sábado, 23 de junho de 2012

ENTRE O PARAGUAI E O EGITO – AS TRADIÇÕES GOLPISTAS E A FALÁCIA DA DEMOCRACIA PERPASSAM OS CONTINENTES


Memorial da América Latina

Eu poderia iniciar esse texto tomando como referência Honduras, que viveu recentemente um processo semelhante, com a deposição do presidente Manuel Zelaya em um “golpe branco”. Ou mesmo as tentativas de golpes e assassinatos contra Hugo Chavez, da Venezuela e Rafael Correa, do Equador. Ou quem sabe citar a manipulação da mídia e dos setores conservadores em torno de um escândalo, tomado proporções inusitadas pelos interesses em jogo – o midiaticamente denominado “mensalão” – quando se aventou também a hipótese de um impeachment do presidente Lula, aqui no Brasil.
Qualquer um desses exemplos, e tantos outros possíveis de ser encontrados na história política latino-americana nos possibilitam entender a maneira como a elite tradicional lida com o controle do poder, e apregoa a falácia da democracia, a seu bel-prazer, sempre no intuito de manter o controle sobre os meios de produção, do sistema financeiro e do modelo latifundiário que vigora por aqui desde há séculos. Para isso ainda é bem atual o livro de Eduardo Galeano, “As veias abertas da América Latina”.
Mas como vivemos um momento de expectativa em torno desses dois acontecimentos, onde por maneiras diferentes processos que se acreditavam democráticos são tomados por golpes de estados mais sofisticados, utilizando-se de mecanismos constitucionais, mas manipulados de acordo com os interesses em jogo. O Paraguai e o Egito são bons exemplos para demonstrar o quanto a democracia é um sistema representativo dos setores conservadores, somente  permitido às forças populares quando na sua utilização não consigam adquirir maioria no parlamento. E reage-se à força, os proprietários dos meios de produção, quando se veem ameaçados em seus domínios, ou quando a eminência de um poder popular os assustam, impregnando-os de temor de ter suas riquezas ameaçadas. 
MAIS UM GOLPE NO PARAGUAI
Talvez seja este o país de maior tradição golpista na história da América Latina. E o que mais tempo conviveu com uma ditadura militar, sob o comando do general Alfredo Stroesner, que após um golpe militar em 1954 governou aquele país por 35 anos, entremeada por sucessivas fraudes eleitorais.
A herança desse e de outros caudilhos e ditadores transformou o Paraguai em um dos países mais atrasados economicamente do continente americano. Dominado por uma forte elite agrária, a pobreza se disseminou majoritariamente por todo o seu território, sem que fosse possível criar um movimento camponês forte, em função da violenta repressão que sempre marcou a política paraguaia.
A eleição de Fernando Lugo se apresentava como uma vitória das forças populares, e consequência dos ares de mudanças que vicejava por toda a América Latina. Mas isso só foi possível com uma ampla aliança política, que o levou a um acordo com o Partido Liberal Radical, que poderíamos, grosso modo, assemelhá-lo a uma mescla de PSDB e DEM.
Contudo, os anos de ausência de democracia não permitiram a consolidação de um sistema partidário que fugisse do bipartidarismo que vigorou por toda a ditadura stroesner. Assim, em aliança com um partido conservador, que possuía ao lado do Partido Colorado maioria no parlamento, Lugo se viu impossibilitado de implementar reformas progressistas. Sua tentativa esbarrou logo imediatamente na formação do seu governo, levando a um imediato rompimento do vice-presidente liberal. Agora protagonista do golpe, assumindo a condição de presidente, e de um partido que, embora sendo representante das forças conservadoras e do latifúndio, há mais de sessenta anos estava fora do controle do poder político.
Impedido de consolidar suas propostas de mudança, por não possuir sequer um terço do parlamento, Lugo se viu isolado e ainda por cima desacreditado pelos movimentos populares, principalmente os sem-terras, camponeses que travam uma batalha ferrenha contra o enorme poder que os grandes proprietários de terras, latifundiários, possuem naquele país. Inclusive controlando boa parte do parlamento.
Sem-terras no Paraguai
opovonalutafazhistoria.blogspot.com.br
A gota-d’água de tudo isso foi exatamente um confronto envolvendo latifundiários, policiais e sem-terras, em uma fazenda de propriedade de um ex-senador colorado. O final do conflito deixou 18 mortos, entre camponeses (11) e policiais (7), num típico conflito de guerrilha, já que envolveu até mesmo grupos guerrilheiros (Exército do Povo Paraguaio) que atuam na região, embora uma suspeita não comprovada e que requer desconfiança pelas fontes que deram essa versão. A insinuação de que grupos populares vinculados ao governo também estivessem ao lado dos sem-terras serviu como pretexto para que os setores conservadores, provavelmente sentindo-se ameaçados pela determinação de Fernando Lugo de propor uma Reforma Agrária (embora não tivesse apoio político para isso), iniciasse um processo em rito sumário, sob o argumento de “mau desempenho de suas funções, com o intuito de derrubar o presidente democraticamente eleito.
Enfim, consolidado esse golpe, em menos de 48 horas, vemos um comportamento semelhante ao que aconteceu aqui no Brasil, em 1964. Também a bandeira da Reforma Agrária, a amedrontar e ameaçar os interesses de grandes proprietários de terras, aliado ao crescimento e fortalecimento das Ligas Camponesas, foi o pano de fundo para que o cargo de presidente fosse declarado vago após a mobilização das tropas militares que em 1º de abril daquele ano também implementou um golpe com argumentos parecidos. Da mesma forma que Lugo, João Goulart também não possuía uma forte base parlamentar e se via também acuado por boa parte da esquerda, que criticava sua lentidão para consolidar as transformações reivindicadas.
Nos dois casos o sectarismo por parte dos grupos de esquerda, ansiosos por mudanças aceleradas, se contrapôs a outra semelhança entre as duas situações, a aliança dos setores conservadores e reacionários. Historicamente, enquanto a esquerda se divide a direita se unifica, em torno da defesa de seus interesses corporativos, principalmente de seus meios de produção, grandes propriedades, bábricas e bancos.
Conclusão, o Paraguai volta por meio de um outro golpe de estado, travestido de interesses “democráticos”, porque com base no parlamento (assim também o foi aqui no Brasil, quando o presidente do Congresso declarou vago o cargo de presidente), a ser governado pelos setores conservadores.
Tudo indica que os próximos meses serão decisivos para definir os rumos da “democracia” paraguaia. Provavelmente haverá uma radicalização nas lutas sociais e um aumento da repressão contra o movimento camponês, levando a um acirramento da luta de classes e a provável conflito guerrilheiro que poderá até mesmo ameaçar a fronteira brasileira, porque onde se situa um dos principais focos desse embate, envolvendo os apelidados “brasiguaios”, antigo produtores brasileiros que se instalaram naquele país e ali consolidaram um forte poder latifundiário.
O que se pode esperar agora é que as nações que componham a Unasul reconheça a situação do Paraguai, como de uma situação golpista, tendo sido ferido de morte os valores democráticos, através do afastamento de um presidente eleito através de um julgamento sumário, exercido em um tempo recorde a partir de uma situação de fragilidade política gerada pelo próprio parlamento, incapaz de ceder aos interesses corporativos dos grandes fazendeiros,  minoria proprietária da maioria das terras paraguaias, dentre os quais os chamados "brasiguaios".
EGITO: DA PRIMAVERA ÁRABE A UM LONGO E TENEBROSO INVERNO
Já teci aqui no Blog crítica á formulação de uma “primavera árabe”. Uso o termo para criticá-lo, na medida em que erroneamente procura assemelhá-lo ao período de intensas revoluções burguesas no século XIX denominado pelo historiador Eric Hobsbawm, como a “primavera dos povos”. As manifestações iniciadas pela Tunísia, a partir do protesto em auto-imolação de um vendedor ambulante, e espalhou-se por uma série de países, teve seguramente origem na indignação de milhões de jovens e potencializadas pelas redes sociais.
Praça Tahrir no Cairo
Mas, nesse caso, quanto em tantos outros que se espalharam pelo resto do mundo, e através de uma postura sectária e de não aceitação da participação das organizações políticas e sociais, o grito de indignação se não foi abafado, foi gradativamente sendo manipulado. E se o temor inicial pela não aceitação da presença de partidos tomou corpo em meio à multidão, isso não inibiu, na sequência das saídas institucionais, que o movimento fosse cooptado pelo legalismo das eleições e pela sutileza com que foi aplicado um golpe de estado disfarçado mantendo o poder sob o controle dos militares.
Apoiado pelos países ocidentais europeus e pelos Estados Unidos, e naquela região pela Arábia Saudita, tanto os militares (no caso do Egito), quanto a Irmandade Muçulmana (no Egito e na Tunísia, além de sua participação no conflito da Síria), passaram a se constituir em alternativas para os interesses do império, bem como para conter o aumento da influência do Irã.
Entre idas e vindas, e dois processos eleitorais sendo um parlamentar e outro presidencial (algo inédito naquele país), a característica marcante que fica é da manipulação através de mecanismos legais (como no exemplo do Paraguai) para manter o controle do poder nas mãos dos militares e, por outro lado, com a destituição do parlamento recém-eleito pela junta militar, impedir que o próximo presidente, oriundo da Irmandade Muçulmana, venha a ter uma maioria parlamentar. O objetivo é dificultar a governabilidade, principalmente através de medidas que venham a desagradar os interesses dominantes da minoria de privilegiados, e manter sob controle um provável estado islâmico, que possa vir a funcionar como nos Emirados Árabes, no Kweit e em outras monarquias muçulmanas que dominam a região tendo a frente a Arábia Saudita.
Mursi - Irmandade Muçulmana
EFE - Revista Época
O resultado eleitoral foi divulgado neste domingo, e a demora visou dar tempo à Junta Militar de desfazer o parlamento, e impor limites ao poder presidencial. Mas, principalmente, para garantir com que as principais estruturas do estado egípcio se mantenha sob controle dos militares e atendendo aos interesses dos Estados Unidos num região de enormes interesses estratégicos. Mesmo assim, uma incógnita prevalecerá, quanto aos rumos que o Egito tomará nos próximos anos.
Ao fim de tudo o que podemos aprender desses exemplos é que a dita democracia só tem valor se atende aos interesses daqueles que controlam a riqueza, seja meios de produção ou o sistema financeiro. É admissível às elites perder o poder político para partidos que não sejam de suas  representações, mas não é admitido que as ações desses partidos, ou lideranças que ascendam ao poder, extrapolem os limites de seus interesses. O que vale então é ou a plutocracia ou a teocracia, atendendo aos interesses dos setores mais ricos, no primeiro caso, ou de grupos religiosos no segundo caso, desde que estejam os dois em perfeita sintonia. O que quase sempre acontece.
Com isso quero dizer que a democracia, que deve ser vista historicamente, não em seu sentido universal como a própria social-democracia procurou apresentar, é incompatível com os valores capitalistas. Na medida em que esse seria um regime representativo que atenda aos interesses da maioria, quando no capitalismo prevalecerá sempre os interesses de uma minoria, controladora dos meios de produção e permanentemente atenta a se impor pela força cada vez que o seu poder estiver sob ameaças.
Junta militar governa o Egito desde
a queda de Mubarak
O Paraguai, bem como o Egito, são alguns dos tantos outros exemplos que deveriam nos instigar, e alertar aqueles que lutam contra o processo de dominação excludente e se dispõem a lutar contra as injustiças sociais. O que se vê nesses processos é uma verdadeira autofagia entre setores de esquerda, que digladiam-se e se veem muito mais como inimigos do que deveria ser a própria burguesia. O sectarismo e a incapacidade de se fazer política para além dos interesses mesquinhos dificulta a formação de uma base de apoio progressista, bem como a eleição de parlamentares identificados com as lutas populares. Essa situação termina por jogar nas mãos da burguesia o controle dos parlamentos, e impõe a qualquer governo de esquerda que se eleja a necessidade de composições conservadores para manter a governabilidade.
Evidentemente, nessas situações as medidas que poderiam possibilitar transformações radicais, como a reforma agrária, não se consolidam, mantém um caos político, acirram os ânimos entre a própria esquerda e garante os pretextos para que um parlamento conservador majoritariamente aplique golpes de tomada de poder escorando-se em constituições limitadas e implementadas exatamente no sentido de conter qualquer ascensão ao poder de grupos que apliquem medidas que alterem as estruturas arcaicas do estado conservador.

domingo, 17 de junho de 2012

VAMOS SALVAR O PLANETA? COMECEMOS POR SALVAR AS PESSOAS.


Tenho debatido com alguns colegas, velhos amigos de longas e prazerosas jornadas de lutas, aquilo que nos dias atuais tem chamado as atenções no mundo, a par de uma infinidade de outros problemas sociais que nos cercam: as questões ambientais.
Em algumas discussões que participo, principalmente na universidade, tenho concordância com os argumentos postos na linha da defesa ambiental, em outros casos sinto uma irritação natural em função de toda uma trajetória de vida, de formação humanista e marxista. Percebo um radicalismo excessivo na defesa da natureza, e uma conformação, senão cumplicidade, quando se trata de abordarmos os problemas sociais, notadamente aqueles ligados à pobreza e à crescente marginalidade e violência que cercam as comunidades carentes. As questões são abordadas pelo lado puramente técnico, em detrimento do social.
Na medida em que a polêmica cresce, e sinto uma angústia diante de algumas ambiguidades – visto que tenho plena noção dos problemas ambientais, mas que não dizem respeito somente à natureza em si, mas à sociedade também (pois o ambiente comporta a natureza e seu entorno construído) – procuro questionar as razões que levaram alguns antigos defensores do socialismo a enveredarem pelos caminhos do radicalismo ambiental. Como se nada mais importasse no mundo senão o discurso verde, politicamente correto porque definido assim pela mídia, em detrimento de questões mais urgentes de serem resolvidas, para salvar os vivos que já nasceram e não conseguem viver condignamente.
Questiono, por exemplo, se vale a pena lutar pela natureza com tanta radicalidade, semelhante aos xiitas islâmicos, ou os fundamentalistas cristãos, se a vida humana concentrada em bolsões de misérias em cidades com milhões de habitantes, em sua maioria pobres e vivendo em periferias mal-cuidadas ou favelas, passam por um processo crescente de degradação moral, seja individual ou coletiva.
Claro que no aspecto da degradação essa não é uma condição posta apenas para os mais pobres. Há aí, contudo, uma distinção. A degradação entre os mais pobres se dá como decorrência das condições insalubres, miseráveis e deterioradas em que eles vivem.
No caso da classe média e da elite rica, essa degradação moral se dá como necessidade de se buscar, ou manter, uma vida marcada pelo individualismo, ganância e orgias, que se define como “hábitos modernos”, adequados ao novo século em que vivemos.
É a modernidade, cercada de aparatos sofisticados e tecnologias permanentemente superáveis, e por isso necessariamente supérfluas, pois precisam ser constantemente substituídas a fim de garantir a ostentação do luxo e dos prazeres modernos. E o lucro, claro!
No primeiro caso, romper com a miséria pressupõe ampliar o desenvolvimento econômico, garantir à população acesso a emprego e renda que possibilitem a essas pessoas viverem com o mínimo de dignidade possível. Mas não são poucos os investimentos que precisam ser feitos para atingir um patamar minimamente aceitável. O país, no caso específico, o Brasil, precisa produzir muito, ampliar sua capacidade industrial, avançar em conquistas tecnológicas e agregar valores aos produtos fabricados. Esse é somente o começo para diminuir as diferenças sociais gritantes.
No segundo caso, reduzir a lógica insana consumista, e a obsessão doentia pela riqueza a qualquer custo. O que pressupõe, naturalmente, uma alteração no estilo de vida e uma mudança dos hábitos culturais que implique rever valores que consideram natural as abissais diferenças sociais. 
Não seriam essas frutos de capacidades individuais, de superação, ou de ordem genéticas que definem competências e possibilidades de ascensão social mediante o “pedigree”. Nem o que se prega na explicação religiosa, fundada no sacrifício, para justificar a predestinação que atingiria alguns. À maioria fica reservado “o reino dos céus”. São os bem-aventurados que viverão no pós-morte o paraíso, sem os ricos, esses desalmados a purgar seus pecados nos paraísos terrenos.
Em um caso e no outro, não há a mínima hipótese de considerar “salvação”, considerando-se inclusive a necessidade de “salvar” a natureza, dentro dos limites que nos impõe a lógica do mundo capitalista.
Portanto, considero nula, hipócrita, oportunista e outros adjetivos semelhantes que encontrarmos, levantar bandeiras de defesa ambiental que não venham acompanhadas dos questionamentos sobre a maneira como funciona o modo de produção capitalista. Em miúdo: o que se faz é o puro discurso político (carregado de oportunismo e hipocrisia), sem aplicabilidade prática, porque no final sobrepõe-se os interesses das grandes corporações. Aos pequenos sobram as migalhas, embora muitos digam falar em seus nomes.
Não são os indivíduos, em si mesmos, responsáveis pelo quadro que o mundo vive. E não é somente a destruição da natureza. Listamos uma infinidade de outros problemas que afetam nossa vida, a começar pelo caos urbano, com os traçados de cidades definidos para atender à indústria automotiva e da construção civil. Grandes corporações que lucram absurdamente. E continuam lucrando com o discurso ecológico, “sustentável”.
A responsabilidade maior está nas condições de vida criadas a partir dos mecanismos que movem o sistema capitalismo. Ou superamos isso, e consequentemente alteramos nosso estilo de vida (do qual, ressalve-se, ninguém parece abrir mão), ou tentamos nos salvar do pântano puxando nossos próprios cabelos, ao estilo do nobre mentiroso Barão de Munchausen. Este, como se sabe, conta-se em suas memórias, salvou-se de um pântano trançando as pernas na barriga de seu cavalo e puxando com suas próprias mãos seus cabelos fortemente ao alto conseguiu içar a ambos.
Não se trata de menosprezar a destruição à natureza, que realmente acontece. Nem sobrepujar aqueles que honestamente preocupam-se com o ambiente em que vivemos, principalmente em prol da existência humana com dignidade. Mas de ressaltar as enormes contradições que cercam esse discurso, a necessidade de termos uma visão de totalidade e compreendermos o mundo complexo que construímos não em bilhões de anos, mas nos dois últimos séculos, principalmente. E para o bem, ou para o mal, há por trás de todos os problemas um nome: CAPITALISMO!
E na lógica que esse sistema nos impôs, é lícito lutar para que aqueles que vivem na miséria em decorrência das injustiças geradas pelo capitalismo, possam também superar suas dificuldades e ter acesso às tecnologias e produtos sofisticados, e a renda para poderem viver bem, se alimentar três vezes ao dia, ter saúde e dinheiro para divertirem-se, mesmo que seja nos shopíngs centers, templos do consumismo capitalista. Onde sempre nos encontramos, verdes ou vermelhos. É a contradição.
Ou, se não for assim, que sejamos honestos e lutemos pelo fim do capitalismo e pela  construção de um sistema em que seja possível falar de equilíbrio ambiental a partir de um equilíbrio social. Precisamos reinventar o socialismo.

Continuarei a tratar desse tema, sem necessariamente ser preciso citar novamente o ilustre Barão.

sexta-feira, 15 de junho de 2012

O RENASCIMENTO DO MOVIMENTO ESTUDANTIL NOS ANOS 1980


Elaborei esse texto para a Revista UFG Afirmativa, publicada em 2009, eu já havia postado aqui no Blog e resolvi repetir, já que participo nesse final de semana de um seminário promovido pela Fundação Maurício Grabois, em que farei parte de uma mesa redonda que discutirá as ações desenvolvidas aqui em Goiás naqueles anos.  Eu sempre o utilizo para relembrar aqueles momentos. Creio ter, modestamente, sido feliz nesse resumo. Para aqueles que viveram essa época fica um pouco de nostalgia, para os que nasceram dos anos 80 para cá registramos uma parte de uma intensa luta, que deve ser vista, claro, considerando-se todas as diferenças existentes entre o ontem (década de 1980, sec. XX) e o hoje (começo da segunda década do sec. XXI). Para a nossa geração fica a certeza de que "fizemos história" , combatemos o bom combate. Não cito nomes, para não cometer a injustiça de esquecer alguns, mas um documentário que fizemos pode ser visto no youtube, acesse-o, são momentos de luta, dedicação e reencontros: 
http://www.youtube.com/watch?v=-cWCQtsVD94 
***
Em março de 1980 eu entrei na Universidade, no curso de História. Recém-chegado à Goiânia, vindo da cidade de Morrinhos, onde morei por quatro anos depois que cheguei da Bahia em 1974, eu não possuía nenhum histórico anterior de participação no movimento estudantil. Ao contrário, eu era mais um jovem alienado, como a maioria daqueles da minha idade, e ainda não compreendia bem o que acontecia no país.
Mas tudo mudaria a partir de então. E posso dizer, antecipando a conclusão que virá a seguir, que me tornei protagonista de um período de intensas lutas, e pude vivenciar de corpo e alma o renascimento do movimento estudantil e, ao mesmo tempo, contribuir com uma geração que pode se orgulhar de ter conduzido o nosso país ao processo de redemocratização política.
No antigo ICHL, Instituto de Ciências Humanas e Letras, concentravam-se os Centros Acadêmicos mais atuantes, mas não os únicos. Os demais espalhavam-se por várias outras unidades: Agronomia, Veterinária, Medicina, Engenharia, Farmácia, Odontologia etc. A concentração de quatro importantes Centros Acadêmicos àquela época (História, Ciências Sociais, Letras e Jornalismo – outros se destacariam nos anos seguintes), fez daquele instituto o centro das manifestações. De onde partiam, quase sempre, centenas de estudantes bradando palavras-de-ordens, em direção à reitoria ou a algum ponto onde se encontrasse alguma personalidade política que se tornasse alvo de nossas revoltas.
Ainda em 1980 entrei na diretoria do Centro Acadêmico de História e ascendi três anos depois à presidência do mesmo.  Em 1981, já como Secretário Geral do C.A. pude participar de uma das maiores greves da História do Movimento Estudantil pós-reconstrução da UNE (1979), e fizemos em Goiânia, durante o desfile de sete de setembro, uma manifestação que ganhou as manchetes de todos os telejornais e jornais impressos da capital. Uma foto, em que quatro policiais disputavam minhas partes em plena Avenida Tocantins, tornou-se capa dos três diários. E enquanto as manchetes de capa eram preparadas eu e mais dezenas de outros colegas éramos fichados no DOPS e na Polícia Federal. 
Mas a par dessa repressão, conseguimos fazer uma greve com intensa participação por mais de cem dias, e no final, desgastado pela inflexibilidade, derrubamos o ministro da Educação Eduardo Portela, que foi substituído pelo General Rubem Ludwig. Embora militar, este conseguiu estabelecer um diálogo com  as lideranças da greve e algumas reivindicações foram atendidas. A greve cumpriu seu objetivo, e foi um momento importante dentro do processo de desgaste que passava o governo ditatorial dos militares.
 1982 foi o ano em que retomamos nosso direito de eleger diretamente o governador de Goiás e no ano seguinte pudemos demonstrar que esse fato só colocava mais ímpeto em nossas lutas. Levantando a bandeira do meio-passe estudantil realizamos um dos mais espetaculares movimentos da história do movimento estudantil goiano e encurralamos um governo democraticamente eleito, demonstrando que a voz das ruas e dos movimentos sociais é quem define a importância da democracia. Por mais de quatro meses, de intensas mobilizações, manifestações, pulas-catracas – boicote ao pagamento de passagens nos coletivos -, e desvios das rotas dos ônibus para nos levarem à manifestação em frente ao Palácio do Governo, criamos um verdadeiro caos no sistema coletivo urbano de Goiânia e desesperamos as principais autoridades do governo de Goiás.
Entre ônibus depredados (a maioria por ações fora do nosso controle, dado à dimensão que o movimento tomou), queimados e lideranças presas, ameaçadas de processos, passaram-se praticamente seis meses de intensas lutas. Partíamos quase sempre em manifestações que saíam do ICHL, onde instalamos um QG. Quase todos os dias tinham, revezando-se, várias lideranças do Movimento Estudantil, gritando palavras de ordem e conclamando os estudantes a manterem o movimento do pula-catraca. Sabíamos que a condição para conseguirmos negociação com os representantes do governo era a manutenção de uma luta com grande participação dos estudantes. E, à custa do sacrifício de aulas, e de perda de semestre, como no meu caso, conseguimos o compromisso do governador, à época Ìris Rezende, de enviar mensagem para a Assembléia Legislativa garantindo esse nosso direito.
A desmobilização era inevitável depois disso. Estávamos satisfeitos com o resultado, um pouco cansados por tanto tempo em luta, e o tombo veio a seguir. De meio-passe vimos nossa reivindicação reduzida para um terço de desconto nas passagens. Conquistamos esse desconto e no ano seguinte retomamos a luta até chegar a um momento memorável, quando desviamos alguns coletivos e paralisamos todo o centro de Goiânia, parando ônibus e bloqueando três principais avenidas de Goiânia: Araguaia, Goiás e Tocantins. Mais de uma centena deles ficaram parados, porque no início só liberávamos carros pequenos, e à noite pudemos ver a dimensão do nosso ato, quando os telejornais transmitiram imagens tomadas de um helicóptero e um mar de ônibus parados em toda a praça cívica tornaram-se a imagem principal das manchetes daquela noite e dos jornais do dia seguinte.
Naquele mesmo dia poderíamos ter fechado acordo com as autoridades que foram até ao coreto para negociar conosco, não fosse uma extensão da revolta que começara na avenida anhanguera, e o povo, também revoltado com os constantes aumentos das passagens e a péssima qualidade dos coletivos, começou a depredar os ônibus, e seguiu-se uma turba incontrolável que subiu pela Goiás e Araguaia até onde os ônibus estavam parados. Não pudemos controlar e a maioria desses ônibus teve seus vidros quebrados. Perdemos ali momentaneamente a condição de negociação, mas não o pique do movimento. Seguimos em frente e conseguimos o desconto de 50%: o meio-passe que todos os estudantes hoje podem usufruir.
 Esses dois momentos apenas ilustram o que foi o movimento estudantil nos anos 80, mas não somente eles, muitos outros, pois a marca dessa época foi de permanente mobilização social e atividades culturais. Tínhamos também pela frente, ainda em vigor, embora já em processo de desgaste, uma ditadura militar, que nos negava, inclusive, o direito de escolhermos o presidente da República. E essa foi mais uma batalha da qual essa geração participou intensamente. Desde o primeiro comício das diretas, que ao contrário do que se imagina não ocorreu na Praça da Sé em São Paulo nem no Espírito Santo, mas sim em frente ao Ginásio da UCG, para onde havia sido marcado o ato que contou com a presença dos senadores Teotônio Vilela e Ulisses Guimarães e foi organizado pelo Diretório Central  dos Estudantes da UCG com o apoio de outras entidades. O espaço ficou pequeno e o ato foi transferido para o meio da rua, em frente ao ginásio. Iniciávamos, assim, mais uma frente de batalha, que perdurou até o momento da votação da Emenda Dante de Oliveira, e após termos vivenciados multidões percorrerem praças e avenidas, somando-se em alguns casos a mais de um milhão de pessoas. Apequenado e medrado o Congresso, ainda sob o controle dos militares e de setores conservadores, negou-se a garantir o direito de termos eleições diretas para presidente. Rejeitada a emenda uma aparente frustração e uma visível revolta transpareciam um sentimento de derrota.
Mas nossa geração ainda tinha pela frente duas lutas importantes. Derrotar os militares e escolher um congresso constituinte. Não nos restou outro caminho a não ser apoiar o senador Tancredo Neves no Colégio Eleitoral. Em 1984, tendo sido vice-presidente regional Centro-Oeste da UNE, pude representar a UNE na Comissão Nacional da Juventude Pró-Tancredo, ao lado de Aécio Neves, Roseana Sarney, Guel Arraes, Delcimar Pires (goiano e então presidente da UBES) e uma filha de Jorge Amado, que não me recordo o nome. Pudemos assim, por caminhos transversais, derrotar os militares e abrir caminho para um novo tempo em nosso país. Muito embora a eleição de alguns presidentes “pós-tudo” isso tenha nos deixado um pouco frustrados, pelo que representou em termos de força ideológica e popular aquelas lutas.
A década de 1980 terminaria enterrando alguns dos sonhos de sua geração, embalada que era pela bandeira do socialismo e da liberdade, o oposto a tudo aquilo que vivíamos havia décadas em nosso país. Mas derrotados os militares aqui no Brasil e em boa parte da América Latina, vimos assumirem ao poder governos que não representavam o nosso discurso, e, ao seu final, outros desmoronavam nos países onde acreditávamos estarem plantadas as sementes de um sistema que deveria sagrar-se vitorioso no embate com o capitalismo. O socialismo entrou em crise nos países do leste europeu e na União Soviética e embalou de outra maneira os sonhos de uma nova geração. A nossa, buscando capitalizar as intensas lutas, deixou a universidade e mergulhou na nova onda que seguia o mundo, preocupada em garantir junto ao novo deus, o mercado, as melhores posições. Outros voltaram à universidade na condição de professores, mas já contaminados pelo novo discurso que suplantara ideologicamente as utopias socialistas.
Aqueles, que como eu, permaneciam fiéis a um ideal já visto como ultrapassado, eram tratados jocosamente como dinossauros, jurássicos, para repetir a palavra holywoodiana da moda, embalada pelo sucesso dos filmes de Spielberg. Era in ser neoliberal, embora ninguém aceitasse a pecha. Eram esses os chamados para comentar os rumos da economia mundial. A década de 1980 passou a ser vista como a “década perdida”, embora a responsabilidade por isso não fosse assumida por quem verdadeiramente tornara-a assim, mas sim àqueles que lutavam contra tudo que a transformara em uma década absolutamente improdutiva. O discurso nacionalista, estatista, e da defesa da soberania, foi dado como o responsável por todos os erros, quando na verdade não passara de discurso. A prática entreguista, submissa aos interesses imperialistas, responsável pelo caos político e econômico, safava-se aderindo ao novo estilo neoliberal de ser: da competência, da expertise, da hipocrisia. Deu no que deu: crises econômicas mundiais, aumento da desigualdade social e da marginalidade.
Vivemos dias intensos. Combatemos, como costumávamos dizer, o bom combate. Divergíamos com rigor, mas respeitando nossos adversários no movimento estudantil, caminheiros de uma mesma direção. Muito embora por meio de outras idéias, tínhamos objetivos parecidos. E éramos duros com os defensores da ditadura militar, e isso nos custou muitas prisões e espancamentos, apesar de já no fim do período das torturas, mas ainda éramos forçados a freqüentar os DOPS e DOI-CODIS.
Pudemos recentemente, em dois encontros que realizamos para juntar aquela geração, nos reencontrar com o passado, mas receosos de discutir o presente. Procuramos reunir os velhos companheiros da corrente Viração. Mas fizemos muito mais, juntamos inclusive antigos adversários. Hoje, nem tanto. Naturalmente, muitos de nós nos encontramos em posições diferentes dentro do espectro político e ideológico, e alguns daqueles que divergiam naquela época hoje se encontram ao mesmo lado, como a reforçar o sentimento real, de que a vida é plenamente repleta de contradições. Mas foram reencontros marcados por sentimentos saudosistas, repletos de lembranças de uma época que marcou no século XX a última geração embalada pelo ambiente da guerra fria. Soubemos e sabemos nos respeitar, principalmente, porque tínhamos plena convicção que nossos objetivos eram pautados por sentimentos humanistas, solidários e contrários a toda e qualquer opressão.
Não, definitivamente, a década de 1980 não foi uma década perdida. A nossa geração também deixou plantadas nela as sementes de um novo Brasil, que vemos agora germinar.

(*) Romualdo Pessoa Campos Filho, foi Secretário de Imprensa e Divulgação (1980), Secretário-Geral (1981) e presidente (1982) do Centro Acadêmico de História; Diretor de Imprensa do DCE (1982); Diretor de Imprensa da UEE-GO (1983); Vice-presidente Regional Centro-Oeste da UNE (1984-1986); Vice-presidente da UEE-GO (1987);

quarta-feira, 6 de junho de 2012

UMA GUERRA SILENCIOSA: O ATAQUE DOS DRONES, A GUERRA CIBERNÉTICA E A ESPIONAGEM MODERNA


As condições para uma guerra hoje são extremamente difíceis, muito embora os motivos estejam bem visíveis. Afinal, não basta ter vontade, ou motivos, para fazer uma guerra, não estamos tratando de um jogo de vídeo game. Eu diria que no caso do Irã, a Geografia está a seu favor. Claro que ele não é um país intransponível, mas as dificuldades para atingir o seu território são reais pela complexidade de suas fronteiras. Vejam o atoleiro em que as tropas ocidentais estão metidas no Afeganistão que só tem a seu favor, exclusivamente, a Geografia.  Mas no caso do Irã as condições militares para reagir são infinitamente superiores às desse pequeno, pobre e frágil país.
Mas não é a primeira vez que um grande império se complica nos montes e cavernas afegãos. No século XIX o império britânico passou por situação semelhante, e teve que retirar seus soldados sem atingir seus objetivos. Já no século XX foi a vez da União Soviética, que também permaneceu nesse território por certo tempo, mas abandonou, no momento em que sucumbia todo o seu império. Foi derrotado pelo mesmo Talibã, com o apoio dos Estados Unidos. Desta vez, no século XXI, tem sido a vez dos EUA e das tropas da OTAN.
Considerando a gravidade de uma crise que toma uma proporção cada vez maior, conforme já analisado anteriormente, a decisão sobre o desencadeamento de uma guerra é muito difícil, por mais que na mídia e nos discursos haja uma forte radicalidade. Não que ela não possa acontecer, mas antes disso muito jogo de palavras, sanções econômicas e tentativas de acordos diplomáticos irá acontecer.
Enquanto isso se espalha pelo mundo um verdadeiro exército de espiões. É impossível afirmar com certeza, mas podemos deduzir que nunca houve tanta espionagem no mundo, nem mesmo durante a guerra fria. Tanto para atender interesses dos Estados, como também para desenvolver trabalhos que têm como objetivo coletar informações para empresas sobre as ações de suas concorrentes. A espionagem industrial cresceu muito também nos últimos anos, bem como aquela que busca obter informações privilegiadas sobre as condições de determinada empresa a fim de fazer uso no mercado financeiro, que possibilitam a um mega investidor ganhar milhões de dólares da noite para o dia. Ou agir para derrubar um concorrente.
As tecnologias são instrumentos que garantem uma enorme facilidade para as ações desses espiões. Mas a maior eficácia tem sido através do mais absoluto sigilo de identidade. Personagens múltiplos, que parecem sair dos filmes, mas que na verdade são eles que dão vida real às histórias que nos fazem ver que de fato eles existem. Há uma infinidade de literatura que relatam a vida desses personagens, alguns fictícios, como James Bond (dos filmes de 007), ou Jason Bourne (da trilogia Bourne, cujo quarto filme já está sendo finalizado e será lançado ainda este ano). Personagens cujas histórias são recheadas de disputas políticas, envolvendo altos escalões de seus governos. John Le Carré é um especialista na composição dessas histórias e personagens, foi ele próprio um agente secreto do M16, cuja carreira foi encerrada por ter seu nome divulgado em uma lista de espiões, anunciada por um agente britânico duplo, também a serviço da KGB. Isso pode ser visto no cinema atualmente, com a adaptação de um de seus livros mais antigos, num filme lançado em 2011. “O Espião que sabia demais” traz em seu enredo situações que são vistas como autobiográficas.
Em se tratando de filmes, que nos possibilitam ter uma dimensão do mundo da espionagem, e da capacidade destruidora de suas ações, um que tem sua história baseada em fatos reais mostra a caçada que se seguiu a um dos maiores atentados envolvendo países que são inimigos. “Munique”, de Steven Spielberg, narra todo o processo de caça aos terroristas palestinos, do grupo Setembro Negro, que assassinaram atletas israelenses durante as Olimpíadas de Munique, em 1972. Agentes do Mossad (serviço secreto israelense, um dos mais eficientes), com autorização expressa da então presidenta Golda Meir, iniciaram uma verdadeira caçada por vários países até encontrar e eliminar, um a um, aqueles que participaram desse atentado.
Esses filmes nos ajudam a entender o complexo mundo da espionagem, mas embora dêem um aspecto de espetacularização, o nível de sofisticação tecnológica, de preparação dos grupos e de crueldade na concretização de seus atos, eles são bem mais complicados no mundo real. Somente temos a verdadeira dimensão disso tudo quando alguns desses personagens, que vivem no submundo da espionagem, resolvem abandonar seus afazeres e denunciar essas atividades. Mas elas são por demais tão maquiavélicas e perversas que muitas são vistas como exageradas, até porque aqueles que as denunciam são postos pela mídia, a serviço dos interesses dos Estados, como fontes suspeitas ou desacreditados.
Um exemplo disso é a sequência de livros escritos por John Perkins – “Confissões de um Assassino Econômico” e “A história secreta do império americano” – ex-agente da Agência de Segurança Nacional dos Estados Unidos, cuja atividade, segundo ele narra, era desconhecida pela própria CIA. Os objetivos de suas atividades era criar dificuldades econômicas para países que não seguissem as orientações dos EUA, se falhasse nesse intuito entravam em ação os “falcões”, cuja função era então eliminar alvos importantes, chefes de Estados, principalmente, que fossem hostis à política estadunidense.
Aliando-se esse exército de espiões que agem sorrateiramente por todo o mundo, com as novas tecnologias e um espetacular esquadrão de satélites de última geração que estão prestes a causar um congestionamento no espaço, torna-se praticamente impossível dizer que alguém está imune ou protegido qualquer que seja o local onde esteja. Um retrato bem feito disso pode ser visto no filme “Inimigo do Estado”, que mostra como a ficção pode nos ajudar a compreender uma realidade que para nós, simples mortais, passa completamente despercebida.
Ainda buscando no cinema os exemplos dessas ações, o filme “Syriana” dá uma demonstração da possibilidade de eliminação de um governante desafeto dos interesses do império. Quando o provável sucessor ao comando de um país rico em petróleo, que se recusava a aceitar as imposições dos interesses corporativos estadunidense, é eliminado a partir dessas sofisticações tecnológicas. Um simples apertar de botão, em um comando situado a milhares de quilômetros de distância, nas instalações de suas agências, permite atingir um inimigo, com o auxílio de satélites, em ações que são vistas ou como acidentais ou atribuídas a grupos terroristas. Também nessas circunstâncias, vale o escrito por Yves Lacoste, “a geografia serve antes de mais nada para fazer a guerra”. As coordenadas, latitude, longitude, bem como o geoprocessamento e também o georeferenciamento, constituem-se em informações geográficas importantes, pelas quais é possível acertar um alvo com “precisão cirúrgica”, a milhares de quilômetros de distância.
Voltemos à situação beligerante em relação ao Irã. Diante das dificuldades aqui abordadas, seja em função da geografia, da crise econômica ou dos problemas existentes nas outras frentes de guerra, tem sido exatamente essas ações de espionagem que estão sendo utilizadas para impedir que o Irã possa construir armas nucleares. Desde 2010 quatro cientistas iranianos foram assassinados, dentre eles Majid Shahriari, fundador da sociedade nuclear do Irã, morto em 29 de novembro de 2010, por uma bomba magnética colocada em seu automóvel, e, mais recentemente, o cientista Mustafá Roshan, vice-diretor da usina de Natanz, que morreu em situação semelhante no começo deste ano, em 11 de janeiro.

A GUERRA DOS DRONES E A CYBERWAR (GUERRA CIBERNÉTICA).

Além dessas ações de agentes espiões, a tecnologia tem sido aperfeiçoada para contornar situações que eliminem a possibilidade de uma guerra. Os assassinatos seletivos, seja de suspeitos de terrorismo ou de pessoas que possuem importância estratégica em programas nucleares, são antecedidos do uso de equipamentos sofisticados, cada vez mais criados para agir sem serem notados. O intuito desses avanços na tecnologia é colocar cada vez menos soldados ou agentes em condições de serem descobertos, eliminados ou servirem como moedas de troca em situações que podem deixar o império desmoralizado.
Assim, podemos dizer que já há uma guerra em curso. Tanto pelos assassinatos que ocorrem em várias partes do mundo (e foi dessa forma que Osama Bin Laden foi eliminado), como pela ação de aviões cuja tecnologia os tornam praticamente invisíveis. Os “drones”(*), como estão sendo conhecidos, já se constituem não somente num instrumento poderoso, e marginal, de atingir alvos em territórios inimigos, como também estão se tornando o mais novo investimento bilionário da indústria de aviação, mas cuja maioria está envolvida em projetos militares.
Segundo a revista Exame, a Força Aérea dos Estados Unidos estima que ao final desta década o mercado dos drones alcance 55 bilhões de dólares, sendo que 77% dele dominado por aquele país (Revista Exame, 10.12.2012). Esses mais novos objetos de desejo da indústria militar são pequenos aviões não-tripulados,  também utilizados na agricultura para lançamentos de agrotóxicos, mas tem se constituído em uma importante arma para dar localizações precisas aos poderosos satélites, bem como alguns deles são capazes de carregar mísseis suficientes para eliminar suspeitos em qualquer parte do mundo. Uma das características mais importantes desses aparelhos é que não podem ser detectados pelos radares atualmente existentes. Mas, claro, ocorrem de serem localizados eventualmente, como aconteceu no começo deste ano. Um drone, RQ-170 Sentinel, cuja função é o reconhecimento realizado em alta altitude, foi derrubado ao violar o espaço aéreo iraniano. Capturado pelo Irã, certamente esse será desmontado possibilitando assim o conhecimento de sua tecnologia, permitindo a esse país também obter brevemente um aparelho desse porte.
Além dessas duas possibilidades de guerra silenciosa, uma outra estratégia tem buscado na internet condições para desencadear uma verdadeira batalha cibernética. Invasões de sites importantes, como já aconteceu no caso do programa nuclear iraniano, ação atribuída aos Estados Unidos e Israel, também está se constituindo em arma para sabotar projetos importantes de nações inimigas. De outro lado os hackers se reproduzem e agem contra empresas estratégicas, corporações e centrais de espionagem, como FMI e CIA. Em seu discurso de começo de ano, nos EUA, Barack Obama anunciou a redução de investimentos militares, nada que tire esse país do topo da lista dos que mais investem nessa área. Mas o que chamou a atenção foi a manutenção dos gastos, e até em alguns casos ampliação, em setores como a cibernética e as tropas especiais.
Assim, o mundo contemporâneo traz a marca da espionagem, da sabotagem e da cópia em escala planetária. A sofisticação tecnológica criada pela internet tem possibilitado tudo isso, fazendo com que uma enorme indústria de bisbilhotagem seja estruturada para capturar informações importantes e piratear conhecimentos e pesquisas relevantes, principalmente aquelas que possam ser usadas no campo da grande economia e na indústria da guerra. A privacidade dos indivíduos desaparece num enorme big brother planetário. Muitos olham para o céu quando se refere a seu Deus, pois deviam saber que lá do alto somos todos observados pelos olhares cínicos dos satélites. Mas quem nos observam não são deuses, mas tem o poder de vigiar e controlar nossas vidas.
É importante dar ênfase a eminência de uma guerra virtual, talvez já em curso, que envolve o controle da informação através da internet, e de dados sigilosos ou conhecimentos que são considerados de segurança nacional pelos Estados Unidos e outras nações. Mas o controle atualmente da internet encontra-se em mãos estadunidenses, algo que já deveria de há muito tempo ter sido questionado, mas somente agora algumas vozes se levantam, dentre elas o Brasil, para impedir que um país consiga exercer o controle e vigilância sobre o que circula no mundo pelas redes sociais. Recentemente isso se radicalizou, com a tentativa do Congresso dos Estados Unidos aprovar uma lei que impõe um rígido controle sobre a internet, com o pretexto de preservar direitos autorais de interesses das grandes corporações da indústria cultural.
As ações contra o wikileaks, com a prisão de seu fundador e a disputa judicial para extraditá-lo para os Esados Unidos, e mais recentemente a prisão dos criadores do megaupload, numa ação que envolveu a polícia da Nova Zelândia e o FBI, são uma demonstração de que uma cyber-guerra se aproxima. Como resposta vários hackers invadiram alguns sites de governos e personalidades por todo o mundo, inclusive no Brasil, e também do próprio FBI, a polícia federal estadunidense.
Em 2011, um vírus potente, denominado stuxnet, prejudicou o programa nuclear iraniano, e foi denunciado por um grupo de especialistas russos como sendo parte de um pacote de cinco armas cibernéticas, criadas por Israel e os Estados Unidos. Outro vírus, o cavalo de tróia Duqu, conectado ao stuxnet, tem o potencial de causar um enorme estrago afetando programas e roubando dados de pesquisas. Seriam essas algumas das armas conhecidas, mas que já estariam ultrapassadas, uma vez que teriam sido criadas em 2007. Atualmente outras já poderiam ter sido desenvolvidas, com muito mais poder de penetração em programas ultra-secretos.
Tudo isso nos dá uma pequena visão do que teremos pela frente no momento em que as grandes potências se depararem com um fosso cada vez mais profundo, por causa de uma crise sem perspectivas de solução em curto tempo. A eminência de perder espaço para outras nações e deixarem de controlar regiões que possuem importâncias estratégicas fundamentais para a manutenção de hegemonias econômicas e militares, deverão fazer com que mecanismos mais sofisticados sejam também utilizados, com o intuito de praticarem sabotagens e desestabilizarem governos.
Por ironia da vida, mas resultado das contradições que nos cercam e apresentam resultados que nem sempre esperamos, mas que são criadas pelas próprias condições geradas pela maneira como se constroem alternativas para fazer do mundo um lugar cada vez mais lucrativo, a globalização trouxe surpresas desagradáveis para os países centrais da economia capitalista. E o que se vê nessa segunda década do século XXI é o inverso do que se pretendia com o deslumbramento que tomou conta do mundo a partir do final da década de 1980. Países considerados de terceiro mundo, ou subdesenvolvidos, ou na melhor das alternativas, em desenvolvimento, deram um salto significativo, apoiando-se nos investimentos estatais e nas necessidades de abastecer o mundo com alimentos e um comércio diversificado de objetos essenciais no cotidiano da vida das pessoas. A Globalização destruiu a capacidade dos países ricos de geraram empregos para suas populações, na medida em que eliminaram boa parte de suas indústrias com o objetivo de ganhar dinheiro fácil explorando mão de obra nos países mais pobres. Um tiro no pé, e como já disse aqui em outro artigo, usando em seu título a frase de uma música de Geraldo Vandré: “é a volta do cipó de aroeira no lombo de quem mandou dá!” (http://www.gramaticadomundo.com/2011/10/volta-do-cipo-de-aroeira-no-lombo-de.html)
Encerro aqui a “Crônica de um mundo em transe”, mas o que abordei nessas cinco partes forma um mosaico de fatos e situações que não fecham um ciclo que acompanha a crise mundial. Como disse anteriormente, com base no que aprendi do marxismo, a economia é o grande condutor da política, seja local, nacional ou mundial. Se a economia vai bem, não há tantos percalços políticos, por mais que aqueles que fazem oposição desejem que as coisas piorem, como condição para conquistarem o poder. Mas se há uma crise econômica grave, seguramente os distúrbios serão inevitáveis e os desequilíbrios financeiros afetam a ordem política. E quando é constatado que essa crise tem um caráter mundial, é inevitável que as nações que detém hegemonia na ordem geopolítica mundial procurem mecanismos, nem sempre éticos, para garantirem a manutenção do poder em suas mãos.
Então, se o presente é incerto, o que se dirá do futuro, que ainda deverá ser construído sobre os escombros de uma crise estrutural, de um sistema que tem por essência enfrentar permanentemente o dilema de viver das crises e de sobreviver a elas?
Seguimos otimistas, apesar de tudo, e dos interesses gananciosos da burguesia e dos que se aliam a ela, acreditando que o mundo será sempre melhor.



Artigo escrito em janeiro de 2012, finalizando uma série de cinco, denominados CRÔNICAS DE UM MUNDO EM TRANSE.
(*) Atualizando: 
1 - Suspeito de pertencer a Al Qaeda foi eliminado por um drone em 09 de fevereiro, no Paquistão: http://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/afp/2012/02/09/aviao-teleguiado-mata-lider-da-al-qaeda-no-paquistao.htm.
2 - Ataque de drones dos EUA matam 16 pessoas no Afeganistão: http://www.vermelho.org.br/noticia.php?id_noticia=184944&id_secao=9
3 - Suposto número 02 da Al Qaeda foi morto por um drone em 05 de junho, no Iêmen: http://ultimosegundo.ig.com.br/mundo/2012-06-05/ataque-dos-eua-mata-n-2-da-al-qaeda-no-paquistao-diz-autoridade-americana.html

4 - http://www.cartacapital.com.br/internacional/porque-os-eua-continuarao-usando-drones/

5 - 16 pessoas são mortas no Paquistão, em agosto de 2012: http://5dias.net/2012/08/20/avioes-nao-tripulados-drones/

6 - No Iêmen, dois indivíduos suspeitos de pertencerem a Al Qaeda são assassinados por avião não tripulado, em agosto de 2012 (Drone): http://www.passeiaki.com/noticias/drone-americano-mata-dois-supostos-terroristas-no-iemen

7 - Em setembro de 2012, cinco suspeitos de pertencerem à Al Qaeda são assassinados por aviões não tripulados: http://g1.globo.com/revolta-arabe/noticia/2012/09/ataque-no-iemen-mata-5-membros-da-rede-terrorista-da-al-qaeda.html


8 - Segundo ministro do Interior paquistanês, 336 ataques de drones foram realizados no Paquistão e assassinaram 2.300 pessoas: http://ianoticia.com/2012/10/18/paquistao-80-dos-mortos-em-ataques-de-drones-dos-eua-eram-inocentes/

9 - Mais um líder da Al Qaeda foi assassinado por um avião não tripulado (drone) no dia 7 de dezembro de 2012: http://www.anonymousbrasil.com/paquistao-ataque-de-drone-americano-mata-lider-da-al-qaeda/

10 - O Irã apreende mais dois drones, e avisa que seus cientistas já detém o conhecimento para reproduzi-los: http://www.vermelho.org.br/noticia.php?id_noticia=201659&id_secao=9

11 - Mapa localiza bases aéreas que operam drones americanos - Melissa Brecker  (Direto de Birmingham, especial para o Terra). Cerca de 30 outros países possuem veículos aéreos não tripulados, mas a frota americana de 7.494 drones (dados de 2012) e sua atuação em conflitos no Afeganistão, Paquistão, Iêmen e Somália se destacam. Em seu último balanço estratégico, o Instituto Internacional de Estudos Estratégicos (IISS, na sigla em inglês), de Londres, mapeou as bases pelo mundo a partir das quais drones americanos partem em voos de reconhecimento ou ataques:  
http://www.terra.com.br/noticias/infograficos/drones/
12 - Como EUA executam, sem julgamento, supostos “inimigos”. Por que civis são alvo. De onde partem ataques. Que precedentes programa abre Por Cora CurrierProPublica | Tradução Vila Vudu  -  http://www.outraspalavras.net/2013/02/19/drones-dossie-sobre-uma-guerra-suja/

13 - ONU: DRONES DOS EUA VIOLAM A SOBERANIA DO PAQUISTÃO - Ataques conduzidos por aviões não tripulados (drones) dos EUA violaram mais uma vez a soberania do Paquistão. A declaração, tornada pública na quinta-feira (14), foi resultado de uma visita de três dias feita por uma missão da ONU no Paquistão. A visita foi mantida em segredo até que a equipe deixasse o país.
(http://www.vermelho.org.br/noticia.php?id_noticia=208534&id_secao=9)

14 - OS ROBÔS DA CIA E O FASCÍNIO DE MATAR POR CONTROLE REMOTO - Durante o inverno, ouvi comandantes militares e funcionários da Casa Branca murmurarem em voz baixa sobre como eles teriam que criar uma estrutura jurídica e moral para os robôs assassinos voadores que executam alvos ao redor do mundo. Por Maureen Dowd, no The New York Times. http://www.vermelho.org.br/noticia.php?id_noticia=212030&id_secao=9




FILMES CITADOS:
(FONTE: ADOROCINEMA.COM)

1. MUNIQUE

Título original: (Munich)
Lançamento: 2005 (EUA)
Direção: Steven Spielberg
Atores: Eric BanaDaniel Craig, Ciarán Hinds, Mathieu Kassovitz.
Duração: 164 min
Gênero: Drama

Sinopse:
Em setembro de 1972, em meio às Olimpíadas de Munique, um ataque terrorista sem precedentes foi transmitido ao vivo para 900 milhões de pessoas. Um grupo palestino denominado Setembro Negro invadiu a Vila Olímpica, matou 2 integrantes da equipe olímpica israelense e manteve outros 9 como reféns. 21 horas depois o ataque chegou ao fim, com todos sendo mortos. Pouco depois Avner (Eric Bana), um jovem israelense revoltado com o ocorrido, recebe de um oficial do Mossad uma ordem sem precedentes: abandonar sua esposa grávida e sua identidade para caçar e matar os 11 homens apontados pela inteligência de Israel como tendo planejado o atentado. Avner aceita a ordem e passa a liderar uma equipe de apenas 4 integrantes, extremamente talentosos. Eles passam então a viajar pelo mundo em total sigilo, na pista de cada um dos nomes de uma lista muito bem guardada.

2. SIRIANA

Título original: (Syriana)
Lançamento: 2005 (EUA)
Direção: Stephen Gaghan
Atores: George ClooneyMatt DamonAmanda Peet, Nicholas Art.
Duração: 126 min
Gênero: Drama

Sinopse:
Há 21 anos Robert Baer (George Clooney) trabalha para a CIA investigando terroristas ao redor do planeta. À medida que os atos terroristas se tornaram mais constantes, Robert nota que a ação da CIA passa a ser deixada de lado de forma a favorecer a politicagem. Com isso vários sinais de ataque foram ignorados, devido à falta de tato dos políticos para lidar com terroristas.

3. INIMIGO DO ESTADO

Título original: (Enemy Of The State)
Lançamento: 1998 (EUA)
Direção: Tony Scott
Duração: 132 min
Gênero: Ação

Sinopse:
O congressista Phillip Hammersley assassinado por um órgão do governo, logo após ter se declarado radicalmente contra uma lei que, em nome da segurança nacional, permitiria que houvesse uma total invasão de privacidade, pois na prática qualquer pessoa poderia ser monitorada pelo governo. Mas, acidentalmente, o crime filmado e o dono da gravação, vendo-se ameaçado, coloca a prova do crime na sacola de compras de Robert Clayton Dean (Will Smith), um advogado que era seu conhecido. Ele ainda tenta escapar, mas na fuga morre atropelado. Sem ter a menor noção do que está acontecendo, Robert vai para casa com a gravação e deste momento em diante sua vida se transforma em um verdadeiro inferno, pois, sem que saiba, suas roupas e objetos pessoais têm escutas, logo ele perde o emprego e todos seus cartões de crédito são cancelados. Vendo-se ameaçado, ele tenta entender tudo e continuar vivo, mas suas chances são poucas, pois está envolvido em uma trama inimaginável.