que mergulha cada vez mais na podridão de seus valores. Ou, melhor dizendo, os universos, já que são vários mundos reais ou virtuais que definem o sistema capitalista.
Não é uma ficção. Naturalmente há um roteiro que procura em alguns momentos fazer prender o telespectador, e, portanto, exagera em alguns aspectos. Muito embora possamos dizer que a realidade é bem mais perversa, sempre, do que muitas ficções.
Em relação ao conteúdo, para mim não houve surpresas. Saí do filme com a nítida sensação de já ter visto algo semelhante. E ví. O filme de Oliver Stone, “Wall Street: Poder e Cobiça”, produzido nos anos 1980 (mesma época em que se inicia a história do filme de Scorcese) e com uma sequência que estreou às telas de cinema em 2010, retratando a crise econômica mundial que estourou em 2008. Seguramente Stone se apropriou da história de Jordan Berfort, personagem real do mundo financeiro que inspirou esses dois dos melhores diretores dos EUA. Há no filme de Scorcese, inclusive, uma citação ao mega-especulador Gordon Gekko, principal protagonista do filme de Stone.
Orgia, luxúria e ganância. Ingredientes
presentes em "Wall Street".
Mas não há surpresas em serem histórias parecidas, mesmo que a inspiração não seja a mesma. Simplesmente porque elas tratam da realidade do que acontece no mundo real do capitalismo financeiro. Expõem com toda crueza os mecanismos de funcionamento das estruturas do sistema, suas vísceras, os canais intestinais por onde transitam os excrementos que seduzem e transformam indivíduos, e os elevam à condição de “vitoriosos”, lobos, ou raposas, que transformam dinheiro virtual em riqueza material, cuja ambição cega não enxerga limites na busca interminável por mais dinheiro. Quanto mais se ganha, mais se deseja, assim como o poder. Por isso eles estão juntos, e trazem consigo de tempos bem remotos, já demonstrados na decadente sociedade romana escravocrata e concentracionista, o desejo pelo sexo e a necessidade de se fugir para outra realidade. Por isso, orgias e drogas se misturam num exibicionismo quase sempre criminoso.
Mas o crime não é somente em função desses “divertimentos”. Ele acompanha toda a trajetória daqueles que enriquecem à revelia do processo produtivo, investindo em negócios de fachadas, bombados pelas estratégias maquiavélicas de expertises, que vendem ações de empresas inexistentes, ou criadas virtualmente para iludir incautos gananciosos, sempre dispostos a verem seus dividendos se multiplicarem sem que se produzam nada.
Ganâncias de uns, usuras de outros.  As fraudes são consequências dessas misturas. E o que se vê nessas histórias, transformadas em filmes, mas contadas por personagens reais, é a realidade insofismável, embora contraditoriamente a maioria das pessoas desconheça, ou são iludidas de que são meras ficções, de que o setor do capitalismo onde mais circula dinheiro é onde se concentram as maiores atividades criminosas do sistema.
“Siga o dinheiro”. Essa frase ficou famosa, depois do igualmente famoso caso “Watergate”. Ela teria sido pronunciada pelo personagem “Garganta Profunda”, o elemento anônimo que denunciou o esquema de espionagem que levou à renúncia do ex-presidente dos EUA, Richard Nixon, em um dos maiores escândalos da história política daquele país.
Ele se aplica a qualquer situação de suspeitas de enriquecimentos ilícitos. Muito embora, para mim, todos os grandes enriquecimentos se deem ilicitamente. O filme “O lobo de Wall Street”, baseado, portanto, na história de Jordan Berfort, contada por ele mesmo, traça didaticamente os caminhos percorridos pelas grandes fortunas, que fogem de seus países de origem e encontram guarida nos famosos paraísos fiscais. A Suíça, então tida como o maior desses “esconderijos”, é o exemplo mostrado. Mas sabemos que atualmente são vários os “paraísos”, onde se lavam dinheiro do crime organizado, da corrupção, das drogas, das especulações financeiras. Inclusive o Vaticano, envolto em um escândalo que demonstra o quanto as instituições bancárias de todo o mundo estão envolvidas na lavagem de dinheiro ganho de forma ilícita, criminosa e à custa de uma realidade que demonstra que apenas 1% da população mundial concentra uma riqueza maior do que possui mais de 50% das pessoas que vivem no planeta de 7 bilhões de habitantes. A maior parte vivendo abaixo da linha da pobreza.
O “Lobo de Wall Street”, brilhantemente representado por Leonardo DiCaprio, numa atuação espetacular, é apenas um dentre muitos que fazem brotar dinheiro do nada, sem nenhum tipo de investimento produtivo. O mecanismo é a fraude, a ilusão de ser possível ganhar dinheiro fácil, o marketing que produz mitos do enriquecimento banal e a ganância, como principal peça motora do sistema capitalista.
Cena em que uma jovem se prepara
para transportar dólares para a Suíça
Ao final do filme, o personagem saído da cadeia onde passou apenas três anos, sabiamente aproveitado corrompendo seus carcereiros, passou a se dedicar a realizar palestras a ávidos “filhotes de lobos”, jovens fracassados ou desempregados, insatisfeitos e frustrados, desejosos de enriquecerem, todos eles, mediante os mecanismos fraudulentos possibilitados pelo sistema capitalista. Mesmo fim do especulador Gekko, do filme de Stone. Embora este tenha uma continuidade e portanto um novo começo, a partir da crise de 2008.
Ora, mas deixei para o final a pergunta mais interessante. Esses “lobos” atuam somente retirando dinheiro do pequeno e médio investidor? Daqueles que desejam ver multiplicado seu dinheiro poupado? Claro que não. Tão logo despontem como espertos corretores, conhecidos por fazerem surgir dinheiro do “nada”, e de vender espertamente ações de fúteis empresas, eles são contratados por megainvestidores que os transformam em peças chaves na reprodução de suas riquezas, adquiridas a partir de estratégias que falseiam a realidade e fazem valer muito além do que é real, os valores das ações de suas corporações ou de suas marcas.
Sobrevivem nessa selva, os mais espertos. Jordan sucumbiu por tentar burlar um sistema, por natureza, fraudulento. Operava à margem da “legalidade” de Wall Street. E a demonstrar claramente que pouco se importava com o dinheiro alheio, tido para ele como virtual, e a extrair ao final da burla o que ele entendia como dinheiro real, materializado e transformado na aquisição de bens, na luxúria e na permanente condição de dependente das drogas. A maior delas, isso ele também não escondia, o dinheiro. Elementos que estão sempre presentes, e que fazem com que fique bem demonstrado (para quem quiser ver, naturalmente), que todas as atividades ilícitas e criminosas se encontram na encruzilhada entre o poder e a riqueza. Para encontrar as fraudes, os grandes criminosos, onde se encontram os verdadeiros bandidos que controlam a riqueza do mundo, basta seguir o dinheiro. Lobos, raposas e leões estarão lá, se enfrentando para ver quem possui a melhor característica vencedora: a força ou a esperteza. Mas com certeza, mediante alguma ilicitude. Ou, trocando em miúdos: alguma ação criminosa.
Scorcese dirige DiCaprio e Margot
Robbie, em uma das cenas mais
provocantes do filme
Sugiro que assistam ao filme “O Lobo de Wall Streeet”. Mas os puritanos, os ingênuos, devem ir preparados. Não verão cenas de lutas corporais, sangues jorrando pelos olhos, fantasias que nos prendem nas poltronas. Não. Verão cenas fortes, drogas, sexo, palavrões, banditismo explícito, tudo aquilo que expõe um de nossos mundos. O mundo real do capitalismo financeiro. Depois disso poderão ver que queimar fusquinha, depredar agências bancárias ou sair mascarado nas ruas, sequer arranha... na verdade é um leve sopro, nas estruturas que compõem o sistema financeiro e o poder do dinheiro, concentrado nas mãos de megaespeculadores, banqueiros e das grandes corporações. Aliás, só fortalece um dos elos dessa cadeia, o das grandes seguradoras, porque incentiva a indústria do medo. Paradoxalmente, porque é assim no capitalismo, por trás delas encontram-se as grandes corporações bancárias. Elas estão habituadas a se enriquecerem mais ainda a cada desgraça, às guerras nas quais elas próprias investem para ter os países sobre controle, e até mesmo a tsunamis. Que dirá à ação de um pé de cabra!
Como vencê-los? Não sei. Só sei que não é assim.
Mas continuo acreditando que “um outro mundo é possível”. Para além do capitalismo.

PS: Em 2010 fiz um minicurso na UFG, no Instituto de Estudos Socioambientais (IESA), onde sou professor, chamado “Decifrando o Sistema Capitalista: Crises econômicas e o poder das grandes corporações financeiras”. Como parte da metodologia utilizei a exibição de documentários e filmes, produzidos como consequência da crise de 2008. À exceção de “Wall Street – Poder e Cobiça (1). Mas ao final do curso assistimos e debatemos sua continuação, “Wall Street, o dinheiro nunca dorme”, no Cine Lumiére, por época do seu lançamento. Depois disso outros filmes trataram do assunto. O ganhador do Oscar em 2010, como melhor documentário, “Trabalho Interno”; “Grande demais para quebrar”; e, um filme que mostra os bastidores da decisão que garantiu que o tesouro estadunidense investisse bilhões de dólares em instituições quase falidas, para salvar o sistema financeiro mundial, “Margin Call – O dia antes do fim”. Agora em 2013, com o acréscimo de alguns desses filmes, darei continuidade a esse curso, provavelmente no mês de abril. Um bom momento para conhecermos os “lobos de wall street” e também da Avenida Paulista.

SINOPSE E FICHA TÉCNICA DO FILME: O LOBO DE WALL STREET
Não recomendado para menores de 18 anos 
Durante seis meses, Jordan Belfort (Leonardo DiCaprio) trabalhou duro em uma corretora de Wall Street, seguindo os ensinamentos de seu mentor Mark Hanna (Matthew McConaughey). Quando finalmente consegue ser contratado como corretor da firma, acontece o Black Monday, que faz com que as bolsas de vários países caiam repentinamente. Sem emprego e bastante ambicioso, ele acaba trabalhando para uma empresa de fundo de quintal que lida com papéis de baixo valor, que não estão na bolsa de valores. É lá que Belfort tem a ideia de montar uma empresa focada neste tipo de negócio, cujas vendas são de valores mais baixos mas, em compensação, o retorno para o corretor é bem mais vantajoso. Ao lado de Donnie (Jonah Hill) e outros amigos dos velhos tempos, ele cria a Stratton Oakmont, uma empresa que faz com que todos enriqueçam rapidamente e, também, levem uma vida dedicada ao prazer.
Título original: The Wolf of Wall Street
Ano de produção: 2013
Dirigido por: Martin Scorsese
Gênero: Biografia , Drama , Policial
Nacionalidade: EUA

(http://www.adorocinema.com/filmes/filme-127524/)

sábado, 18 de janeiro de 2014

"ROLEZINHO": VAMOS PASSEAR NO SHOPPING?

Depois de um longo tempo sem novas postagens aqui no Blog, me atrevo a escrever uma nova crônica sobre as transformações que acompanham o nosso cotidiano. Não tenho a pretensão de abordar tudo, seria demais. Mas vou mirar em dois temas que me parecem ser os que mais têm estado presente nos noticiários dos grandes meios de comunicação. O medo e os “rolezinhos”. Como o medo está presente no fenômeno “rolezinho”, comecemos por este.
Muitas análises sociológicas têm sido feitas, embora algumas delas tentando encontrar explicações ideológicas que não estão presentes nesses movimentos. Não são manifestações de protestos. Não são sequer manifestações. Pelo menos num primeiro momento. Evidentemente tomaram outro rumo diante da repercussão e do tratamento que lhes foi dado. E também pelo inusitado e inesperado do próprio fato, já que “ameaça” a tranquilidade dos templos de consumo capitalista, talvez a mais bem elaborada forma de atrair consumidores surgida com a globalização.
Diante disso, como tem ocorrido no Brasil desde a eleição de Luiz Inácio Lula da Silva, estabelece-se de imediato um paradoxo entre liberdade e intolerância, entre pobreza e riqueza, entre luxo e miséria. Os que lidam com os meios de comunicação, ou aqueles que produzem artigos para blogs, como faço aqui, e, principalmente as redes sociais, compartilham suas e outras opiniões e de imediato o debate espalha-se como um rastro de pólvora acesa.
As notícias hoje, se espalham em frações de segundos. Mas, além de notícia, o conhecimento do fato e as reações a ele, criam novos movimentos por outras partes do país. Isso facilitado pela padronização que o capitalismo criou em suas formas de atrair consumidores. Logicamente os mais abastados, os que podem frequentar e gastar nesses templos.  Assim, novos “rolezinhos” se espalham pelas capitais brasileiras, deixando em polvorosa quem pensou nesses ambientes como locais seguros e distantes da pobreza.
Mas estamos nos esquecendo de algo. Quando esses shopings surgiram tornaram-se atrativos para adolescentes de classe média, então apelidados, sabe-se lá porque, de “mauricinhos” e ‘patricinhas”. Paquerar, se exibir, ostentar roupas com marcas de grifes famosas, ou simplesmente por falta de melhores opções de onde se juntarem. O país vivia uma falta de carência de espaços que possibilitassem aglutinar esses jovens e propiciar diversão com segurança.
Mas o país mudou ao longo desses anos, melhor dizer nesse novo século. A ampliação da classe média, como consequência de políticas sociais e de governos com focos diferenciados, se não melhorou a proporção entre pobres e ricos, cujo fosso permanece enorme, garantiu com que uma grande quantidade de pessoas ampliasse o percentual daqueles que se incluem nas camadas médias da população. Ou seja, aquela parcela que tem condições de consumir produtos anunciados por todo o mundo, marcas de grandes corporações, apetrechos tecnológicos, e principalmente roupas e tênis de grifes.
No entanto, consumir esses produtos não quer dizer, necessariamente, inclusão social. De fato. Os chamados “emergentes” não são aceitos pela classe média tradicional e pela velha e arrogante elite brasileira (muito embora esse seja um fenômeno que ocorre também em outros países). O Brasil passou a conviver com um fenômeno contraditório, melhorava suas condições socioeconômicas (apesar ainda de muito distante do desejável), mas se deparava com um ódio de classe impertinente, incensado por meios de comunicação que viam por terra seus projetos de manutenção de determinados políticos adequados a esses perfis e a seus interesses mesquinhos e ideologicamente conservadores.
Por todos esses anos alimentou-se um sentimento de negatividade diante de conquistas importantes, acentuou-se a política do medo e o “complexo de vira-latas” que se reproduz em postagens idiotas nas redes sociais. Apesar dessas melhorias atingirem uma parcela importante da população a forma como a grande mídia retratou nesses anos o país e o menosprezo pelos avanços obtidos criava uma sensação, no inconsciente coletivo, que nada melhorava. Do ponto de vista sociológico isso emperrava a auto-estima das camadas que melhoravam suas condições de vida. O medo do endividamento, permanentemente enfocado nos vários noticiários das grandes redes de TV, mantinha essas pessoas na velha insegurança que sempre lhes perseguiam. Afastavam-nas, assim, mesmo que inconscientemente, das convivências com o mundo de cima. Quando alguns, mais eufóricos e ousados, atreviam-se a romper a fronteira que delimita os campos sociais, eram vistos com desdém e o perverso preconceito de classe. Tornou-se comum observar os estilos das pessoas, seus hábitos, jeitos de se vestirem, gostos musicais, e isso, no dia-a-dia das pessoas, e aí de uma maneira geral, tornou-se piada, gozações, “zoeiras”, comuns em locais de trabalho, lazer e nas redes sociais. A velha estratégia de dissimular o preconceito e fazer com que até mesmo as potenciais vítimas desses preconceitos riam deles próprios.
Estranhamente, até pelas ações de políticas públicas, passou-se a combater com mais veemência o preconceito “racial”, assim como cresceu também o combate aos crimes de homofobia. Medidas importantes foram tomadas para que isso acontecesse, e felizmente tem feito mudar comportamentos, apesar dos ressentidos direitistas religiosos e fascistas de todos os tipos, que persistem na intolerância. Mas são cada vez mais em números reduzidos, apesar do poder que ainda possuem.
Mas o estranhamento se dá pelo fato de paralelo a isso viesse se fortalecendo o preconceito social, com a ampliação da barreira existente em determinados ambientes, no caso específico os “shopping centers”. Muito embora tivessem surgido alguns de “perfis populares”, onde se vendem efetivamente as mesmas marcas que os mais elitizados. Mas sempre foi nítida a desconfiança que perseguia principalmente jovens de classes menos abastadas, que se aventuravam a passear nesses templos luxuosos. Isso inibia alguns de os frequentarem, somente se arriscando ou com a família ou em pequenos grupos. Nesse último caso, mantendo-se sobre eles uma vigilância permanente.
Daqui eu pulo para os “rolezinhos”, cujo significado é dar uma voltinha, passear. Ora, as últimas manifestações ocorridas no Brasil não podem ser esquecidas quando analisamos esse novo fenômeno que preocupa os Shoppings, e a burguesia, naturalmente. Juntemos as duas coisas e o que teremos é o resultado de um verdadeiro “empoderamento” por parte do que podemos classificar como comunidades de jovens que se reúnem nas redes sociais. Assim como se espalharam pelo país os vários chamamentos para as manifestações que mobilizaram principalmente os jovens, por todos os Estados brasileiros, nas grandes e médias, e até pequenas cidades, o fenômeno se repete com os “rolezinhos”.
Mas há algo que se disseminou pelas periferias das grandes cidades. O chamado “funk ostentação”, que se espalhou a partir do Rio de Janeiro e de São Paulo. Ao contrário do “funk social”, aquele se caracteriza por aderir ao estilo de vida das elites, e de buscar ostentar os mesmos produtos de marcas famosas, carros de luxo etc. Os artistas que produzem as músicas desse estilo e são badalados até mesmo pela burguesia e classe média alta, conseguem penetrar em ambientes elitizados. Mas os jovens da periferia, adeptos desse movimento sempre tiveram dificuldades até mesmo de frequentar os shoppings onde pudessem ostentar ou adquirir esses produtos. Não viveriam como iguais, mas desejavam se mostrar como tais.
Os mesmos mecanismos adotados para mobilizar para as manifestações, inclusive dos black blocks, passaram a ser usados para encher esses templos de consumo, não para combater qualquer tipo de discriminação ou de preconceito, muito menos para levantarem a bandeira do fim da propriedade privada e do socialismo. Mas para ocuparem o que é para eles de direito. Se antes, andar em pequenos grupos os tornavam alvos dos seguranças, que os monitoravam permanentemente, agora, com os “rolezinhos”, essa sensação de empoderamento se compara com a força com que essa mesma juventude se insurgiu contra a violência policial nas manifestações. Assim, encher os shoppings, mediante a mobilização via rede social os tornaram mais do que visíveis, deram a eles o poder que é comum quando o ser humano se junta (e naturalmente sempre acontece descontrole e oportunistas, mesmo se em minoria). Em se tratando de jovens, ávidos por ocuparem espaços de seus desejos e que sempre lhes foram negados, a “zoeira” toma uma dimensão incontrolável. Afinal, onde está escrito que é negado passear com sua turma no shopping?
Como essa pergunta não encontra resposta, e estando sendo proibidos de “passear”, os rolezinhos, aí sim, viraram atos de protestos e se disseminam muito mais rapidamente. Como contê-los? Eis aí uma boa pergunta para ser respondida por aqueles que criam seus próprios mecanismos de destruição. No século XIX, um impertinente barbudo já havia alertado para isso. E dizia que o capitalismo seria vítima de suas próprias contradições.